terça-feira, 6 de agosto de 2024

Salvador: Poder Público terá que encontrar saída para evitar 'modelos de revitalização falidos', no Centro Histórico

O Centro Histórico de Salvador resiste ao passar dos séculos e enfrenta a necessidade de se reinventar a cada década. No imaginário popular, refletido na literatura, no cinema e nas canções, este espaço ocupa um lugar especial nas memórias dos baianos como um local que já viveu tempos “dourados”. Mas, existe uma perspectiva para o futuro? A resposta para esta pergunta está nesta quarta e última reportagem da série "Da Decadência Urbana às Noites de Luxo no Centro de Salvador".

O local que atrai turistas do mundo tem áreas degradadas que durante os anos vêm passando por revitalizações com investimentos do poder municipal, estadual e federal. No primeiro semestre deste ano, por exemplo, os imóveis do Centro Histórico de Salvador tiveram suas fachadas recuperadas. A Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado (Conder) realizou a pintura da parte da frente de 10 imóveis que estão sendo recuperados.

Outra medida que busca a ocupação cultural do lugar é a implementação de novos equipamentos com o investimento do Município, como a Cidade da Música, o Arquivo Público e a Casa das Histórias, a Casa do Carnaval e a reabertura do Museu Nacional da Cultura Afro-Brasileira (Muncab).

A antropóloga e historiadora, Neivalda Freitas, destaca que as requalificações precisam assistir não somente à infraestrutura. Ela explica que muitos países adotaram um modelo de revitalização de centro histórico que falhou no mundo todo, transformando áreas da cidade em cenários.

“Eles têm um modelo de revitalização de centro histórico falido no mundo todo. Muitos países tentaram esse modelo de transformar áreas da cidade em cenários. Na primeira tentativa, eles queriam transformar o Pelourinho em um cenário, as casas por fora, todas arrumadinhas, bonitinhas e pintadinhas e o comércio atuando ali. Só que isso não é o que mantém. Quem vai manter a casa? Quem vai dar vida ao bairro? Quem é que vai fazer com que as pessoas circulem ali? Não é o turista”, comentou a professora titular da Universidade do Estado da Bahia (Uneb).

Ainda de acordo com a antropóloga, as revitalizações e as transformações do município soteropolitano devem estar previstas de forma geral no Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU), ferramenta basilar para diagnóstico urbano na perspectiva social, econômica, política e administrativa. Em Salvador, esse planejamento foi sancionado em julho de 2016 e previa uma atualização com oito anos, ou seja, neste ano de 2024.

De acordo com a arquiteta Juliana Franca Paes, presidente da Associação de Mulheres da Engenharia, Agronomia e das Geociências da Bahia (Ameag) e que integrou a equipe responsável pela construção do PDDU soteropolitano, o maior desafio na realização do estudo no que se refere ao Centro Histórico foi a relação entre a preservação cultural e a funcionalidade.

De acordo com a arquiteta, o PDDU é uma das principais leis que possibilita a organização do crescimento e do funcionamento municipal, depois da Lei Orgânica do Município, porque “ele é quem conduz e orienta como a cidade vai se organizar territorialmente e como pretende organizar as políticas públicas, a partir do que o plano disciplina, enquanto estratégia e diretriz”.

Com base nesse planejamento, é possível desenvolver macro ações para manter o centro histórico vibrante e dinâmico. Especialistas, inclusive, afirmam que os habitantes da área, tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), devem representar diversas classes sociais. A diversidade, segundo eles, é essencial para a conservação e o reconhecimento cultural do local. Essa visão é corroborada pelo vice-presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU), Ernesto Carvalho.

“Inicialmente, o deslocamento da faixa socioeconômica mais vulnerável para outros locais mais afastados pode gerar um aumento no custo de vida nesses lugares [no Centro Histórico], pois acontece a valorização imobiliária e com isso uma perda de identidade local prévia”, afirma Carvalho.

A identidade local destacada por Carvalho se traduz nas andanças nas ruas, quando se encontra um morador que sabe quase tudo do Pelô, pelo menos é o que Antônio Souza, conhecido como “Cabelo” no Centro Histórico de Salvador, contou à reportagem.

O morador e comerciante, em poucos minutos, compartilhou lembranças da família e quando o “museu a céu aberto” tinha um comércio movimentado com armarinhos e sapateiros, além de quando o meio de transporte das cargas era, principalmente, os cavalos e as carroças.

“Sou neto de uma itaparicana e português. Meu pai serviu na Marinha do Brasil e viveu aqui durante os anos de vida. Aqui é meu lugar”, relembra o homem com entusiasmo. Próximo à casa de “Cabelo”, as fachadas coloridas e bem preservadas fazem parte do patrimônio material do centro histórico. Ao todo, são 176 imóveis dessa categoria, dos quais 71 pertencem ao Estado e 105 à União.

Além dessas áreas, que abriga casarões antigos, há diversas igrejas, como a Paróquia localizada em Santo Antônio Além do Carmo, que possui mais de quatro séculos. Para o padre Jailson dos Santos, pároco da igreja localizada no Carmo, as reformas e reparações nos templos são necessárias, pois também contam uma perspectiva da história.

“Essa Igreja de Santo Antônio está precisando de reforma, está em ruínas, não só ela, mas temos igrejas históricas tão importantes como a Igreja dos 15 Mistérios. Dentro dessa igreja foi onde se planejou a Revolta dos Malês. E é uma igreja que está abandonada, em ruínas. Então, nós estamos lutando também com os poderes públicos para revitalizar as igrejas que são um verdadeiro memorial da história de Salvador”, afirma o padre.

O BNEWS entrou em contato com o Iphan e com o Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (Ipac), mas não obteve retorno sobre os projetos a longo prazo para o centro. Nos sites oficiais das instituições, há fotografias de reparações estruturais em diferentes pontos do Centro Antigo. No entanto, o sociólogo Léo Passos avalia que as requalificações precisam contemplar a população local.

“Eu penso que todos esses projetos que tanto a Prefeitura quanto o Governo têm feito, eles têm que ser muito cuidadosos no sentido de buscar um equilíbrio. Óbvio que uma cidade turística como Salvador, com essa vocação cultural, ela vai ter que, de fato, explorar esse turismo de luxo, mas não podemos esquecer que quem dá vida à cidade é a população local. Então, todo projeto de revitalização tem que ponderar muito bem esses empreendimentos imobiliários, como também a população local ser incluída de alguma forma”, avalia Léo Passos, sociólogo.

Enquanto Salvador se empenha em revitalizar seu Centro Histórico, o equilíbrio entre o desenvolvimento econômico e a preservação da identidade histórica e social segue como um desafio crucial. O futuro da região exige não apenas melhorias estruturais, mas também políticas públicas que assegurem inclusão social e diversidade. A chave será harmonizar crescimento econômico com a preservação da história e das tradições que tornam o centro único.

 

Fonte: BNews

 

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