sexta-feira, 30 de agosto de 2024

O Dilúvio de Al Aqsa e a assimetria bélica na Faixa de Gaza

Vivemos um risco real de agravamento das tensões no Oriente Médio. A possibilidade de novos atores adentrarem nos conflitos, a exemplo do Irã, levanta a possibilidade de uma escalada cujas consequências são difíceis de serem mensuradas.

Qualquer analista de política internacional, ao se deparar com eventos de grandes magnitudes, buscaria começar suas explicações pelo início. Mas quando é o início? No dia 7 de outubro de 2023, o mundo observou uma ação ofensiva do braço armado do Hamas sobre os territórios israelenses. Imediatamente, foram divulgadas inúmeras reportagens condenando tais ações e classificando-as como um evento terrorista. Essa “ação inicial”, legitimou, aos olhos dos Estados ocidentais e da grande imprensa internacional, uma “reação legítima”, justificada na busca aos reféns (israelenses e de outras nacionalidades) e principalmente na caçada implacável aos chamados terroristas.

Essa reação, convencionou-se chamar de: Guerra Israel x Hamas. Contudo, não parece sensato aceitar acriticamente esta denominação, ao considerar que o Estado de Israel esteja combatendo apenas um grupo, enquanto toda a região de Gaza encontra-se submetida a bombardeios que atingem escolas, hospitais e civis de forma indiscriminada. A imprensa noticiou diversas vezes o disparo de bombas de 907 kg – maior volume desde a Guerra do Vietnã  – que possuem capacidade de abrir verdadeiras crateras no solo em uma região com uma enorme densidade populacional, além de bombardeios a escolas e hospitais.

Também não parece ser sensato chamar de guerra um conflito tão assimétrico e com um número absolutamente desigual e desproporcional de mortos para cada lado. Isso sem levar em consideração que apenas um lado possui programas de defesa como o sistema antimíssil Arrow e o famoso Domo de Ferro (Iron Dome). Em outras palavras, nas raras vezes em que ataques aéreos são feitos contra Israel, os projéteis são imediatamente destruídos pelos eficazes interceptadores hipersônicos, enquanto os palestinos recebem diariamente bombardeios sobre suas cabeças.

A assimetria bélica pode ser observada no processo de militarização da Inteligência Artificial (I.A.). Diversos dispositivos tecnológicos como: veículos não tripulados (Uncrewed vehicles), satélites de observação, além de aeronaves com sofisticados sistemas de alerta (Hawkeye), têm sido amplamente utilizados. Softwares de inteligência artificial como o “Lavender” e o “Evangelho” fazem parte do cotidiano dos palestinos. Os programas estão relacionados ao uso de tecnologias para monitoramento e controle na Faixa de Gaza. Trata-se de uma ferramenta de vigilância usada para identificar e rastrear indivíduos em Gaza com base em dados encontrados de várias fontes, como câmeras de segurança, sistemas de reconhecimento facial, drones e comunicações digitais. Contudo, o que chama mais atenção é o software chamado “Onde está o papai?” (Where’s daddy?) que pode estar relacionado com o grande número de “suspeitos” bombardeados dentro de suas casas, juntamente com seus familiares. Se isso realmente pode ser chamado de guerra, trata-se de uma guerra assimétrica e colonialista, uma vez que um lado controla, subalterniza e subjuga o outro. Esse debate sobre privacidade, militarização da inteligência artificial ​​e seu impacto sobre a população civil palestina precisa ser travado com urgência.

Se quisermos nos ater à questão do sequestro, temos de considerar o sequestro da militante palestina Ahed Tamini, presa sem mandado pelas forças de segurança de Israel para interrogatório, ou ainda Wisam Tamimi,  preso na Cisjordânia sem acusação formal. Israel segue julgando crianças e adolescentes em tribunais militares. Desde os anos 2000, cerca de 13 mil menores palestinos foram detidos, interrogados, julgados e presos em Israel. Vale lembrar que na contagem oficial de ataques terroristas, o governo de Israel inclui o arremesso de pedras por parte de crianças.

O que se observa em larga escala pelos analistas internacionais do mainstream, é considerar a ação de Israel como uma reação, ignorando a perspectiva árabe. Ignora-se que os atos do dia 7 de outubro, são denominados pelos palestinos como Dilúvio de Al Aqsa, em uma analogia à mesquita de mesmo nome, invadida e atacada por Israel em diversas oportunidades, mesmo em períodos de paz, lavando a morte de centenas de palestinos no passado.

Também se ignora, que o Dilúvio de Al Aqsa seja uma resposta a outros massacres passados. Neste sentido, cabe uma reflexão final: não teria o Dilúvio de Al Aqsa sido orquestrado para o dia 6 de outubro de 2023, data exata do aniversário de 50 anos da Guerra do Yom Kippur (iniciada em 6 de outubro de 1973) e isso esteja sendo ignorado pelos analistas internacionais e abordado simplesmente pela data de propagação e/ou divulgação como 7 de outubro, desconsiderando a história e narrativa árabe? Não deveríamos pensar, ao menos, no caráter simbólico desta data? Não se trata de um rigor desmedido ou um preciosismo em função da diferença de apenas um dia, e sim de um secular processo de apagamento das histórias e vivências do povo palestino, por parte do ocidente.

A possível escalada do conflito, com a entrada do Irã, pode dar início a uma guerra convencional, pois, até o momento, o que pudemos observar foi um verdadeiro massacre, quase que unilateral, se considerarmos os números absolutos de mortes para ambos os lados. Até o presente momento, aproximadamente 40 mil palestinos foram mortos, em maioria mulheres e crianças – quase 2% da população de Gaza. Fica aqui um apelo humanitário por um cessar-fogo total e imediato. Neste momento, a cidade de Gaza se enquadra perfeitamente nas palavras de Frantz Fanon: “é uma cidade faminta, faminta de pão, de carne, de sapatos, de carvão e de luz. A cidade do colonizado é uma cidade acocorada, uma cidade ajoelhada, uma cidade acuada. É uma cidade de negros, uma cidade de árabes” (FANON; 1968 p. 29).

 

¨      O que está por trás de megaofensiva de Israel na Cisjordânia

Pelo menos quatro cidades palestinas são alvo de uma megaofensiva de Israel na Cisjordânia ocupada.

Nove palestinos foram mortos, segundo autoridades de saúde palestinas e militares israelenses.

As Forças de Defesa de Israel (IDF, na sigla em inglês) afirmam que os mortos eram "terroristas armados".

No entanto, o número real de vítimas pode ser maior: as autoridades palestinas haviam confirmado anteriormente pelo menos 11 mortos.

A operação de Israel acontece simultaneamente em pelo menos quatro cidades: Jenin, Tulkarem, Nablus e Tubas, que cobrem grande parte do norte da Cisjordânia.

Acredita-se que esta seja a primeira vez que várias cidades palestinas são alvo de incursões militares simultâneas de Israel desde a Segunda Intifada, a revolta palestina que ocorreu entre 2000 e 2005.

Para Paul Adams, jornalista de Diplomacia da BBC News, a ofensiva atual é o mais recente sinal de que Israel teme que a área esteja fora de controle.

As IDF já enfrentavam, antes mesmo da guerra em Gaza eclodir em outubro passado, uma nova geração de grupos armados na Cisjordânia, especialmente em Jenin.

Mas agora uma nova frente de batalha se abriu em vários campos de refugiados na parte norte da Cisjordânia, incluindo aqueles atacados nesta quarta-feira (28/8).

"É como um câncer. Está se espalhando", afirmou o general Israel Ziv, ex-chefe da divisão de operações da IDF, no início deste mês a Adams.

"Não há dúvida de que a intensidade em Samaria (termo israelense para a parte norte da Cisjordânia) é agora igual ou até maior do que a intensidade da guerra em Gaza."

Segundo Adams, Israel vê a emergência de novos grupos armados como parte de um esforço do Irã para ocupar suas forças em várias frentes e desviar sua atenção.

Teerã, dizem as autoridades israelenses, é responsável pelo financiamento e, em alguns casos, pelo armamento dos militantes (feito por meio de rotas de contrabando por meio da Síria e da Jordânia).

"É um esforço 100% iraniano para construir um representante na Samaria", disse o general Ziv.

Até agora, os militares israelenses mantinham em parte o controle da situação, avalia o jornalista de Diplomacia da BBC.

Mas as táticas mais agressivas das IDF – incluindo ataques aéreos, ataques altamente destrutivos a campos de refugiados e um número crescente de mortes de civis – ameaçam transformar os grupos armados em heróis locais, com cada vez mais jovens palestinos dispostos a se mobilizar.

Com as últimas medidas do governo israelense para criar novos assentamentos judeus em toda a Cisjordânia e as ações cada vez mais violentas de alguns colonos, o resultado é uma atmosfera cada vez mais inflamada.

"Definitivamente, não estamos controlando a escalada por lá", disse o general Ziv.

Nesta quarta-feira, o ministro das Relações Exteriores de Israel, Israel Katz, disse que as IDF estão "operando com força total desde ontem [terça-feira] à noite nos campos de refugiados de Jenin e Tulkarm para desmantelar as infraestruturas terroristas iraniano-islâmicas ali estabelecidas".

Ele acusou o Irã, que apoia os grupos armados Hamas e a Jihad Islâmica Palestina, de tentar abrir o que chamou de uma nova frente contra Israel na Cisjordânia.

"Devemos enfrentar a ameaça da mesma forma que enfrentamos a infraestrutura terrorista em Gaza, incluindo a evacuação temporária dos residentes palestinos e todas as medidas necessárias", acrescentou.

Por sua vez, a presidência da Autoridade Nacional Palestina indicou que esta última escalada de violência na Cisjordânia, juntamente com a atual guerra em Gaza, "conduzirá a resultados terríveis e perigosos pelos quais todos pagarão o preço".

Nabil Abu Rudeineh, porta-voz da presidência, afirmou que a ofensiva israelense na Cisjordânia foi "uma continuação da guerra global contra o nosso povo, a nossa terra e os nossos lugares sagrados", conforme citado pela agência palestina Wafa.

Rudeineh acrescentou que as autoridades israelenses, que ocupam a Cisjordânia, são responsáveis ​​pela escalada, "tal como os Estados Unidos, uma vez que estes últimos fornecem proteção e apoio a esta ocupação para continuar a sua guerra contra o nosso povo palestino".

O porta-voz apelou aos Estados Unidos para intervirem para travar a escalada, que "representa uma ameaça à estabilidade da região e do mundo inteiro".

Já o ativista palestino pelos direitos civis Mustafa Barghouti afirmou à BBC que os eventos desta quarta-feira na Cisjordânia sugerem que "o Exército israelense está tentando levar a guerra de Gaza para a Cisjordânia".

"O que você vê aqui é uma guerra unilateral por um enorme Exército israelense com força aérea atacando basicamente a população civil na Cisjordânia", diz Barghouti, acusando Israel de violar a lei internacional.

Ele também alega que o Exército israelense emitiu ordens de evacuação para pessoas no campo de refugiados de Nur Shams - algo relatado pela agência de notícias palestina Wafa, mas não confirmado por Israel.

"É exatamente como eles fizeram em Gaza", diz Barghouti sobre Israel, "onde eles forçaram as pessoas a serem deslocadas e a deixar suas casas e se tornarem refugiadas novamente."

<><> Hospitais e campos de refugiados

O Ministério da Saúde Palestino na Cisjordânia pediu à comunidade internacional que ajude a proteger os hospitais em Jenin, Tulkarm e Tubas em meio à ofensiva.

Em uma declaração na manhã desta quarta, o ministério acusou os militares israelenses de bloquearem o acesso de ambulâncias, o que "constitui uma violação flagrante" do direito humanitário.

Segundo as autoridades, o Exército israelense fechou estradas que levam ao Hospital Ibn Sina e cercou o Hospital Khalil Suleiman e a sede das organizações não governamentais Crescente Vermelho e Amigos dos Pacientes, em Jenin.

A Sociedade do Crescente Vermelho Palestino (PCRS) também afirmou mais cedo que as forças israelenses "invadiram" seu posto médico no campo de refugiados de Far'a, perto de Tubas.

Posteriormente, a organização humanitária confirmou que as tropas haviam se retirado do local, mas alegou que o diretor do centro foi agredido e tiros foram disparados dentro do prédio.

Yolande Knell, correspondente da BBC no Oriente Médio, também reportou que forças israelenses entraram em um hospital de Jenin e fecharam outros hospitais em Tulkarem.

As incursões militares israelenses em Nablus se centraram, ao que parece, nos campos de refugiados ali, diz ela.

No campo de refugiados de al-Far'a, perto de Tubas, médicos dizem que ambulâncias estão tendo dificuldades para chegar aos feridos após um ataque de drones israelenses.

As IDF, os serviços de segurança israelenses e a polícia divulgaram nesta quarta-feira uma declaração conjunta em que confirmam que três "terroristas armados" em Jenin que "representavam uma ameaça às forças de segurança" foram mortos em um ataque aéreo.

A nota diz ainda que outros dois homens armados foram mortos em Jenin e Tulkarem, e que os soldados israelenses "desmantelaram explosivos que foram colocados sob estradas na área e que deveriam ser detonados em ataques contra as forças de segurança".

O comunicado acrescenta que outros quatro homens foram mortos no campo de Far'a em ataques aéreos.

<><> 'Violação do direito internacional'

O Escritório das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) condenou a "resposta cada vez mais militar" das forças de segurança israelenses na Cisjordânia ocupada.

O ACNUDH afirma que a recente operação militar israelense na Cisjordânia está sendo conduzida "de uma forma que viola o direito internacional e corre o risco de agravar ainda mais uma situação já explosiva".

"A violência entre as forças de segurança israelenses e os palestinos armados na Cisjordânia não constitui um conflito armado ao abrigo do direito humanitário internacional", afirma o comunicado, acrescentando que "o uso da força na Cisjordânia deve cumprir os padrões de direitos humanos".

 

¨      Forças de Israel dizem ter eliminado membro sênior da Jihad Islâmica perto da fronteira Síria-Líbano

A Força Aérea de Israel (FAI) eliminou um membro sênior da Jihad Islâmica perto da fronteira entre a Síria e o Líbano, disseram as Forças de Defesa de Israel (FDI) nesta quarta-feira (28).

"Hoje mais cedo [quarta-feira], com base na inteligência das FDI, a FAI atacou e eliminou o terrorista Faris Qasim, um terrorista importante na Divisão de Operações da organização terrorista Jihad Islâmica, na área da fronteira sírio-libanesa", escreveram as FDI no Telegram.

O ataque de drones desta quarta-feira ocorreu horas depois de um ataque aéreo israelense atingir uma caminhonete no nordeste do Líbano, perto da fronteira com a Síria. Uma fonte de segurança disse à Reuters que o veículo transportava equipamento militar, provavelmente um lançador de foguetes danificado a caminho de ser consertado.

De acordo com as fontes, o carro não transportava armas. Não houve comentários imediatos do Hezbollah ou da Jihad Islâmica, às quais uma das fontes disse que os três combatentes palestinos pertenciam.

O oficial sírio local Abdo al-Taqi disse a uma estação de rádio síria que um carro foi alvejado na manhã desta quarta-feira na estrada entre a capital síria, Damasco, e a capital do Líbano, Beirute, e quatro pessoas foram mortas.

O Hezbollah, a Jihad Islâmica e outras facções armadas lançaram foguetes e drones contra Israel do sul do Líbano. Os grupos têm fortes laços com o Irã e o governo da Síria e transportaram combatentes e armas pela porosa fronteira sírio-libanesa.

Israel tem atacado carregamentos de armas e outras infraestruturas militares na Síria há anos e intensificou seus ataques desde que o grupo militante palestino Hamas atacou Israel em 7 de outubro.

 

Fonte: Le Monde/BBC News Mundo/Sputnik Brasil

 

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