Brasil em Marte? Baixo investimento no
setor espacial e fim do programa VLS preocupam analistas
Queda no orçamento da
Agência Espacial Brasileira e cancelamento do programa de Veículo Lançador de
Satélites (VLS) colocam em dúvida avanço desse setor no Brasil. Para
especialistas ouvidos pela Sputnik Brasil, envolvimento da iniciativa privada e
da opinião pública é essencial para revitalizar o setor espacial brasileiro.
A recente aprovação
pelo Senado Federal de nova lei que regulamenta as atividades espaciais no
Brasil não oculta a persistente queda no orçamento da Agência Espacial
Brasileira (AEB). O Projeto de Lei 1.006/2022 busca atrair a iniciativa privada
para revitalizar esse setor estratégico para o Brasil.
Apesar dos avanços
regulatórios, estudo realizado pelo Centro de Estudos Sociedade, Universidade e
Ciência (SoU_Ciência) aponta que o atual orçamento da AEB é o menor em 20 anos.
Após período de bonança vivido entre 2004 e 2006, durante o primeiro mandato do
presidente Lula da Silva, o orçamento da agência passou a sofrer repetidas
reduções.
De acordo com os
autores do estudo, publicado na revista Interesse Nacional, "enquanto o
mundo aposta nas pesquisas espaciais, a AEB terminou 2021 com um orçamento
liquidado de R$ 67,8 milhões. O valor está abaixo do início da série histórica
em 2000, que era de R$ 68 milhões".
Para os acadêmicos,
"a queda nos investimentos revela um descompasso diante dos desafios e das
potencialidades do país na área espacial". Além da falta de prioridade
política e econômica concedida ao setor, a baixa conscientização da opinião pública
acerca da relevância desses investimentos também contribui para a crise,
acredita o coordenador de engenharias do projeto NanoSatC-Br e professor
adjunto de engenharia aeroespacial da Universidade Federal de Santa Maria
(UFSM), Eduardo Escobar Burger.
"Uma das causas
principais é a pouca conscientização da sociedade sobre a importância
estratégica e prática do programa espacial. Por ser um tema de interesse menos
imediato para a população em geral, ele não recebe a atenção e o apoio
necessários, dificultando a alocação de investimentos sustentáveis", disse
Burger à Sputnik Brasil.
Além disso, o
"impacto da redução orçamentária é direto na formação de recursos humanos:
menos investimentos resultam em menos bolsas de estudo, projetos de pesquisa e
oportunidades de estágio, limitando o desenvolvimento de quadros especializados
que poderiam impulsionar a inovação e competitividade do setor espacial
brasileiro".
O professor de
Propulsão Espacial do curso de Engenharia Aeroespacial da UFABC, Annibal Hetem,
concorda, e nota que engenheiros aeroespaciais brasileiros se dedicam cada vez
mais ao setor de aviação, e menos às atividades espaciais. A falta de
investimentos governamentais diminui ainda mais a oferta de empregos no setor
espacial, minguando a capacidade brasileira no médio e longo prazo.
"O setor espacial
brasileiro depende atualmente de orçamento governamental", disse Burger.
"Isso é uma realidade comum na maioria dos países, já que o
desenvolvimento de atividades espaciais demanda investimentos consideráveis em
infraestrutura, pesquisa e inovação."
De acordo com Hetem, a
centralidade do papel do Estado vem sendo relativizada em países com setores
aeroespaciais bem desenvolvidos, como os EUA. Para o especialista da UFABC, a
entrada de empresas como SpaceX, Boeing, Blue Origin e Virgin Galactic modificou
o modelo de desenvolvimento do setor.
"Depois do
financiamento estatal e da consolidação da tecnologia, isso vira um produto. E
um produto rentável, que paga o alto investimento que demandou", disse
Hetem à Sputnik Brasil. "As empresas privadas vieram para ficar. No
início, demandou coragem, mas agora já vemos que é possível. O setor
empresarial brasileiro precisa amadurecer para ver que o setor espacial dá
retorno."
Além do mercado
nacional, empresas do setor espacial brasileiro podem atender à demanda de
países da América do Sul e África, acredita o professor Hetem. Uma vez com o
satélite em órbita, as imagens obtidas podem ser alugadas para os países pelos
quais ele passa, com ênfase em mercados do Sul Global que não desenvolveram
suas próprias tecnologias.
No Brasil, o uso de
tecnologia espacial civil é particularmente desenvolvido no setor do
agronegócio, que utiliza satélites para monitoramento de safras, gerenciamento
meteorológico e avaliação de áreas carentes de insumo e irrigação.
"As principais
áreas de aplicação da tecnologia espacial no Brasil atualmente incluem o
monitoramento ambiental e climático, sensoriamento remoto para mapeamento
agrícola e florestal, comunicação por satélite, previsão do tempo e
monitoramento de desastres naturais", disse Burger. "A aplicação
civil dessas tecnologias está em crescimento, mas ainda carece de maior difusão
e entendimento por parte da sociedade."
• Investimento militar no setor espacial
A queda no
investimento estatal no setor aeroespacial também é reflexo da baixa
complementariedade entre as tecnologias civis e militares disponíveis no Brasil
hoje. De acordo com Hatem, a obtenção pelos militares da tecnologia de foguetes
de combustível sólido é insuficiente para as demandas civis atuais.
"Nas décadas de
60 e 70, os militares desenvolveram seus foguetes movidos à combustível sólido
que, apesar de atenderem às demandas das Forças Armadas, não são o suficiente
para colocar um satélite em órbita", explicou Hetem. "Para isso, precisaríamos
da tecnologia de combustível líquido, que o Brasil infelizmente ainda não
detém."
No passado, o Brasil
buscou cooperação internacional com países do Leste Europeu para obter essa
tecnologia, porém, sem sucesso. Hetem lembra que "esse tipo de
conhecimento, outros países não vendem" e lamentou que a Agência Espacial
Brasileira não invista mais recursos neste empreendimento.
"Apesar do
combustível sólido brasileiro ser de alta qualidade, inclusive apto para a
exportação, ele não é suficiente para as demandas civis de colocar um satélite
em órbita", disse Hetem. "Precisaríamos de mais fôlego por parte da
AEB para dar esse passo adiante, mas, infelizmente, vemos esses problemas de
orçamento."
Neste contexto, o
especialista recebeu com estranhamento a decisão da AEB de cancelar o projeto
brasileiro para desenvolver um Veículo Lançador de Satélites, o projeto VLS.
Afinal, é justamente a ausência dessa capacidade que limita as atividades
espaciais brasileiras na atualidade.
"Foi muito
surpreendente que a AEB cancelou o programa VLS em seu planejamento
estratégico. Mais tarde, fomos averiguar que o programa já está cancelado há
três anos, mas isso não foi comunicado publicamente", lamentou Hetem.
"Agora está oficializado, e isso demonstra um desengajamento da AEB."
O programa VLS tinha
como objetivo desenvolver foguete nacional capaz de colocar satélites em
órbita. A empreitada exige recursos vultuosos, e testes como o do VLS-1 V03
resultaram em falhas graves, com vítimas fatais. Por outro lado, o projeto
garante a formação de técnicos capacitados e proveria ao país acesso à
tecnologia de ponta.
"De fato,
interromper projetos de longa data pode impactar o desenvolvimento do setor, na
percepção da sociedade sobre esses investimentos, além do desperdício dos
recursos públicos e também na perda de conhecimento e na formação de
profissionais", notou o professor da UFSM Burger. "Porém, vale
considerar que o Brasil já investiu muitos recursos no setor de lançadores sem
alcançar resultados satisfatórios [...] isso sugere que é mais estratégico
focar os recursos em áreas onde o país já possui potencial consolidado, como o
desenvolvimento de satélites."
O professor da UFSM
nota que nem tudo está perdido, afinal a Financiadora de Estudos e Projetos
FINEP mantém investimentos no setor de lançamentos, fechando contratos com
empresas privadas para desenvolver lançadores para pequenos satélites.
"Essa iniciativa
pode trazer novas perspectivas para o setor, buscando inovações e soluções mais
competitivas. No entanto, é fundamental que tais esforços sejam acompanhados
por uma visão clara de longo prazo, para que possam contribuir de forma efetiva
ao programa espacial brasileiro", concluiu o especialista.
¨ BRICS está consolidando projetos comuns nas telecomunicações,
diz integrante do Brasil na Rússia
O BRICS tem sido uma
oportunidade para aproveitar experiências que estão sendo conduzidas no mundo
em busca dos próprios caminhos na área de comunicação, afirmou o chefe da
Assessoria Internacional do Ministério das Comunicações do Brasil, Jeferson
Nacif, em entrevista exclusiva à Sputnik.
Nacif está na Rússia
com a delegação brasileira que participou da 10ª Reunião dos Ministros de
Comunicações do BRICS, nesta sexta-feira (27), em Innopolis, satélite da cidade
russa de Kazan.
"Dado o avanço e
a proeminência desses países na área tecnológica, esses atores são essenciais
para sentar junto no plano internacional e promover uma discussão que leve em
consideração nossas prioridades como países em desenvolvimento", comentou
ele. "Agrupamentos como o BRICS e G20 nos ajudam muito a aproximar, trazer
essas melhores experiências para discussão, aprofundamento e eventual
absorção."
No evento, foram
discutidos também temas relacionados à cooperação bilateral com a Rússia no
campo das comunicações, bem como expectativas e desafios da presidência
brasileira no BRICS, a partir de janeiro de 2025.
O representante contou
à Sputnik Brasil que durante a presidência da Rússia, que se encerra neste ano,
o agrupamento definiu três temas prioritários para o grupo de comunicações do
BRICS: inteligência artificial, competências digitais e infraestrutura pública
digital.
Entre os destaques das
ações conjuntas, ele citou o Instituto de Redes do Futuro do BRICS (BIFN, na
sigla em inglês), que agrega institutos e academias de telecomunicações dos
países-membros.
"No nosso caso, o
participante brasileiro é o CPQD, o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em
Telecomunicações, que fica sediado em Campinas. E assim como o Brasil, os
outros países oferecem seus centros para fazer trocas de experiências,
desenvolver projetos comuns de pesquisa na área de telecomunicações."
Outro lançamento
recente foi o do Centro de Desenvolvimento e de Inteligência Artificial pela
China. Da mesma forma, os chineses oferecem cursos, capacitação e
desenvolvimento de aplicativos no âmbito, preferencialmente, dos países do
BRICS.
A chegada de cinco
novos membros no grupo — Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Irã e
Egito — promete ampliar e incrementar as parcerias no setor, opinou Nacif.
"Esses membros
tiveram a aprovação no ano passado e já se juntaram às reuniões técnicas e
ministeriais. Os Emirados Árabes e Arábia Saudita também têm iniciativas muito
interessantes nas áreas de telecomunicações e desenvolvimento de TICs
[Tecnologias da Informação e Comunicação]. Exemplo disso é que os Emirados
constituíram o primeiro ministério para inteligência artificial de que se tem
notícia no mundo", contou.
Ele adiantou que
alguns pontos tratados no encontro devem ser abordados em novembro, na cúpula
do G20, pelo Ministério das Comunicações, como sustentabilidade ambiental,
inteligência artificial e conectividade.
"[…] São, sem
dúvida nenhuma, temas extremamente importantes, e ficaria muito feliz de vê-los
também na declaração presidencial. Espero que ela faça menção aos temas que nós
tratamos no grupo de economia digital", comentou ele. "Acho que vamos
ter uma declaração final, tanto no G20 quanto no BRICS, muito sensível a esses
pontos, espero que sim."
O representante da
pasta ressaltou que na seara da comunicação e da tecnologia, o maior desafio
dos países é a democratização do acesso à Internet, às telefonias e às
tecnologias.
"[…] Existe uma
diferença entre conectividade e conectividade significativa, que é um tema que
o Brasil levou para o G20 e que pretende continuar discutindo aqui no BRICS e
no plano internacional como um todo. Ou seja, é fazer a Internet chegar às pessoas,
mas chegar de uma forma que seja realmente produtiva, que seja segura, que seja
com uma cobertura, uma disponibilidade ideal, que seja com os equipamentos
ideais e a preços adequados, justos", defendeu.
No caso do Brasil,
definir a melhor medida de quanto e como ir além é um dos objetivos do
Ministério das Comunicações, acrescentou. Isso será feito por meio das
políticas públicas de letramento digital, de oferta de computadores e celulares
a preço justo.
"Seja por meio de
financiamento, como fundo de universalização de telecomunicações, ou por outros
instrumentos regulatórios disponíveis na mão do Estado, para fazer a população
realmente ter acesso e fazer o uso mais adequado e mais produtivo possível
dessas tecnologias digitais."
Fonte: Sputnik Brasil
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