sexta-feira, 20 de setembro de 2024

Aposta tecnológica da China deixa jovens sem emprego

Quando a taxa de desemprego entre os jovens chineses atingiu um percentual recorde de 21,3%, em maio de 2023, o governo da China fez o que governos autoritários fazem sempre que uma verdade desagradável aparece: parou de publicar as estatísticas.

Depois de passar seis meses fazendo malabarismos com a sua metodologia, o órgão oficial de estatísticas da China optou por excluir os estudantes do levantamento. Deu certo: em dezembro, o desemprego entre os jovens havia caído em quase um terço.

Mas manipular dados não faz com que o problema desapareça. Em julho de 2024, depois de vários meses de pequenas quedas, o número de jovens desempregados voltou a subir acentuadamente: em um terço, para 17,1%.

A analista Jiayu Li, da empresa de consultoria em políticas públicas Global Counsel, de Singapura, observa que os dados anteriores já excluíam milhões de trabalhadores rurais – que, ela lembra, enfrentam maiores desafios para garantir um emprego em tempo integral do que os trabalhadores dos centros urbanos.

"Os números oficiais não capturam com precisão a situação real. Mesmo após revisões metodológicas questionáveis, os números continuam aumentando, destacando a gravidade do problema", diz.

Embora a economia chinesa não esteja mais crescendo a uma taxa anual de dois dígitos, como no início dos anos 2000, o gigante asiático ainda deve crescer 5% este ano, um número com o qual a maioria dos países ocidentais só pode sonhar.

Nesse cenário, por que a China não consegue criar empregos suficientes para os cerca de 12 milhões de graduados e outros milhões que deixam a escola para entrar no mercado de trabalho todos os anos?

·        Repressão do governo a alguns setores

Há várias respostas: problema estruturais, a pandemia de covid-19, a lenta recuperação pós-pandemia e as tensões comerciais com o Ocidente. Mas igualmente prejudicial para o crescimento econômico – bem como para as perspectivas de emprego de muitos jovens – foi a ampla repressão do presidente Xi Jinping aos setores de tecnologia, imobiliário e educação privada em 2020/21.

A grandes empresas de tecnologia da China, cujo quase monopólio foi alvo das reformas de Xi, perderam mais de 1 trilhão de dólares em valor de mercado.

O setor imobiliário entrou em colapso, levando consigo as economias de dezenas de milhões de pessoas.

O próspero setor de educação e tecnologia do país, que oferecia aulas particulares para cerca de 75 milhões de alunos, foi dizimado. As demissões em massa foram inevitáveis, e muitos dos afetados eram trabalhadores mais jovens – estima-se que, em 2019, 10 milhões de pessoas estavam empregadas no setor de aulas particulares da China, muitas delas recém-formadas.

As plataformas de ensino online, por exemplo, haviam crescido em popularidade durante anos, devido à intensa competição por educação universitária entre os estudantes e ao valor dado pela sociedade chinesa a notas altas.

"A repressão de Xi causou um enorme estresse nesse setor", diz a economista Diana Choyleva, da Enodo Economics, de Londres. "Embora os empregos de professor particular não tenham desaparecido completamente, eles se tornaram muito mais instáveis e pouco confiáveis, reduzindo um meio que graduados subutilizados usavam para compensar suas perspectivas econômicas cada vez menores."

·        Jovens evitam empregos de baixa renda

Outra preocupação é a discrepância entre as expectativas dos jovens e a realidade. Os jovens continuam a evitar os chamados empregos de colarinho azul (trabalhos manuais ou braçais) e preferem competir por cargos de colarinho branco, cujos salários são mais altos.

Devido a sua melhor condição física e agilidade, seria possível supor que os jovens constituiriam a grande maioria da força de trabalho de colarinho azul. Mas a mídia chinesa destacou um estudo realizado pela universidade Capital University of Economics and Business, de Pequim, no ano passado, que constatou que cerca de metade dos 400 milhões de trabalhadores braçais do país têm mais de 40 anos.

"A demanda por habilidades técnicas costuma ser alta, mas esses empregos são menos desejados pelos trabalhadores jovens", diz a analista Nicole Goldin, do Atlantic Council, um think tank com sede em Washington. Embora o governo chinês tenha introduzido incentivos e reformas no sistema educacional para resolver questões estruturais subjacentes, "levará tempo para ver qualquer impacto", afirma ela.

·        Foco em setores de baixo emprego

À medida que a economia da China continua elevando sua cadeia de valor, o governo em Pequim tem priorizado a busca pelo domínio tecnológico global. Grandes investimentos em inteligência artificial (IA), na produção de chips e em energia verde deverão ajudar a reduzir a dependência da China do Ocidente. Mas esses setores não necessariamente precisam de muitos novos trabalhadores.

"O foco do governo está em setores emergentes, como IA e veículos elétricos, que são pequenos e não exigem muita mão de obra, oferecendo criação limitada de empregos", comenta Li, da Global Counsel. "Isso sufoca a inovação e o avanço tecnológico – ironicamente, exatamente aquilo em que Pequim quer apostar para impulsionar o crescimento futuro."

Ela acrescenta que as contínuas tensões comerciais com o Ocidente também colocam o setor de exportação da China sob pressão, uma vez que ele precisa "substituir pedidos de alto valor e sem risco do Ocidente por pedidos de menor valor do Sul Global", o que tem efeitos sobre o emprego.

·        Movimento Tang Ping

Em paralelo a tudo isso, o trabalho temporário e sem vínculo empregatício em plataformas digitais para entrega de alimentos, oferta de carona ou como influenciador em redes sociais se tornou supersaturado. Cerca de 200 milhões de chineses ganham a vida nessas funções precárias, de modo que muitos jovens desistiram de tentar se esforçar.

"Muitos jovens mais ricos podem ter optado por mais educação e hoje estão escolhendo 'ficar deitados'", diz Goldin, referindo-se a um movimento social crescente conhecido em mandarim como tang ping, de jovens que rejeitam as pressões sociais e optam por trabalhar menos para ter uma vida mais tranquila.

Ela diz ainda que um número cada vez maior de jovens chineses está se tornando "filhos ou netos profissionais" para cuidar de parentes idosos – uma função com demanda crescente devido ao envelhecimento da população e ao aumento dos custos de cuidados.

·        Aversão a risco entre empresários

Ao impor restrições tão severas ao setor privado, Xi sufocou os investimentos em startups e a disposição dos jovens empreendedores de assumir riscos. O número de novas startups chinesas caiu 97% nos últimos seis anos, informou o jornal britânico Financial Times esta semana – de mais de 51 mil em 2018 para cerca de 1,2 mil no ano passado.

Choyleva diz que os empreendedores e as empresas de capital de risco se tornaram "extremamente cautelosas" devido a regulamentações rigorosas que forçaram o setor privado a se alinhar com os valores do Partido Comunista – o que, segundo ela, é uma "séria contradição com a agenda do governo".

"Como o setor privado pode impulsionar a inovação se empresários não estão dispostos a assumir o risco de abrir uma empresa? No longo prazo perde-se empresas que poderiam ter gerado empregos em larga escala para os jovens e os efeitos multiplicadores que elas teriam para o país", afirma.

Para Goldin, se a China quiser se manter num caminho para potencialmente ultrapassar os Estados Unidos como a maior economia do mundo, os jovens talentos precisam desempenhar um papel fundamental nesse crescimento.

"[O alto índice de desemprego entre os jovens] reduz a produtividade e dificultará a capacidade da China de competir globalmente. Esses jovens desempregados não conseguirão ingressar na classe média, o que prejudicará o consumo e terá implicações sociais potencialmente desestabilizadoras, que prejudicarão ainda mais o crescimento", alerta.

 

¨      Lenta agonia. Por Thomas Piketty

Sejamos claros desde o início: o relatório de Mario Draghi à Comissão Europeia sobre a competitividade e o futuro da Europa vai na direção correta. Para o ex-presidente do Banco Central Europeu, a Europa precisa atingir no futuro 800 bilhões de euros em investimentos adicionais por ano – o equivalente a 5% do PIB da União Europeia (UE) –, ou cerca de três vezes o Plano Marshall (entre 1% e 2% do PIB em investimento anual no período pós-guerra).

Desse modo, o continente voltará aos níveis de investimento das décadas de 1960 e 1970. Para conseguir isso, o relatório propõe a contração de empréstimos europeus, como foi feito com o plano de recuperação de 750 bilhões de euros adotado em 2020 para fazer face à Covid-19.

Só que se trata agora de obter esses montantes todos os anos para investir de forma sustentável no futuro (especialmente em pesquisa em novas tecnologias) e não para financiar uma resposta excepcional à pandemia. Se a Europa se revelar incapaz de realizar estes investimentos, adverte o relatório, o continente entrará numa “lenta agonia” face aos Estados Unidos e à China.

Podemos discordar de Mario Draghi num certo número de pontos essenciais, em particular no que se refere à composição exata do investimento em questão, o que não é pouco. O fato é que este relatório tem o imenso mérito de torcer o pescoço ao dogma da austeridade fiscal. Segundo alguns, na Alemanha, mas também na França, os países europeus deveriam arrepender-se de seus déficits do passado e entrar numa longa fase de excedentes primários de suas contas públicas, ou seja, uma fase em que os contribuintes deveriam pagar muito mais impostos do que recebem em despesas, a fim de reembolsar os juros da dívida e o capital principal.

Na verdade, este dogma da austeridade baseia-se em disparates econômicos. Em primeiro lugar, porque as taxas de juro reais (líquidas de inflação) caíram para níveis historicamente baixos na Europa e nos Estados Unidos nos últimos vinte anos: menos de 1% ou 2%, e por vezes até níveis negativos. Isto reflete uma situação em que existe um enorme maná de poupanças, pouco ou mal utilizado na Europa e em escala mundial, pronto para entrar nos sistemas financeiros ocidentais praticamente sem retorno.

Nesta situação, cabe aos poderes públicos mobilizar esses montantes e investi-los na educação, saúde, pesquisa, etc. Quanto ao nível da dívida pública, é de fato muito elevado, mas não sem precedentes: está próximo do que se observou na França em 1789 (cerca de um ano de renda nacional), e muito inferior ao registrado no Reino Unido após as guerras napoleônicas e no século XIX (dois anos de renda nacional) e em todos os países ocidentais após as duas guerras mundiais (entre dois e três anos).

A história mostra que não é possível lidar com níveis de endividamento tão elevados através de métodos comuns: são necessárias medidas excepcionais, tais como impostos sobre os ativos privados mais elevados, como os que foram aplicados com sucesso na Alemanha e no Japão no período pós-guerra. Quando as taxas de juro reais voltarem a subir, teremos que fazer o mesmo, tributando os multimilionários e os bilionários. Alguns dirão que isso é impossível, mas na verdade é um simples jogo de escrita em computador. O mesmo não se pode dizer do aquecimento global ou dos desafios da saúde pública ou da educação, que não podem ser resolvidos com uma simples canetada.

Se olharmos agora para os detalhes das propostas do relatório Draghi, há obviamente muito a criticar, o que é muito bom. Uma vez que aceitemos o princípio de que a Europa precisa investir massivamente, é saudável que sejam expressas diferentes visões sobre o tipo de modelo de desenvolvimento e de indicadores de bem-estar que queremos promover. Neste caso, Mario Draghi apoia-se numa abordagem tecnófila, mercantil e consumista bem tradicional.

Ele enfatiza subsídios públicos em grande escala para investimentos privados em tecnologia digital, inteligência artificial e meio ambiente. Mas podemos pensar legitimamente que a Europa deve, ao contrário, aproveitar a oportunidade para desenvolver outros modos de governança e evitar dar, mais uma vez, plenos poderes a grandes grupos capitalistas privados para gerir nossos dados, fontes de energia ou redes de transportes.

Mario Draghi prevê também um investimento puramente público, por exemplo, na pesquisa e no ensino superior, mas de uma forma demasiadamente elitista e restritiva. Ele propõe que o Conselho Europeu de Pesquisa financie diretamente as universidades (e não apenas projetos de pesquisa individuais), o que seria excelente. Infelizmente, o relatório propõe que se concentre apenas em alguns centros de excelência nas grandes cidades, o que seria economicamente perigoso e politicamente inaceitável. A saúde pública e os hospitais estão quase totalmente ausentes do relatório.

De um modo geral, para que um plano de investimento como esse seja adotado, é essencial que os territórios e regiões mais desfavorecidos se beneficiem dele e recebam recursos massivos e visíveis. Se a França, Alemanha, Itália e Espanha, que representam três quartos da população e do PIB da zona euro, conseguirem chegar a um compromisso equilibrado e inclusivo do ponto de vista social e territorial, será possível avançar sem esperar pela unanimidade e com o apoio de um grupo central de países (como previsto no relatório Draghi). É este o debate que a Europa deve agora iniciar.

 

Fonte: DW Brasil/A Terra é Redonda

 

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