Emerson Barros de Aguiar: ‘A fossa moral
das Marianas - influencers, coachs e cadeiradas’
Jô Soares dizia que se
pode atestar que uma pessoa está realmente surda quando não escuta mais
elogios.
O desejo de ser
apreciado, querido, reconhecido, valorizado, gostado, é uma necessidade básica
do ser humano. Falar de si e se promover, consequentemente, é o corolário
natural desse impulso. Essa busca por reconhecimento é motivada por
necessidades profundas e instintivas.
A necessidade de
estima foi investigada por Abraham Maslow, nas décadas de 1940 e 1950, e por
outras teorias que investigaram por que os indivíduos experimentam satisfação
ao serem apreciados. Segundo a famosa Pirâmide de Maslow, as pessoas são
movidas por camadas distintas de necessidades que devem ser atendidas de forma
hierárquica. Sua teoria diz que, após terem as demandas por alimentação e por
segurança satisfeitas, os indivíduos passam a buscar satisfações de ordem
subjetiva, entre as quais o afeto, o sentimento de pertencimento e a
autoestima. A afirmação é coerente com o que também propôs Aristóteles no Livro
Alfa da Metafísica: somente as civilizações que dão conta do atendimento de sua
sobrevivência imediata têm a possibilidade de desenvolverem as artes e,
posteriormente, dedicarem-se às atividades contemplativas e à reflexão
filosófica. Em sua perspectiva etnocêntrica, ele pontificou que, entre as
civilizações antigas, somente a talassocracia grega ofereceu as condições de
possibilidade necessárias ao florescimento do pensamento filosófico e da
ciência.
A necessidade de
reconhecimento é o quarto nível da pirâmide de Maslow e engloba dois aspectos:
a autoestima, como percepção de valor próprio; e a aprovação externa, que é a
carência por aprovação social. Sem a satisfação de tais requisitos, a pessoa
não se sentiria realizada.
Para a pesquisadora
Kristin Neff, da Universidade do Texas, a autoestima se vincula ao modo como
somos percebidos pelos demais. Contudo, também segundo ela, embora o
reconhecimento externo valide e impulsione temporariamente a autoestima,
depender excessivamente do aplauso alheio conduz a problemas de insegurança e
de ansiedade. Um estudo conduzido pelos pesquisadores Diana Tamir e Jason
Mitchell na Universidade de Harvard, revelou que falar sobre si ativa áreas
cerebrais ligadas ao prazer, a exemplo do córtex pré-frontal medial e do núcleo
accumbens. Tais regiões cerebrais são associadas ao sistema de recompensas do
cérebro, encarregado da liberação de dopamina, o neurotransmissor que produz a
sensação de gratificação. A investigação mostrou que, ao compartilharem
informações sobre si mesmas, as pessoas experimentam uma satisfação semelhante
à que ocorre durante atividades como comer, ser cortejado ou receber
recompensas monetárias.
Quando uma pessoa fala
sobre si mesma e recebe a atenção desejada nas redes sociais, seu comportamento
é reforçado, o que a leva a repetir o ato, num ciclo intensificado e
potencializado, onde o feedback positivo em forma de "likes" e de
"comentários" retroalimenta o impulso de autopromoção. A par desse
fato, as redes sociais oferecem recompensas intermitentes que mantêm os
usuários engajados, incentivando-os a buscar uma validação contínua para
experimentarem uma sensação de controle e poder cada vez maior sobre o ambiente
social.
É inegável que a busca
frenética por notoriedade nas mídias digitais tem comprometido a saúde mental
dos seus usuários, exacerbando sentimentos de ansiedade e dependência, em
decorrência de terem sempre a sua autoestima avaliada por métricas totalmente
aleatórias e arbitrárias.
A demanda opressora
pelo sucesso digital, sinônimo de relevância e aceitação, tornou-se objeto de
desejo do senso comum, num frenesi que transcendeu o nicho dos criadores de
conteúdo e que alcançou profissionais de todas as áreas, chegando às
candidaturas eleitorais, com as mesmas intenções: conseguir conteúdo viral a
qualquer preço.
O processo de obter
curtidas a todo custo, coloca o valor da pessoa ou da mensagem no julgamento
superficial e imediato de uma audiência aviltada e viciada em sangue, em vez de
na substância e nas propostas ou intenções subjacentes. Conteúdos rasos, vulgares,
provocativos, polêmicos, agressivos, apelativos e sensacionalistas destinados a
reações rápidas são gerados para retroalimentar o algoritmo e alcançar números
maiores, mesmo que isso signifique comprometer a integridade pessoal e degradar
o ambiente social. Em troca de engajamento, o uso de temas sensíveis ou
trágicos, a desinformação deliberada e a simplificação excessiva de questões
complexas são adotadas como práticas comuns, criando um ciclo vicioso com foco
exclusivo na popularidade.
Quando o vale-tudo
digital é transladado à cena político-eleitoral, o coquetel se torna
radioativo. O que deveria ser um campo de discussões racionais e construtivas
sobre o bem comum, transformar-se num espetáculo sórdido de autopromoção,
violência e manipulação emocional.
O jogo político nunca
foi limpo antes do era digital, mas a baixeza recebeu um upgrade significativo
devido ao seu advento, com a adoção de expedientes como o uso de discursos
simplistas, superficiais, extremistas e grosseiros; a adoção da desinformação com
a promoção de fake news; a distorção de
fatos para obter engajamento rápido e moldar a opinião pública de maneira
irresponsável; e a utilização constante de ataques pessoais, fomentando
polarizações e conflitos entre grupos, o que inviabiliza a chance de debates
genuínos e racionais, numa corrida inconsequente e irresponsável por aceitação
imediata.Inevitavelmente as campanhas virtuais de difamação e provocação
resultam em consequências graves, num fenômeno já batizado de spillover effect,
quando o comportamento violento das redes é trazido ao mundo real, gerando
tensões e confrontos diretos. Esse mau uso político das plataformas digitais de
interação social amplifica sentimentos, incubando o ódio, que se acumula, e
cria divisões inconciliáveis através da disseminação rápida de discursos de
ódio, que passam a ser internalizados por indivíduos ou grupos, levando-os a
agir com agressividade desmedida também no ambiente físico.Interessadas apenas
nos resultados financeiros e não nas consequências sociais, as Big Techs
monopolizadoras das redes, constroem algoritmos que priorizam conteúdos
geradores de reações emocionais intensas, ao promover postagens de ódio, de
provocações e de difamações, como se não houvesse amanhã. Expostos a esse tipo
de material, os usuários são induzidos a acreditar que estão sob uma ameaça
imediata e que devem reagir de modo violento a um "inimigo" real.
Nos ataques virtuais,
o "adversário" é demonizado, desumanizado e reduzido a uma mera
caricatura, o que favorece a transição rápida para a violência física, pois as
pessoas passam a ver o outro lado como uma ameaça a ser eliminada.
Nas redes, o efeito
das palavras e ações não são sentidos imediatamente, já que a distância física
reduz a percepção das consequências dos ataques desferidos. Contudo, quando o
expediente é aplicado a um debate televisivo, as provocações repetidas e presenciais
sujeitam o agressor a uma reação violenta, num mau exemplo que produz um
perigoso efeito em cascata, pois o acúmulo de ressentimento e ódio explode
sempre em violência física.
Como se sabe, a
internet possui os seus próprios círculos infernais abaixo da Surface Web, onde
a maioria de nós navega. Acredita-se
que, além da Deep Web e da Dark Web, há as lendárias Mariana's Web, as fossas
profundas e abissais nas quais grandes corporações, governos e máfias lançam
mão de inteligência artificial avançada para praticar crimes e perversidades
para muito além das meras e corriqueiras atividades ilícitas.
Se no ambiente virtual
o buraco ético não tem fundo, no mundo real, tampouco. Mesmo quando praticadas
na superfície do oceano digital, ofensas podem se transformar em socos,
pontapés, pauladas, facadas e tiros, resultando numa crescente erosão da coesão
social.
É óbvio que quem tem
de se preocupar com isso é o indivíduo que se sente implicado e responsável,
uma vez que o “ex-coach” que chegou à política naturaliza a violência virtual,
que é aceita, minimizada ou ignorada por seus seguidores, sejam quais fossem os
seus efeitos, pelo menos até que alguém de suas próprias famílias seja também
atingido.
Seria necessário um
esforço educativo para ensinar as pessoas a identificarem e resistirem à
desinformação massiva e aos discursos de ódio, além de outras providências como
promover um uso mais responsável das plataformas digitais; criar e aplicar leis
mais rigorosas contra a difamação e incitação ao ódio nas redes,
responsabilizando seriamente os que usam essas plataformas para causar danos;
criar mecanismos para forçar as plataformas de redes sociais a adotarem
critérios e políticas mais eficazes de moderação, impedindo que discursos de
ódio e provocações se espalhem sem controle; e propiciar a criação de espaços
online saudáveis onde o debate civil e respeitoso seja incentivado, para
contrabalancear o efeito das câmaras de eco.
A questão é a mesma: o
gato não aceita o chocalho no pescoço e ameaça devorar quem tente fazê-lo usar.
As Big Techs pilotam um negócio trilionário e têm o cancelamento apontado para
indivíduos, grupos, autoridades e governos que ameacem as suas práticas lucrativas.
Sem reação social,
contudo, o buraco será sempre mais embaixo, uma vez que, sem monitoramento e
controle, o ódio virtual continuará a invadir o mundo físico com consequências
cada vez mais devastadoras, com a dinâmica das plataformas digitais alimentando
essa escalada ao promover conteúdos deletérios e “virais”, no sentido
patológico do termo.
É agir de modo efetivo
e inteligente contra a ameaça comum, antes que seja tarde demais, pois dar
cadeiradas não resolve e só potencializa a violência.
• Eu tenho medo de Pablo Marçal. Por Alex
Solnik
Chamar apenas de
baixaria não define o que aconteceu no debate da RedeTV!
Depois de cutucar as
feridas do apresentador José Datena no debate anterior, dessa vez, logo no
início, ele investiu contra o prefeito Ricardo Nunes.
Para começar, quando a
apresentadora pediu para ele fazer a pergunta ao prefeito, ele o chamou de
“Bananinha”. A apresentadora o repreendeu. Deveria chamá-lo pelo nome. Mas ele
não deu o braço a torcer: “o futuro ex-prefeito”.
Nunes achava que não
seria hostilizado por Marçal, foi o que lhe garantiu o próprio Marçal, em
mensagem por WhatsApp, na véspera. Paz na terra aos homens de boa vontade.
No entanto, com cara
de poucos amigos, o rosto mal escanhoado, à la Bukele, o braço enfaixado tão
ridículo quanto o curativo da orelha de Trump, Marçal soltou os cachorros sobre
Nunes, garantiu, aos berros, que ia mandar prendê-lo por ser ladrão de merenda,
e que não seria perdoado pela cidade como foi pela sua mulher, ao mesmo tempo
em que gritava apontava o dedo para Nunes, que, pego de surpresa, começou a
gritar de volta, atrás das câmeras seus assessores, desesperados, pediam calma,
a mediadora ficou em pânico, resolveu gritar mais alto para que eles parassem
de gritar, foram alguns dos segundos mais constrangedores da televisão
brasileira.
O conteúdo do
bate-boca é mais grave do que apenas baixaria. Quando Marçal berra que vai
prender Nunes, ao vivo e a cores, sem ter autoridade para isso, jogando para a
plateia bolsonarista ávida de sangue, ele revela a sua face ditatorial, quem
manda prender alguém é ditador, na democracia não é papel de prefeito, nem de
presidente, é da Justiça e da polícia, quando ele diz uma coisa dessa,
escancara, sem querer querendo, que a prefeitura é só um trampolim para voos
mais altos, as pessoas mais pobres, a maioria, desiludidas com os políticos
“sérios”, foram anos e anos votando neles sem ver o retorno que esperavam,
agarram-se a um outsider messiânico e milionário, que se diz “servo do povo”
como a uma tábua da salvação. Ele repete a toda hora que é mesmo a tábua de
salvação e muito mais. Mas para ver o que é o “muito mais” tem que votar nele.
É uma aposta, e os brasileiros são talvez o povo mais suscetível a qualquer
aposta.
Outra coisa que
assusta é que ele chama o dia da votação, o dia 6 de outubro, não de o dia da
democracia, um dia de festa, um dia alegre, mas o dia da vingança, vingança é
sangue, é morte, nunca ouvi político algum chamar o dia da eleição de “o dia da
vingança”, eu já tenho uma certa idade, já vi muita coisa nessa vida, mas
confesso que me assusto toda vez que vejo seu rosto mal escanhoado, seus olhos
que ameaçam fuzilar quem cruza seu caminho, é um cara que me assusta mais que
Bolsonaro, porque é mais inteligente, mais organizado, ele sim, que já tem
milícia digital, pode formar as famigeradas milícias dos camisas negras de
Mussolini, ou de Plínio Salgado, ele é um protofascista clássico, que usa a
democracia para corroer a democracia por dentro, mistura fascismo com religião
com promessa de prosperidade, um ex-coach e futuro ditador.
Tabata disse no debate
que não tem medo de Marçal.
Eu tenho
Fonte: Brasil 247
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