terça-feira, 17 de setembro de 2024

"Amazônia é esfolada viva", diz jornal francês sobre aumento das queimadas

"A Amazônia é esfolada viva", diz a manchete de capa do jornal francês Libération. Os incêndios na maior floresta tropical do mundo preocupam cientistas em todo o planeta. Desde o início do ano, foram registrados 82.000 focos de incêndio na região, agravados pelo aumento das temperaturas e uma seca histórica.

Além da Amazônia, o Pantanal, a maior zona úmida da Terra, e áreas de biodiversidade únicas, como o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, também são consumidos pelo fogo, descreve o Libération.

No Brasil, garimpeiros em busca de ouro e agricultores sempre tiveram o costume de queimar a vegetação para preparar o solo antes do plantio. Mas desde o governo do ex-presidente de extrema direita Jair Bolsonaro, que incentivou essas práticas, as autoridades enfrentam novos inimigos na preservação dos biomas: facções criminosas pró-desmatamento, assinala o diário. Em São Paulo, mais de 90% dos incêndios ocorridos nas últimas semanas foram causados pela ação humana, o que surpreendeu as autoridades.

A especialista em clima Luciana Gatti, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), declara ao jornal francês que "a estupidez humana e a corrida pelo dinheiro estão arrastando o mundo para um suicídio coletivo". "O mundo está comendo a Amazônia", diz ela revoltada, referindo-se ao desmatamento decorrente do plantio da soja exportada para alimentação animal e o comércio do couro.

O francês Boris Patentreger, diretor da ONG Mighty Earth, endossa o grito de revolta da brasileira, e diz que a França deve atualizar sua estratégia nacional de 2019 contra o desmatamento importado. A legislação europeia que entra em vigor em janeiro de 2025, proibindo a venda de produtos de áreas desmatadas, dá uma certa esperança à ONG Greenpeace.

•        Emergência climática

Mas o editorial do Libération enfatiza que o mundo está diante de uma emergência climática. O ponto de não retorno no papel regulador da Amazônia para o equilíbrio climático global, tantas vezes evocado pelos cientistas, está chegando mais rápido do que se pensava. "Os brasileiros e vizinhos de oito países da região estão sendo asfixiados pela fumaça que já cobre 60% do território brasileiro", aponta o jornal.

"Será que ainda é preciso lembrar o impacto desses incêndios sobre a saúde humana", questiona o editorial, diante do aumento de casos de conjuntivite, rinite, asma, pneumonia e outras doenças agravadas pela inalação da fumaça tóxica proveniente das queimadas.

O jornal de linha editorial progressista reconhece que o desmatamento caiu pela metade no ano passado em relação a 2022. "Seria mentiroso dizer que nada foi feito, mas é indiscutível que é preciso fazer mais, muito mais, para preservar o que resta da Amazônia", conclui o Libération.

 

•        Pantanal acabará e meia Amazônia será devastada até 2070 nesse ritmo de desmate, diz Carlos Nobre

A intensificação dos incêndios e queimadas na Amazônia e no Pantanal deixou Carlos Nobre, uma das maiores autoridades científicas do Brasil na área climática, bastante assustado. Em entrevista ao Estadão, o climatologista foi franco: se as mudanças climáticas e a destruição ambiental seguirem desenfreadas, o Brasil pode assistir ao desaparecimento do Pantanal e à perda de metade da Amazônia nas próximas décadas.

“Acho que o Pantanal acaba até 2070”, disse Nobre. “O Pantanal já reduziu 30% nos últimos 30 anos; está secando. E agora o fogo destrói sua vegetação. Se continuarmos com emissões altas e só conseguirmos zerá-las em 2050, o que já é um enorme desafio, poderemos chegar a 2100 com 2,5oC acima da média. Se isso acontecer, o Pantanal não terá mais lago”.

Enquanto o Pantanal periga desaparecer, outros biomas brasileiros também estão sob risco de perdas ecossistêmicas substanciais em meio ao clima extremo. “Todos os biomas estão em risco. Se o desmatamento continuar desse jeito, a Amazônia vai perder pelo menos 50% da floresta até 2070”, destacou Nobre.

Para Nobre, a escalada da seca e dos incêndios mostra que a crise climática está se intensificando muito mais rápido do que o esperado. “A crise explodiu. Temos a maior temperatura que o planeta experimentou em 100 mil anos. Desde que existem civilizações, há dez mil anos, nunca chegamos nesse nível, em que todos os eventos climáticos se tornaram tão intensos e muito mais frequentes”, alertou o climatologista.

A seca mais intensa da história do Brasil é efeito direto das mudanças climáticas, intensificada pela perda de vegetação natural na Amazônia, no Pantanal e no Cerrado. Como O Globo pontuou, o desmatamento degrada uma fonte importante de umidade do ar e do solo, o que resulta na redução das chuvas.

O clima seco é um fator importante por trás da explosão dos incêndios, mas não é o seu “culpado”. A esmagadora maioria dos casos de fogo tem origem criminosa, causados intencionalmente para degradar a vegetação e facilitar o uso da terra para cultivo ou pasto.

“É muito difícil um incêndio começar com um cigarro. A grande maioria, tendendo a 100%, é causada por um isqueiro ou fósforo e alimentada por querosene ou gasolina, alguém que quis atear. E não existe incêndio natural em período seco no Brasil porque não há raios”, explicou Christian Berlinck, especialista em ecologia de fogo do ICMBio.

 

•        É falso que 80% da biodiversidade está em terras indígenas

A alegação de que 80% da biodiversidade mundial é encontrada nos territórios dos povos indígenas não tem base alguma. Um artigo publicado no começo deste mês pela revista científica Nature aponta que não há dados para sustentar a afirmação, muito citada nos últimos anos em reportagens, artigos de notícias e até em publicações científicas.

Em abril deste ano, por exemplo, a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, citou o dado durante um pronunciamento em cadeia nacional, ao afirmar que "os territórios indígenas preservam 80% de toda a biodiversidade do planeta". Em 2022, o diretor de cinema James Cameron foi outro que citou a afirmação ao promover um novo filme da franquia Avatar. A lista é longa.

Só que os autores do artigo da Nature afirmam que a alegação é "uma estatística sem fundamento", não apoiada por nenhum dado real e alertam que ela até mesmo colocar em risco os próprios esforços de preservação ambiental liderados por povos indígenas.

"O uso contínuo desse número por agências das Nações Unidas, organizações não governamentais (ONGs), jornalistas, biólogos conservacionistas e ativistas e defensores indígenas, entre outros, pode prejudicar a causa exata que ele está sendo usado para apoiar", afirma o texto.

Os pesquisadores ressaltam que as comunidades indígenas desempenham "papéis essenciais" na conservação da biodiversidade, mas apontam que a alegação de 80% é simplesmente "errada".

O texto, escrito por 13 autores, incluindo três cientistas de origem indígena, levou cerca de cinco anos para ser produzido. "Houve relatórios de políticas usando esse número. Houve relatórios científicos. Ele foi citado em mais de 180 publicações científicas", diz Álvaro Fernández-Llamazares, etnobiólogo da Universitat Autònoma de Barcelona e um dos autores do artigo.

<><> "Diversidade não pode ser facilmente quantificada"

A peça publicada na Nature afirma que a alegação de 80% "é baseada em duas suposições enganosas: de que a biodiversidade pode ser dividida em unidades contáveis e que estas podem ser mapeadas espacialmente em nível global". O cientistas observam, entretanto que "nenhum dos feitos é possível", pois biodiversidade "não é algo que pode ser facilmente quantificado".

Fernández-Llamazares enfatiza, segundo o jornal britânico The Guardian, que a intenção não é culpar aqueles que usaram o número. "O que estamos questionando é: como pode ser que esse número tenha ficado sem ser questionado por tantos anos?", ressalta o cientista.

Para buscar a origem da afirmação, os cientistas pesquisaram décadas de literatura e citações. Eles afirmam que não encontraram nenhuma referência aos "80%" antes de 2002 e que a porcentagem começou a ser popularizada nos anos seguintes.

Embora não tenham encontrado nada que se assemelhasse a um cálculo real, os cientistas acharam relatórios da ONU e do Banco Mundial do início dos anos 2000 que parecem ter contribuído para popularização da cifra distorcida. Estes textos, por sua vez, citaram um artigo de uma enciclopédia sobre regiões ocupadas por povos indígenas e pesquisas que apontavam que algumas tribos nas Filipinas estavam "mantendo mais de 80% da cobertura florestal original de alta biodiversidade".

Nos anos seguintes, uma versão distorcida dessa afirmação ganhou tração e passou a englobar povos indígenas em geral em todo o mundo, não só em relatórios de ONGs, mas também em artigos cinetíficos.

Segundo os autores, ao menos 186 estudos publicados em revistas científicas como a BioScience e The Lancet Planetary Health incluiram o dado não comprovado. Como um exemplo de como a porcentagem de "80%" ganhou popularidade mundo afora, os autores também mencionam como ela foi usada pelo diretor James Cameron em 2022 e até mesmo por um site de checagem que a tomou como verdadeira.

Os autores da peça publicada pela Nature ressaltam, entretanto, que a crítica à alegação dos 80% não tem intuito de "minar décadas de esforço de organizações de povos indígenas" na luta para preservar a biodiversidade e influenciar a política climática e também não quer diminuir o papel "essencial e verificável considerável que os povos indígenas desempenham na conservação da biodiversidade do planeta".

 

•        La Niña pode atrasar e ocorrer apenas em 2025, alerta ONU

A Organização Meteorológica Mundial (OMM) revisou suas previsões de longo prazo e indicou uma maior probabilidade do fenômeno La Niña ocorrer a partir do final de 2024 ou do começo de 2025. As novas projeções indicam uma probabilidade de 55% de transição das atuais condições neutras para o La Niña durante setembro e novembro de 2024; essa probabilidade aumenta para 60% no período de outubro de 2024 a fevereiro de 2025.

O La Niña descreve o resfriamento em larga escala das temperaturas da superfície do Pacífico equatorial central e oriental, juntamente com mudanças na circulação atmosférica tropical. Os efeitos de cada La Niña variam dependendo de sua intensidade, mas eles costumam diminuir (ou, no contexto da crise climática, limitar o crescimento) a temperatura média global.

As projeções anteriores indicavam uma probabilidade maior do La Niña ocorrer ainda no 3º trimestre de 2024, mas os novos cálculos indicam que o fenômeno deve ocorrer mais tarde. Enquanto isso, as temperaturas médias globais seguem batendo recordes, como observado neste verão no Hemisfério Norte, o mais quente já registrado.

“Desde junho de 2023, temos visto uma longa sequência de temperaturas globais excepcionais da superfície terrestre e marítima. Mesmo que um evento de resfriamento de curto prazo do La Niña ocorra, ele não mudará a trajetória de longo prazo de aumento das temperaturas globais devido aos gases de efeito estufa que se acumulam na atmosfera”, observou a secretária-geral da OMM, Celeste Paulo.

Outra projeção, apresentada pelo Centro de Predição Climática da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos EUA (NOAA), ainda mantém uma expectativa maior de ocorrência do La Niña em 2024. De acordo com o órgão, o fenômeno tem probabilidade maior de ocorrer (71% de chance) entre setembro e novembro deste ano e deve persistir até janeiro e março de 2025, o que indica um La Niña mais fraco e de curta duração.

Bloomberg, CNN Brasil, Correio Braziliense, Folha, g1, MetSul e Reuters, entre outros, abordaram as projeções mais recentes sobre o La Niña.

 

Fonte: RFI/DW Brasil

 

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