segunda-feira, 30 de setembro de 2024

Brasil em Marte? Baixo investimento no setor espacial e fim do programa VLS preocupam analistas

Queda no orçamento da Agência Espacial Brasileira e cancelamento do programa de Veículo Lançador de Satélites (VLS) colocam em dúvida avanço desse setor no Brasil. Para especialistas ouvidos pela Sputnik Brasil, envolvimento da iniciativa privada e da opinião pública é essencial para revitalizar o setor espacial brasileiro.

A recente aprovação pelo Senado Federal de nova lei que regulamenta as atividades espaciais no Brasil não oculta a persistente queda no orçamento da Agência Espacial Brasileira (AEB). O Projeto de Lei 1.006/2022 busca atrair a iniciativa privada para revitalizar esse setor estratégico para o Brasil.

Apesar dos avanços regulatórios, estudo realizado pelo Centro de Estudos Sociedade, Universidade e Ciência (SoU_Ciência) aponta que o atual orçamento da AEB é o menor em 20 anos. Após período de bonança vivido entre 2004 e 2006, durante o primeiro mandato do presidente Lula da Silva, o orçamento da agência passou a sofrer repetidas reduções.

De acordo com os autores do estudo, publicado na revista Interesse Nacional, "enquanto o mundo aposta nas pesquisas espaciais, a AEB terminou 2021 com um orçamento liquidado de R$ 67,8 milhões. O valor está abaixo do início da série histórica em 2000, que era de R$ 68 milhões".

Para os acadêmicos, "a queda nos investimentos revela um descompasso diante dos desafios e das potencialidades do país na área espacial". Além da falta de prioridade política e econômica concedida ao setor, a baixa conscientização da opinião pública acerca da relevância desses investimentos também contribui para a crise, acredita o coordenador de engenharias do projeto NanoSatC-Br e professor adjunto de engenharia aeroespacial da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Eduardo Escobar Burger.

"Uma das causas principais é a pouca conscientização da sociedade sobre a importância estratégica e prática do programa espacial. Por ser um tema de interesse menos imediato para a população em geral, ele não recebe a atenção e o apoio necessários, dificultando a alocação de investimentos sustentáveis", disse Burger à Sputnik Brasil.

Além disso, o "impacto da redução orçamentária é direto na formação de recursos humanos: menos investimentos resultam em menos bolsas de estudo, projetos de pesquisa e oportunidades de estágio, limitando o desenvolvimento de quadros especializados que poderiam impulsionar a inovação e competitividade do setor espacial brasileiro".

O professor de Propulsão Espacial do curso de Engenharia Aeroespacial da UFABC, Annibal Hetem, concorda, e nota que engenheiros aeroespaciais brasileiros se dedicam cada vez mais ao setor de aviação, e menos às atividades espaciais. A falta de investimentos governamentais diminui ainda mais a oferta de empregos no setor espacial, minguando a capacidade brasileira no médio e longo prazo.

"O setor espacial brasileiro depende atualmente de orçamento governamental", disse Burger. "Isso é uma realidade comum na maioria dos países, já que o desenvolvimento de atividades espaciais demanda investimentos consideráveis em infraestrutura, pesquisa e inovação."

De acordo com Hetem, a centralidade do papel do Estado vem sendo relativizada em países com setores aeroespaciais bem desenvolvidos, como os EUA. Para o especialista da UFABC, a entrada de empresas como SpaceX, Boeing, Blue Origin e Virgin Galactic modificou o modelo de desenvolvimento do setor.

"Depois do financiamento estatal e da consolidação da tecnologia, isso vira um produto. E um produto rentável, que paga o alto investimento que demandou", disse Hetem à Sputnik Brasil. "As empresas privadas vieram para ficar. No início, demandou coragem, mas agora já vemos que é possível. O setor empresarial brasileiro precisa amadurecer para ver que o setor espacial dá retorno."

Além do mercado nacional, empresas do setor espacial brasileiro podem atender à demanda de países da América do Sul e África, acredita o professor Hetem. Uma vez com o satélite em órbita, as imagens obtidas podem ser alugadas para os países pelos quais ele passa, com ênfase em mercados do Sul Global que não desenvolveram suas próprias tecnologias.

No Brasil, o uso de tecnologia espacial civil é particularmente desenvolvido no setor do agronegócio, que utiliza satélites para monitoramento de safras, gerenciamento meteorológico e avaliação de áreas carentes de insumo e irrigação.

"As principais áreas de aplicação da tecnologia espacial no Brasil atualmente incluem o monitoramento ambiental e climático, sensoriamento remoto para mapeamento agrícola e florestal, comunicação por satélite, previsão do tempo e monitoramento de desastres naturais", disse Burger. "A aplicação civil dessas tecnologias está em crescimento, mas ainda carece de maior difusão e entendimento por parte da sociedade."

•        Investimento militar no setor espacial

A queda no investimento estatal no setor aeroespacial também é reflexo da baixa complementariedade entre as tecnologias civis e militares disponíveis no Brasil hoje. De acordo com Hatem, a obtenção pelos militares da tecnologia de foguetes de combustível sólido é insuficiente para as demandas civis atuais.

"Nas décadas de 60 e 70, os militares desenvolveram seus foguetes movidos à combustível sólido que, apesar de atenderem às demandas das Forças Armadas, não são o suficiente para colocar um satélite em órbita", explicou Hetem. "Para isso, precisaríamos da tecnologia de combustível líquido, que o Brasil infelizmente ainda não detém."

No passado, o Brasil buscou cooperação internacional com países do Leste Europeu para obter essa tecnologia, porém, sem sucesso. Hetem lembra que "esse tipo de conhecimento, outros países não vendem" e lamentou que a Agência Espacial Brasileira não invista mais recursos neste empreendimento.

"Apesar do combustível sólido brasileiro ser de alta qualidade, inclusive apto para a exportação, ele não é suficiente para as demandas civis de colocar um satélite em órbita", disse Hetem. "Precisaríamos de mais fôlego por parte da AEB para dar esse passo adiante, mas, infelizmente, vemos esses problemas de orçamento."

Neste contexto, o especialista recebeu com estranhamento a decisão da AEB de cancelar o projeto brasileiro para desenvolver um Veículo Lançador de Satélites, o projeto VLS. Afinal, é justamente a ausência dessa capacidade que limita as atividades espaciais brasileiras na atualidade.

"Foi muito surpreendente que a AEB cancelou o programa VLS em seu planejamento estratégico. Mais tarde, fomos averiguar que o programa já está cancelado há três anos, mas isso não foi comunicado publicamente", lamentou Hetem. "Agora está oficializado, e isso demonstra um desengajamento da AEB."

O programa VLS tinha como objetivo desenvolver foguete nacional capaz de colocar satélites em órbita. A empreitada exige recursos vultuosos, e testes como o do VLS-1 V03 resultaram em falhas graves, com vítimas fatais. Por outro lado, o projeto garante a formação de técnicos capacitados e proveria ao país acesso à tecnologia de ponta.

"De fato, interromper projetos de longa data pode impactar o desenvolvimento do setor, na percepção da sociedade sobre esses investimentos, além do desperdício dos recursos públicos e também na perda de conhecimento e na formação de profissionais", notou o professor da UFSM Burger. "Porém, vale considerar que o Brasil já investiu muitos recursos no setor de lançadores sem alcançar resultados satisfatórios [...] isso sugere que é mais estratégico focar os recursos em áreas onde o país já possui potencial consolidado, como o desenvolvimento de satélites."

O professor da UFSM nota que nem tudo está perdido, afinal a Financiadora de Estudos e Projetos FINEP mantém investimentos no setor de lançamentos, fechando contratos com empresas privadas para desenvolver lançadores para pequenos satélites.

"Essa iniciativa pode trazer novas perspectivas para o setor, buscando inovações e soluções mais competitivas. No entanto, é fundamental que tais esforços sejam acompanhados por uma visão clara de longo prazo, para que possam contribuir de forma efetiva ao programa espacial brasileiro", concluiu o especialista.

¨      BRICS está consolidando projetos comuns nas telecomunicações, diz integrante do Brasil na Rússia

O BRICS tem sido uma oportunidade para aproveitar experiências que estão sendo conduzidas no mundo em busca dos próprios caminhos na área de comunicação, afirmou o chefe da Assessoria Internacional do Ministério das Comunicações do Brasil, Jeferson Nacif, em entrevista exclusiva à Sputnik.

Nacif está na Rússia com a delegação brasileira que participou da 10ª Reunião dos Ministros de Comunicações do BRICS, nesta sexta-feira (27), em Innopolis, satélite da cidade russa de Kazan.

"Dado o avanço e a proeminência desses países na área tecnológica, esses atores são essenciais para sentar junto no plano internacional e promover uma discussão que leve em consideração nossas prioridades como países em desenvolvimento", comentou ele. "Agrupamentos como o BRICS e G20 nos ajudam muito a aproximar, trazer essas melhores experiências para discussão, aprofundamento e eventual absorção."

No evento, foram discutidos também temas relacionados à cooperação bilateral com a Rússia no campo das comunicações, bem como expectativas e desafios da presidência brasileira no BRICS, a partir de janeiro de 2025.

O representante contou à Sputnik Brasil que durante a presidência da Rússia, que se encerra neste ano, o agrupamento definiu três temas prioritários para o grupo de comunicações do BRICS: inteligência artificial, competências digitais e infraestrutura pública digital.

Entre os destaques das ações conjuntas, ele citou o Instituto de Redes do Futuro do BRICS (BIFN, na sigla em inglês), que agrega institutos e academias de telecomunicações dos países-membros.

"No nosso caso, o participante brasileiro é o CPQD, o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações, que fica sediado em Campinas. E assim como o Brasil, os outros países oferecem seus centros para fazer trocas de experiências, desenvolver projetos comuns de pesquisa na área de telecomunicações."

Outro lançamento recente foi o do Centro de Desenvolvimento e de Inteligência Artificial pela China. Da mesma forma, os chineses oferecem cursos, capacitação e desenvolvimento de aplicativos no âmbito, preferencialmente, dos países do BRICS.

A chegada de cinco novos membros no grupo — Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Irã e Egito — promete ampliar e incrementar as parcerias no setor, opinou Nacif.

"Esses membros tiveram a aprovação no ano passado e já se juntaram às reuniões técnicas e ministeriais. Os Emirados Árabes e Arábia Saudita também têm iniciativas muito interessantes nas áreas de telecomunicações e desenvolvimento de TICs [Tecnologias da Informação e Comunicação]. Exemplo disso é que os Emirados constituíram o primeiro ministério para inteligência artificial de que se tem notícia no mundo", contou.

Ele adiantou que alguns pontos tratados no encontro devem ser abordados em novembro, na cúpula do G20, pelo Ministério das Comunicações, como sustentabilidade ambiental, inteligência artificial e conectividade.

"[…] São, sem dúvida nenhuma, temas extremamente importantes, e ficaria muito feliz de vê-los também na declaração presidencial. Espero que ela faça menção aos temas que nós tratamos no grupo de economia digital", comentou ele. "Acho que vamos ter uma declaração final, tanto no G20 quanto no BRICS, muito sensível a esses pontos, espero que sim."

O representante da pasta ressaltou que na seara da comunicação e da tecnologia, o maior desafio dos países é a democratização do acesso à Internet, às telefonias e às tecnologias.

"[…] Existe uma diferença entre conectividade e conectividade significativa, que é um tema que o Brasil levou para o G20 e que pretende continuar discutindo aqui no BRICS e no plano internacional como um todo. Ou seja, é fazer a Internet chegar às pessoas, mas chegar de uma forma que seja realmente produtiva, que seja segura, que seja com uma cobertura, uma disponibilidade ideal, que seja com os equipamentos ideais e a preços adequados, justos", defendeu.

No caso do Brasil, definir a melhor medida de quanto e como ir além é um dos objetivos do Ministério das Comunicações, acrescentou. Isso será feito por meio das políticas públicas de letramento digital, de oferta de computadores e celulares a preço justo.

"Seja por meio de financiamento, como fundo de universalização de telecomunicações, ou por outros instrumentos regulatórios disponíveis na mão do Estado, para fazer a população realmente ter acesso e fazer o uso mais adequado e mais produtivo possível dessas tecnologias digitais."

 

Fonte: Sputnik Brasil

 

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