Em duas décadas de cooperação Sul-Sul,
Brasil 'sai de mais um para líder no grupo', diz analista
O Dia Internacional da
Cooperação Sul-Sul celebrou 20 anos nesta quinta-feira (12). Em duas décadas
desde o chamado da Organização das Nações Unidas (ONU), a interação entre os
países em desenvolvimento cresceu e ganha cada vez mais relevância.
Na terça-feira (10), o
Brasil sediou um encontro para comemorar o Dia Internacional da Cooperação
Sul-Sul. Na ocasião, a Agência Brasileira de Cooperação (ABC), organizadora do
evento, compartilhou com os presentes a importância das parcerias desenvolvidas
entre os países como catalisadoras para compartilhar conhecimento, tecnologias
e recursos para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS),
especialmente o ODS 1 (Erradicação da Pobreza), o ODS 2 (Fome Zero) e o ODS 17
(Parcerias).
Durante o evento, a
ministra substituta das Relações Exteriores, a embaixadora Maria Laura Rocha,
discursou e destacou que ao longo das últimas décadas a cooperação Sul-Sul
tornou-se um elemento-chave para a promoção do desenvolvimento sustentável em
todas as suas dimensões.
"Essa modalidade
de cooperação tem permitido a capacitação de instituições públicas nacionais
para interação com entes congêneres estrangeiros e a concepção de formatos
inovadores de parcerias, favorecendo o estabelecimento de uma rede global que
reflete o compromisso do Brasil com a solidariedade internacional e a redução
das desigualdades", disse a embaixadora.
De acordo com ela, a
cooperação Sul-Sul prestada pelo Brasil tem priorizado a erradicação da fome e
da pobreza, o desenvolvimento econômico e tecnológico e o acesso a fontes de
financiamento estáveis e adequadas para o desenvolvimento.
"Nesse sentido, a
Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, iniciativa prioritária criada pelo
Brasil no âmbito do G20, surge como uma plataforma importante. A aliança
promoverá soluções inovadoras desenvolvidas por países do Sul Global,
conectando-os a parceiros institucionais e financeiros que podem oferecer apoio
técnico e financiamento", destaca.
Já nesta terça-feira
(12), dia que completam 20 anos desde o chamado da ONU para a cooperação entre
os países em desenvolvimento, o secretário-geral da organização, António
Guterres, afirmou que nesta data é celebrado o poder transformador da unidade e
da solidariedade entre as nações em desenvolvimento.
Em sua mensagem, o
secretário-geral ressaltou a importância da cooperação Sul-Sul sem eximir a
responsabilidade das nações do Norte Global em ajudar a combater as
desigualdades a nível mundial.
"Parcerias
Sul-Sul fortes — juntamente com a cooperação triangular — são cruciais para
construir um futuro melhor para todas as pessoas. Essas parcerias podem
promover um sistema financeiro internacional mais justo, que responda aos
desafios enfrentados pelos países em desenvolvimento", disse em
comunicado.
<><> O que
mudou no Brasil no âmbito das relações internacionais
Embora pareça jovem, a
cooperação Sul-Sul acontece na esteira de outros movimentos, "como a
Conferência de Bandung e o Movimento dos Países Não Alinhados", comenta
Luis Antonio Paulino, professor de relações internacionais e da pós-graduação
em ciências sociais da Universidade Estadual Paulista (Unesp).
Entretanto as mudanças
em duas décadas são significativas para o Brasil, que, segundo James Onnig,
analista internacional e professor de geopolítica do Laboratório de Pesquisa em
Relações Internacionais da Faculdade de Campinas (Facamp), sai da "posição
de mais um para a posição de importante país dentro desse contexto".
"O Brasil se
transformou em um país muito importante nesta nova governança global, não só
pelo tamanho, ou talvez o gigantismo, mas pelo papel que a diplomacia
brasileira e as relações internacionais do Brasil começaram a ter em relação às
grandes transformações pelas quais o mundo começou a passar."
De lá para cá, em
posição de liderança, o Brasil soma participações e acordos importantes no
âmbito das relações internacionais, seja no que diz respeito a parcerias
comerciais ou à troca e compartilhamentos de tecnologia, conhecimento e
recursos. Tudo isso com muito suor investido pela diplomacia brasileira para
abrir as portas para o Brasil em outros lugares do mundo, dentro dessa
perspectiva Sul-Sul, destaca Onnig.
"Em 2003, 2004, o
Brasil inicia um esforço multilateral Sul-Sul, que é muito virtuoso e muito
importante, que é o IBAS, Índia, Brasil e África do Sul, que abre as portas
depois até para o incremento do BRICS", afirma o professor da Facamp.
Além disso, o Brasil
mantém no continente africano cerca de 150 projetos nas áreas de administração
pública; agricultura; pecuária; cidades; ciência e tecnologia; comunicações;
cultura; desenvolvimento social; educação; esporte; indústria e comércio; justiça;
meio ambiente; energia; saúde; segurança pública; e trabalho e emprego.
"Isso contribui
para o desenvolvimento e a estabilidade político-social desses países, que, por
meio dessas iniciativas, fortalecem laços com o Brasil em outras áreas
correlatas, contribuindo para o estabelecimento de novas rotas comerciais e
consolidando as que já existem com esses países. A cooperação também contribui
para evitar a expansão de ameaças globais, como vacinação e combate a
epidemias", destaca Lucas Peixoto Pinheiro da Silva, doutorando em
relações internacionais pela Universidade de São Paulo (USP).
Outra participação
brasileira importante nas últimas duas décadas foi o país ser um dos fiadores
do processo de independência de Timor-Leste, antiga colônia portuguesa.
"O esforço do
Ministério da Cultura foi mandar professores lá para resgatar a língua
portuguesa, que estava sendo oprimida pelo domínio da Indonésia", comenta
Onnig.
Em relação aos
negócios estrangeiros, a parceria brasileira com a China é a que mais se
destaca. O gigante asiático se tornou o maior parceiro comercial do Brasil e é
o "destino de 30% de nossas exportações, e uma importante fonte de
investimento estrangeiro direto", diz Pinheiro. Também se destacam nesse
contexto, segundo Paulino, um incremento nas relações comerciais com os países
árabes.
De forma geral, ainda
em termos de ganhos econômicos, a cooperação Sul-Sul vê emergir ao longo de
seus 20 anos o BRICS.
A região geopolítica,
dona de grande parte do mercado produtivo e do mercado consumidor do mundo, tem
um grupo fundado por Brasil, Rússia, Índia, China e, posteriormente, África do
Sul, nações com pesos regionais e internacionais que passam a ser um núcleo
atrativo de outros países que querem ampliar a sua colaboração com o arranjo,
tanto que recebeu neste ano Egito, Etiópia, Arábia Saudita, Emirados Árabes
Unidos e Irã como novos membros.
Passado histórico com
origens próximas, problemas que se avolumaram ao longo das relações
tempo-espaço e ao longo da história também parecidos. A cooperação Sul-Sul
estimula, portanto, o intercâmbio entre países a fim de gerar soluções.
"As mínimas trocas já são importantes para impactar grandes
comunidades", arremata Onnig.
¨ Brasil deve bloquear compra de equipamentos militares de Israel?
Especialistas divergem
Compra de equipamentos
militares de Israel pelo Brasil está em xeque por crise diplomática no alto
escalão. Queda de braço entre governo Lula e Forças Armadas expõe dificuldade
de alinhar política externa e de defesa no Brasil.
Compra de viaturas
blindadas de Israel pelas Forças Armadas sofre novo impasse, com a expiração de
prazo para assinatura do contrato. Oposição do assessor de Relações Exteriores
de Lula, Celso Amorim, levou governo a repensar termos do acordo.
A aquisição de 36
viaturas blindadas de combate, ou seja, obuseiros autopropulsados de 155 mm
sobre rodas, produzidas pela empresa israelense Elbit Systems, no âmbito do
Programa Estratégico do Exército Forças Blindadas, está estimada em R$ 1
bilhão.
A empresa israelense
venceu processo de licitação em abril deste ano, superando a segunda colocada
Excalibur International da República Tcheca, a KNDS da França e a Norinco
chinesa. Analistas ouvidos pela Sputnik Brasil atestaram a qualidade técnica
dos equipamentos oferecidos pelos israelenses ao Brasil.
No entanto, o assessor
de Relações Internacionais da Presidência da República, Celso Amorim,
intercedeu contra o processo, já que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi
declarado persona non grata pelo governo do primeiro-ministro israelense
Benjamin Netanyahu. Em função da crise diplomática, o Brasil retirou seu
embaixador de Tel Aviv, posto agora comandado por um encarregado de negócios.
Para Amorim, há
descompasso entre o tratamento concedidos por autoridades israelenses ao Brasil
e a compra bilionária almejada pelo Exército Brasileiro. Apesar do impasse, o
professor de Ciências Políticas da Universidade Católica de Pernambuco
(UNICAP), Henrique Lucena Silva, acredita que a posição técnica do Exército
deve prevalecer sobre considerações de cunho diplomático.
"As decisões
técnicas do Exército precisam ser respeitadas, independente de coloração
ideológica de figuras políticas A, B ou C. Afinal, quem vai operar, manter e
organizar toda a logística será o Exército", disse Lucena Silva à Sputnik
Brasil. "A posição do [...] Celso Amorim termina sendo bastante ideológica
e não leva em consideração as necessidades da pasta da Defesa."
O analista ainda
lembrou o acelerado ritmo de aquisições de material bélico israelense durante
os primeiros governos Lula, notando que "por mais que tenhamos entraves
diplomáticos, algumas relações continuam, principalmente as comerciais de cunho
estratégico".
"O Brasil tem uma
longa tradição de acordos com empresas israelenses, entre elas a própria Elbit,
que opera há décadas no nosso mercado. Isso facilita a integração dos
sistemas", considerou Lucena Silva. "A empresa também tem uma relação
muito próxima com a Força Aérea brasileira, no suprimento de aviônicas ao
modelo Super Tucano."
De acordo com fonte
ouvida pela Sputnik Brasil que pediu anonimato para tratar de questões
sensíveis, caso o governo esteja de fato incomodado com a atitude israelense em
relação a Lula, deveria adotar ações diplomáticas enfáticas, como o rompimento
de relações, ao invés de utilizar a compra da Elbit como instrumento
retaliatório.
Para a fonte, o
possível bloqueio da compra dos obuseiros será um caso isolado, sem o condão de
modificar o comportamento internacional israelense.
·
E a Base Industrial de Defesa brasileira?
O professor da
UNICAMP, Marcos José Barbieri Ferreira, questiona a escolha do Exército pela
compra de equipamento de empresa internacional, em detrimento do investimento
da produção de análogo brasileiro. Segundo Barbieri Ferreira, a indústria
brasileira é capaz de desenvolver sistemas de artilharia e deveria, no mínimo,
estar engajada no processo de integração dos equipamentos israelenses à
infraestrutura nacional.
"Na minha
opinião, não está claro que o Brasil precise desses equipamentos, já que temos
o nosso próprio sistema de foguetes, que é o Astros II. Ainda que, de fato,
seja necessário adquirir esses equipamentos, por que não investimos para os
produzir nacionalmente? E se não puder ser desenvolvido nacionalmente, no
mínimo precisaríamos que eles fossem integrados no Brasil, por uma empresa
brasileira, e não por uma subsidiária", disse Barbieri Ferreira à Sputnik
Brasil.
O processo de
integração feito nacionalmente permite maior autonomia operacional e na escolha
de softwares, hardwares e computadores balísticos a serem utilizados nos
sistemas de fabricação israelense.
"Lembremos que
uma empresa como a Avibras poderia fazer a integração, afinal ela já produz
sistemas de artilharia", argumentou Barbieri Ferreira. "E não só a
Avibras, o Brasil tem mais de uma empresa na sua Base Industrial de Defesa
capaz de realizar esse processo."
Paradoxalmente, o
governo brasileiro hesita em assumir uma dívida estimada em R$ 700 milhões da
Avibras, preferindo a venda do grupo para empresas estrangeiras, enquanto
investirá R$ 1 bilhão na compra de equipamentos israelenses. "Estamos a
ponto de perder uma empresa brasileira que produz sistemas de artilharia, ao
mesmo tempo que compramos sistemas de artilharia estrangeiros", lamentou o
especialista.
"Me admira que
exigências de transferência de tecnologia, conteúdo nacional e, no mínimo, a
realização da integração por empresa brasileira, não foram incluídas nesse
processo de compra do Exército", notou Barbieri Ferreira. "As Forças
Armadas incluíram esses elementos com sucesso em compras como a dos caças
Gripen, e questiono por que agora estamos deixando de lado essas
exigências."
Após a oposição de
Lula e seu assessor internacional Celso Amorim à compra de equipamentos
israelenses, o ministro da Defesa, José Múcio, passou a mediar o assunto. O
objetivo de Múcio seria garantir concessões da Elbit Systems, como a construção
de uma nova fábrica de blindados no Brasil, reportou o portal UOL. O professor
da UNICAMP, no entanto, questiona por que essas medidas não haviam sido
incluídas no processo de licitação original.
Segundo o
especialista, o Brasil está realizando uma série de compras – seja de mísseis
portáteis, viaturas blindadas ou helicópteros – sem a exigência de
contrapartidas que interessam à indústria nacional e à geração de empregos em
território brasileiro.
"Portanto, ao
invés de nos atentarmos somente à questão de Israel, deveríamos nos perguntar
por que não estamos priorizando investimentos na base industrial de defesa
brasileira", concluiu o especialista.
A compra das viaturas
blindadas de combate, ou seja, de obuseiros autopropulsados pelo Exército
brasileiro, estende-se desde 2017. A licitação na qual a empresa vencedora foi
a israelense Elbit Systems foi concluída em abril de 2024.
Anteriormente, em
fevereiro de 2014, o ministro das Relações Exteriores de Israel, Israel Katz,
declarou o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, persona non grata.
A medida israelense foi motivada por declaração de Lula que comparou a guerra na
Faixa de Gaza ao Holocausto, por não ser "uma guerra entre soldados e
soldados. É uma guerra entre um exército altamente preparado e mulheres e
crianças."
Fonte: Sputnik Brasil
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