sábado, 31 de agosto de 2024

Ucrânia vive batalha crítica por cidade estratégica no leste

Pokrovsk é atualmente o principal foco da guerra da Rússia contra a Ucrânia. A situação no entorno da cidade estratégica e em outras áreas de Donetsk, no leste do país, é "extremamente difícil", classificou o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, nesta quarta-feira (28/08), apontando que o Exército russo tem concentrado suas ações na região.

Zelenski fez as declarações com base em relatos do comandante-chefe da Ucrânia, Oleksandr Syrskyi, que passou vários dias no front de Pokrovsk. Syrskyi afirmou que a Rússia tem feito de tudo para romper as defesas da Ucrânia e que as tropas de Kiev vêm tendo que usar métodos não convencionais para fortalecer suas posições.

Segundo o Exército-maior ucraniano, há "combates intensos" em uma série de vilarejos próximos a Pokrovsk. "Até agora o inimigo fez 38 tentativas de avançar sobre posições ucranianas. Em 14 locais, os combates continuam", afirmou.

De acordo com relatos dos últimos dias, o Exército russo havia chegado a uma distância de até 10 quilômetros da cidade. Mais de um terço dos ataques de Moscou têm mirado essa área na região do Donbass. Na quinta-feira da semana passada, por exemplo, foram 53 de 144 bombardeios.

Se a Ucrânia perder o controle sobre Pokrovsk, perderá também um importante centro de abastecimento para suas tropas. A liderança militar do país anunciou o envio de reforços, e os moradores de Pokrovsk e das cidades vizinhas de Myrnohrad e Selydove foram instruídos a deixar suas casas.

·        Futura cidade-fantasma?

"É um ciclo conhecido: a artilharia russa começa a bombardear os arredores, depois entram em ação bombas guiadas e drones FPV [com câmeras integradas], as cidades rapidamente se transformam em cidades-fantasma, e as pessoas fogem", afirmou Oliver Carroll, correspondente da revista britânica The Economist, que esteve em Pokrovsk na semana passada.

Embora lojas e hospitais ainda estivessem em funcionamento, havia poucas pessoas nas ruas, descreveu Carroll. Desde 12 de agosto, uma nova proibição de circulação, entre as 17h e as 9h, foi imposta na parte do Donbass que é controlada por Kiev em povoados a menos de 10 quilômetros da linha de frente.

Pokrovsk fica no extremo oeste da região de Donetsk e tinha cerca de 60 mil habitantes antes da invasão russa. Agora, estima-se que menos de 40 mil ainda vivam lá. Carroll disse ter visto pessoas deixando a cidade de trem.

As autoridades locais estão transferindo moradores para a região de Rivne, no oeste da Ucrânia. No site da prefeitura, um trem gratuito é oferecido a cada oito dias. Serhij Harmash, editor-chefe do portal Ostriw, acredita que isso não seja suficiente: "As pessoas vão fugir de forma desorganizada."

"Ver as pessoas fugindo com seus pertences empacotados em algumas poucas sacolas é uma cena muito triste, mas infelizmente muito familiar no Donbass. Você vê carros com móveis amarrados no teto", diz Carroll. "Conversei com uma mulher de 84 anos que está enfrentando uma situação dessas pela segunda vez na vida. Ela se lembra da primeira, quando era pequena, nos anos 1940. Agora, está fugindo do Exército de Vladimir Putin. A mulher estava tão revoltada que não conseguia nem pronunciar o nome dele."

·        Por que Pokrovsk é importante

Pokrovsk fica numa intersecção de importantes ferrovias e rodovias, incluindo a E50, que conduz ao oeste, até Pavlograd, na região vizinha de Dnipropetrovsk. São cerca de 20 quilômetros até a fronteira regional, e alcançá-la é um objetivo declarado do Kremlin.

De acordo com estimativas oficiais, no segundo semestre de 2023, a Ucrânia controlava cerca de 45% da região de Donetsk, onde viviam cerca de 480 mil pessoas. Desde então, a área controlada diminuiu, mas não há dados exatos disponíveis (o mapa a seguir mostra a situação de três meses atrás).

O Exército ucraniano dispõe de "dois importantes pontos logísticos que permitem o controle da parte ucraniana do Donbass", afirma Yuri Butusov, um dos mais renomados correspondentes de guerra ucranianos e chefe do Censor.net.

"Trata-se dos centros urbanos de Pokrovsk-Myrnohrad e Sloviansk-Kramatorsk. Eles são de importância estratégica. A situação é crítica para toda a região de Pokrowsk-Myrnohrad", destaca o jornalista.

O historiador militar austríaco Markus Reisner compartilha dessa preocupação. "Pokrowsk é uma importante base logística para a Ucrânia. Se for perdida, isso resultará em atrasos nas entregas em outras áreas. Além disso, é uma base na terceira linha de defesa, e para além dela, há uma área aberta", diz o coronel da Academia Militar Theresiana, em Wiener Neustadt. "É por isso que a situação é tão perigosa."

Logo a oeste de Pokrovsk, não há grandes cidades que sejam importantes do ponto de vista da defesa ucraniana. Se a Ucrânia será capaz de estabelecer novas e fortes linhas de defesa é uma questão em aberto.

Segundo Reisner, isso geralmente leva meses. Para o historiador, no pior cenário, caso haja problemas com o apoio ocidental, "o Donbass pode passar definitivamente para o lado russo, resultando em uma possível ruptura que talvez só possa ser contida em Dnipro".

·        Como o Exército russo se aproximou de Pokrovsk

A situação em Pokrovsk, segundo observadores, é o resultado de dois acontecimentos. Primeiro, em 17 de fevereiro deste ano, a Rússia conquistou Avdiivka, um subúrbio bem fortificado de Donetsk. De Avdiivka a Pokrovsk são cerca de 60 quilômetros, e o Exército russo percorreu a maior parte dessa distância em seis meses.

O segundo acontecimento importante foi em maio, quando o Exército russo conseguiu explorar a rotação de tropas ucranianas perto do vilarejo de Ocheretyne e "romper" o fronte, descreve Butusov. Segundo o jornalista, as forças russas avançam em pequenos grupos.

Carroll compartilha informações semelhantes: "Em Avdiivka, a infantaria contou com o apoio de unidades mecanizadas. A Rússia dispõe agora de menos veículos blindados, e a principal ofensiva está sendo conduzida por infantaria em motocicletas e scooters, essa é a principal tática."

Reisner acredita que tenha sido por acaso que a área de Pokrovsk se tornou o ponto mais crítico da guerra no Donbass. "Foi lá que a Rússia conseguiu romper a segunda linha de defesa das tropas ucranianas, mas isso poderia ter ocorrido em outro lugar, como em Siversk", considera.

·        Por que o Exército russo avança rumo a Pokrovsk?

Observadores citam vários fatores para explicar o avanço russo rumo a Pokrovsk, incluindo as consequências da falta de munição no inverno no hemisfério norte, quando os fornecimentos dos EUA foram interrompidos. Agora, a situação melhorou, mas a Rússia ainda está em vantagem, havendo três munições de artilharia russas para cada uma do lado ucraniano, apontou recentemente o comandante-chefe Oleksandr Syrskyi.

No entanto, essa não é a principal causa, consideram observadores. "Há um problema na organização e no planejamento das batalhas", diz Butusov.

Carroll também menciona isso, mas, para ele, a principal razão é outra: "As forças ucranianas estão no limite, estão extremamente exaustas; alguns combatentes permanecem 30, 40 e, em alguns casos, até 70 dias em suas posições."

·        A ofensiva ucraniana em Kursk vai ajudar?

Muitos especialistas suspeitam que o objetivo da ofensiva ucraniana em Kursk, em território russo, seja reduzir a pressão da Rússia sobre o Donbass. Até agora, isso talvez não tenha ocorrido na medida que Kiev esperava, e observadores acreditam que esse suposto objetivo não será alcançado.

A Rússia, na realidade, intensificou seus esforços, observa Carroll. Um militar ucraniano disse ao correspondente que, além da falta de munição para as tropas de Kiev, desde o início do ano a Rússia "melhorou significativamente seu sistema de rastreamento e destruição de artilharia".

 

¨      Por que a invasão à região russa de Kursk foi um tiro no pé das Forças Armadas ucranianas?

No começo de agosto, as Forças Armadas ucranianas invadiram a região russa de Kursk. A ofensiva, segundo especialistas, além de não trazer resultados esperados, prejudicou os diálogos pela paz.

No dia 6 de agosto, as tropas ucranianas lançaram um ataque à região de Kursk, na Rússia. A ação marcou a agressão mais significativa da Ucrânia contra a Rússia desde fevereiro de 2022. Após a ofensiva, o presidente russo, Vladimir Putin, afirmou que a ação evidenciava o motivo de Kiev recusar as propostas de paz de Moscou.

"Aparentemente, o inimigo, com a ajuda de seus patrões ocidentais, está fazendo a vontade deles", disse Putin naquela oportunidade.

Em entrevista ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, analistas explicam por que a ação trouxe prejuízos aos ucranianos, dificultando acordos de paz, tornando-se um verdadeiro tiro no pé para o governo da Ucrânia.

Ucranianos agiram sozinhos na ofensiva?

Para os analistas ouvidos pelo podcast, diante das circunstâncias, o Exército ucraniano não agiu sozinho quando rompeu as fronteiras e atacou a região de Kursk.

"Era impossível a Ucrânia sozinha realizar esse ataque a Kursk, porque precisou de uma análise de satélite muito apurada, que permitiu a penetração naquela região. Não é uma análise que pode ser feita do dia para a noite", explica João Cláudio Pitillo, professor de história e pesquisador do Núcleo de Estudos das Américas (Nucleas) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

Ainda conforme o analista, "as informações que confirmaram a possibilidade de penetração ali foram dadas pela OTAN".

Além disso, a Sputnik revelou que Kiev usou veículos blindados Roshel Senator (modelo Ford F-559 Senator APC) fornecidos por países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) pouco antes da invasão no ataque terrorista à região de Kursk, baseados em documentos das Forças Armadas ucranianas encontrados por fuzileiros navais russos da 810ª brigada.

<><> Ofensiva foi um tiro no pé?

De acordo com Ricardo Quiroga Vinhas, tradutor de russo, pesquisador do Grupo de Estudos 9 de Maio e um dos autores do livro "A grande guerra patriótica dos soviéticos", segundo a análise de militares ocidentais — aposentados ou não e que compuseram os quadros da OTAN —, o ataque à região de Kursk tem uma representação simbólica, com o intuito de "tentar continuar atraindo recursos da OTAN".

Ou seja, para continuar a atrair esses financiamentos, os ucranianos precisam "mostrar serviço", diz o analista.

Pitillo, por sua vez, chama a operação em Kursk de "operação midiática". "Poucos canais mostram que a operação em Kursk não tinha uma tática definida e, na ausência de um objetivo, sua estratégia acabou sendo um fim em si mesma. Porque as forças que penetraram em Kursk não conseguiram nenhum grande objetivo."

Ao contrário disso, conforme o professor de história, a ofensiva causou retrocesso para as forças ucranianas, que sofrem com a perda de material e de homens.

"Hoje, nenhum desses jornais que propagandearam o ataque a Kursk têm coragem de revelar que esse ataque, além de ter falhado, custou tropas e equipamentos valiosíssimos para a Ucrânia e para a OTAN", afirma.

Quiroga acrescenta também que, ao passo que a mídia ocidental hegemônica dá a impressão de que os ucranianos estão chegando "às portas de Moscou", você vê, por outro lado, em outros canais, realidades bem diferentes, como "ucranianos que resistem a serem recrutados".

"Você já tem defesas bastante enfraquecidas, e aí você enfraquece ainda mais enviando tropas para Kursk, invadindo o território russo, enquanto os russos continuam avançando no que eles pretendem", analisa sobre a postura ucraniana.

Soma-se ainda aos prejuízos do ataque a dificuldade de avançar neste momento por um acordo de paz, adiantam os analistas.

"O governo russo já deixou bem claro que, diante do acontecido, não haverá negociação", recorda Quiroga.

"Se levar ao pé da letra o que disse o [vice-presidente do Conselho de Segurança russo] Dmitry Medvedev, por exemplo, eu acho que talvez não pare somente na libertação das repúblicas populares de Lugansk e Donetsk [RPD e RPL, respectivamente] e na região de Zaporozhie. Pode ser que avance um pouco mais, até porque existem regiões ali que estão também com uma forte presença da etnia russa e que sofreram muito na repressão pós-golpe de 2014 — por exemplo, cito Odessa", acrescentou o especialista.

<><> Zelensky: agente contra a paz

"Se existem setores na Ucrânia hoje que desejam paz, não são os setores ligados ao Zelensky", afirma Pitillo, dizendo que o ex-presidente ucraniano é parte do problema, não da solução.

Como uma figura pró-Ocidente, o especialista afirma que Vladimir Zelensky é, a todo momento, chamado para intensificar as ações no campo de batalha, para que os países que investem no conflito possam justificar os aportes feitos.

"A transferência de dinheiro, material, treinamento para a Ucrânia, a partir das forças aliadas, também fomenta a economia desses países aliados. Essa 'ajuda' não é uma ajuda gratuita não. O Estado ucraniano está se endividando cada vez mais, e uma hora ele vai ter que começar a pagar essa dívida com a OTAN", explica o especialista.

Nesse âmbito, segundo o analista, Zelensky serve à elite ucraniana e ao Ocidente, e a ofensiva em Kursk pode ser vista como uma justificativa "para esses investidores da OTAN, para esses líderes dos países que compõem a OTAN terem o que negociar a nível doméstico, terem a satisfação para o seu público eleitor", acrescenta.

Além disso, o ataque de Kursk mostra uma traição à própria fala de Zelensky, que apontava disposição em negociar. E essa não foi a primeira vez.

"Quando as forças russas chegaram em Kiev, eles afirmaram que estavam dispostos a negociar e pediram um sinal de boa vontade. A Turquia e a França pediram por parte do governo russo um sinal de boa vontade. O presidente russo, Vladimir Putin, evacuou o aeroporto tomado em Kiev, mostrando sinais de que queria negociar. A partir dali, os ucranianos se arvoraram em aumentar a sua presença no campo de batalha e partir para uma ofensiva", recorda Pitillo.

Dessa vez, pouco antes de atacar a região de Kursk, os ucranianos demonstraram o desejo de dialogar. Pouco depois, partiram para uma "penetração sorrateira".

"Isso tem sido um padrão da Ucrânia", salienta o professor de história.

<><> Kursk, uma região histórica

A região de Kursk tem como capital e principal cidade o município que carrega o mesmo nome da região. Localizada no sudoeste da Rússia, além de ser um centro industrial, é um entroncamento também do ponto de vista ferroviário e rodoviário, e é uma fronteira importante com a própria Ucrânia.

O principal produto de Kursk é o minério de ferro, mas a região também possui um importante setor químico, além de indústria de processamento de alimentos e universidades.

O conflito que emana na região atualmente pode ter sido motivado, inclusive, por um caráter simbólico e histórico: "Atacar Kursk, [local] por onde os soviéticos tinham sido atacados pelos alemães", resume Quiroga.

Em 1943 ocorreu a Batalha de Kursk, que era, segundo Pitillo, "o meio do caminho" entre as linhas de frente do Eixo e da União Soviética, que se estendeu após a Batalha de Stalingrado.

"Naquele momento, a região de Kursk passou a ser estratégica pela convergência de tropas soviéticas nesse saliente, que é chamado saliente de Kursk, que era uma bolsa, e que formou um tipo de bolsão de penetração, uma calosidade na linha alemã", acrescenta.

Conforme Quiroga, a batalha na região durante a Segunda Guerra Mundial foi a maior batalha de tanques da história do mundo. "Em torno de 6 mil veículos participaram desse combate", conta.

Os soviéticos levaram a melhor e, ao final, não só expulsaram os alemães da região que eles tentavam ocupar, como libertaram várias cidades no entorno.

"Depois disso, os alemães já foram diretamente para a defensiva, ou seja, dali foram rumo a Berlim. […] Foi uma derrota fragorosa dos alemães", sintetiza.

 

Fonte: Deutsche Welle

 

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