A quarta idade da memória
“Equilíbrio
termodinâmico”, assim Erwin Schrödinger, físico, ganhador do Prêmio Nobel e um dos pais da mecânica
quântica, define, em suas lições sobre a vida, a morte. Segue-se que
a vida é desequilíbrio termodinâmico, e que viver consiste numa questão de
passagem de calor, tanto físico quanto emocional, que tanto mais passa quanto
menos reinam a estagnação e a uniformidade. Schrödinger também fala
em “entropia negativa”, afirmando que é exatamente disso que a vida se
alimenta. Tudo, de fato, tende para o estado caótico chamado entropia, que é
ausência de estrutura e ordem (a entropia máxima é a morte), mas viver
significa contrariar essa tendência à desordem introduzindo dentro de si
entropia negativa, ou seja, ordem.
Escreve: “Aquilo de
que um organismo se nutre é a entropia negativa". Daí decorre um curioso
paradoxo: morrer é um equilíbrio desordenado, viver é uma ordenada ausência de
equilíbrio. Ou seja, viver, para usar a conhecida metáfora, é como andar de bicicleta:
perder o equilíbrio com a pedalada direita para recuperá-lo imediatamente com a
pedalada esquerda, enquanto querer estar perpetuamente em equilíbrio
significaria cair. Claro que na vida nem sempre se pedala da mesma forma, mas
de acordo com as fases de existência. Quantas são essas fases? Geralmente
pensa-se apenas em três: infância, idade adulta, velhice. Isso é o que pensavam
os antigos gregos, como fica claro no enigma que a Esfinge apresentou
a Édipo às portas de Tebas: “Qual ser, com uma só voz, tem ora
duas pernas, ora três, ora quatro, e fica mais fraco quanto mais tem?”.
Édipo respondeu:
“O homem, que criança anda de quatro, adulto fica sozinho e velho se apoia em
um pedaço de pau" (arrasada pela resposta correta, a Esfinge se
jogou em um penhasco e os tebanos recompensaram Édipo proclamando-o
rei, mas para ele teria sido melhor não se tornar
rei). Giorgione retomou em 1501 a divisão no seu belíssimo
quadro Três idades do homem, uma obra que quase certamente
inspirou Ticiano que por sua vez pintou As três idades do
homem em 1514. E em nossos dias aparece esta poesia de Dario
Bellezza: “Passageira é a juventude / um sopro, a maturidade / avança terrível
a velhice / e dura uma eternidade". Trata-se apenas de alguns exemplos da
abordagem que ainda hoje é majoritária no Ocidente segundo a qual a vida humana
tem um ciclo de vida dividido em primeira, segunda e terceira idades.
Segundo
a espiritualidade indiana, porém, existem quatro fases da vida, as
chamadas “ashramas” que, em vez de anos, são descritas pela atividade.
- A primeira é caracterizada pela aprendizagem e
tem o estudante como figura simbólica,
- a segunda pelo trabalho e é simbolizada pelo pai
de família,
- a terceira é chamada de “retirada na floresta” e
coincide com a cessação dos deveres e a dedicação ao estudo e à
meditação,
- a quarta é, por fim, marcada por total
desinteresse pelo mundo e tem como figura simbólica o asceta errante que
deixa de lado todo desejo de viver e de morrer e simplesmente espera que
se cumpra o seu tempo.
Devido ao
prolongamento da vida, a divisão em quatro fases está agora presente também
entre nós, dado que distinguimos cada vez mais o período de tempo caracterizado
pela aposentadoria do trabalho acrescentado à terceira também a quarta idade,
fazendo com que esta última coincida com a velhice propriamente
dita e seus achaques físicos e mentais. Claro que mesmo na última fase é
preciso pedalar seguindo a lógica da vida que requer desequilíbrio
termodinâmico. Mas qual é a pedalada que caracteriza a quarta idade?
Como ainda não cheguei
lá, recorro a quem já teve experiência, reportando-me a Norberto Bobbio, que aos 87 anos publicou um ensaio intitulado,
retomando Cícero, De senectute. Nele descreve a partir de
dentro o mundo dos “velhos”, escolhendo chamá-los exatamente assim,
"velhos", não “idosos”, termo este que em sua opinião é neutro e não
tem conotação de velhos, e por isso é usado cada vez mais por pressão da economia
que faz de quem vive a terceira e também a quarta idade “um cortejadíssimo
usuário da sociedade de consumo, portador de novas demandas de bens”.
Pois bem,
segundo Bobbio “o mundo dos velhos, de todos os velhos, é o mundo da
memória”. Cada um de nós no final, quando alcança à última parte da vida,
consiste nas suas ações, nos seus afetos, nos seus pensamentos,
mas Bobbio acrescenta: “Você é o que você lembra”. Para ele, de fato,
quando se envelhece, se vivencia o tempo à insígnia do passado, vive-se no
passado e do passado. Resulta, portanto, decisiva a memória, sobre a qual
escreve o filósofo: “Recordar é uma atividade saudável”. É saudável porque “na
lembrança você reencontra a si mesmo, a sua identidade, apesar dos muitos anos
que passaram, dos mil acontecimentos vivenciados”. E continua dirigindo-se a um
“você” que pode ser o leitor, mas também o seu eu: “Você encontra os anos
perdidos, as brincadeiras de quando era menino, os rostos, a voz, os gestos dos
seus colegas de escola, os lugares, especialmente aqueles da infância, os mais
distantes no tempo, mas mais nítidos na memória".
Cultivar a memória é para Bobbio um ato saudável, e a veracidade
disso é confirmada pela nossa língua que conhece três verbos a esse respeito:
recordar, rememorar e relembrar, dos quais etimologicamente o primeiro
refere-se ao coração, o segundo à mente, o terceiro aos membros juntos, como se
dissesse que é todo o nosso organismo, alma e corpo, que é revitalizado pelo
calor das lembranças que fluem da memória.
O cultivo da
memória é, portanto, essencial para a idade avançada, e é por ela que
nessa fase é preciso pedalar na bicicleta da vida. Que eu saiba, as palavras
mais belas sobre a memória foram escritas por Santo Agostinho no
livro X das Confissões, eis aqui algumas delas: “no grande palácio da
memória encontram-se aí, à minha disposição, céu, terra e mar, com aquilo tudo
que neles colher com os sentidos, excetuando-se apenas o que esqueci. É aí que
encontro a mim mesmo, e recordo as ações que realizei, quando, onde e sob que
sentimentos as pratiquei. Aí estão também todos os conhecimentos que
recordo". Ainda: “É grande realmente o poder da memória, bem grande, ó meu
Deus. É um santuário imenso, ilimitado. Quem poderá atingir-lhe a profundeza? E
essa força pertence ao meu espírito, faz parte de minha natureza; e na
realizada não chegou a aprender tudo o que sou. Isso muito me admira e me
espanta".
Pode-se crer ou não
crer em Deus, ou melhor, num Deus, mas cultivar esse espanto permanente diante
do milagre da vida, do milagre da mente e da sua capacidade
de memória, é sem dúvida uma excelente forma de estar no mundo, ainda mais
quando temos consciência de que para o nosso “ser” está chegando o fim. Nunca
se deve, de fato, esquecer a advertência de Cícero: “Cada idade da vida é
pesada para quem não encontra em si mesmo algo que o ajude a viver feliz”.
Encontrar “em si mesmo”: o jogo é totalmente interno. Precisamente por isso
existem jovens tristes e desanimados, e idosos felizes e ainda capazes de
sorrir com alegria para a vida.
Fonte: Por Vito
Mancuso, no La Stampa – tradução de Luisa Rabolini, em IHU
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