'Nada pode me quebrar': a redenção de
Simone Biles em Paris após pausa por saúde mental
Maior nome da
ginástica mundial, a americana Simone Biles vem afugentando todos os seus
fantasmas olímpicos em Paris.
Na terça-feira (30/7),
ela respirou fundo enquanto estava no final de uma pista de 25 metros,
preparando-se para ajudar suas companheiras de equipe a recuperar o título da
equipe de ginástica feminina que haviam perdido em Tóquio.
Nesta quinta, ela
voltou a competir por mais uma medalha - na disputa individual geral - e ganhou
o ouro vencendo a brasileira Rebeca Andrade, que ficou com a prata.
Biles deixou para trás
os problemas dos Jogos de Tóquio, quando foi afetada pelos chamados
"twisties", uma perda repentina e assustadora de orientação espacial
que as ginastas podem sofrer ao girar no ar.
No local das seletivas
de ginástica de Paris 2024, a Bercy Arena, as arquibancadas ficaram lotadas de
espectadores - entre os quais Serena Williams, Michael Phelps e Bill Gates.
Biles se tornou a
primeira ginasta a completar um salto chamado 'triple flip', ganhando uma
pontuação de 15.800.
Após sua torção
tripla, a ginasta caiu firmemente de pé, abrindo um grande sorriso enquanto a
multidão explodia em comemoração.
“Depois que terminei o
salto, fiquei aliviada: pensei 'uau, sem flashbacks'", disse Biles, 27
anos.
"Senti-me tão
aliviada e, assim que pousei, sabia que íamos conseguir."
E ela estava certa.
Biles e suas companheiras conquistaram o ouro por uma margem confortável, à
frente da Itália e do Brasil.
A partir do momento em
que deu o salto na primeiro rodada, Biles pareceu relaxar, cumprimentando suas
companheiras Sunisa Lee, Jordan Chiles, Jade Carey e Hezly Rivera, antes de
elas, uma após a outra, realizarem suas apresentações.
Em Tóquio, Biles
torcia pelo time nas arquibancadas enquanto sofria daquele perigoso bloqueio
mental em que as ginastas perdem a consciência espacial no ar.
Isso a levou a
desistir de quatro finais individuais em uma competicação onde se esperava que
ganhasse várias medalhas de ouro.
Foi um episódio
difícil na vida da ginasta, que sentiu uma enorme pressão desde que venceu os
Jogos do Rio em 2016 e se tornou o centro das atenções mundiais.
Em entrevista antes
das Olimpíadas de Paris, Biles lembrou:
"Senti como se
tivesse chegado ao topo aos 19 anos e fiquei com medo de pensar no resto da
minha vida. Eu disse a mim mesmo: 'Não sei se posso fazer isso de novo'."
"Muitas das
minhas colegas me tinham como referência, então eu sentia que era aquela pessoa
forte, que nunca dava sinal de fraqueza, mas houve muitos momentos em que me
senti muito sozinha."
Em Tóquio ela disputou
novamente a final da barra, conquistando um bronze, mas foi só agora - aos 27
anos e oito anos depois de conquistar quatro medalhas de ouro nos Jogos do Rio
2016 - que Biles conseguiu voltar ao topo do pódio olímpico.
"Agora que estou
mais velha, tenho muito mais experiência e estou aqui me divertindo e curtindo
o que estamos fazendo, então acho que é simplesmente diferente", disse ela
quando questionada sobre a diferença entre 2016 e 2024.
Após os acontecimentos
de Tóquio, alguns poderiam pensar que não veríamos mais Biles em outros Jogos
Olímpicos.
Mas ninguém se destaca
tanto sem ser especial.
Quando Biles voltou à
ginástica no ano passado, após uma pausa de dois anos, logo ficou claro que ela
ainda estava no auge. Podia-se até achar que estava melhor.
A ginasta logo
conquistou o sexto título mundial e exibiu algumas de suas rotinas mais
difíceis, além de agregar o salto Biles 2, quinto movimento que leva seu nome.
Mesmo antes desta
Olimpíada, Biles apresentou um novo movimento nas barras assimétricas à
Federação de Ginástica, o que significa que ela se tornará a única ginasta
ativa a ter movimentos com seu nome em todos os quatro aparelhos, se ela
realizá-los.
Mas os limites que
Biles ultrapassou vão além de tudo o que ela conquistou em suas apresentações
olímpicas.
• Depressão e ansiedade
A disposição de Biles
em falar sobre sua saúde mental em Tóquio colocou o tema nos holofotes. Ela
transmitiu uma mensagem poderosa de que o bem-estar pessoal vem antes das
medalhas.
A ginasta fez um
relato detalhado em um documentário recente da Netflix sobre o que aconteceu em
Tóquio, a pressão das expectativas e o impacto de ser criticada por alguns nas
redes sociais.
No documentário, Biles
mostrou aos telespectadores o "armário olímpico proibido": o armário
de um quarto de sua casa onde guarda uniformes, medalhas e outros itens
relacionados a esses Jogos. Foi lá que ela passou muito tempo chorando, disse
Biles.
Ela falou sobre o que
aconteceu no Japão até nas audiências judiciais que enfrentou após o escândalo
de abusos na equipe americana por parte de Larry Nassar, ex-médico daquela
equipe.
Durante uma dessas
audiências, ele disse que o que sofreu nas mãos de Nassar foi um "fardo
excepcionalmente difícil" de suportar sem a presença de sua família nos
Jogos de Tóquio em meio à pandemia.
Em outra entrevista
sobre esses abusos, ela acrescentou: “Isso foi tão traumático que naquela
altura fui diagnosticada com depressão e ansiedade. O trauma não pode ser
contido por muito tempo. E foi isso que eles viram na Olimpíada de Tóquio, uma
grande repercussão de tudo o que foi contido."
• No topo novamente
Biles compartilhou um
pouco do que a ajudou a ganhar o ouro olímpico novamente em 2024.
Após a vitória na
final por equipes ela disse: "Esta manhã comecei o dia com terapia".
A ginasta voltou ao
esporte em seus próprios termos.
"Ninguém está me
obrigando a fazer isso", disse ela no início deste ano.
Sua equipe aliviou a
pressão dizendo-lhe que ela não precisava competir em todas as provas e que não
precisava falar com a imprensa após os treinos ou sessões de qualificação.
Estes Jogos são
diferentes dos de Tóquio: o marido dela está aqui com ela, os fãs estão de
volta às arquibancadas e as atitudes em relação à saúde mental mudaram.
E a ginasta mais
condecorada ganhou uma nova medalha de ouro olímpica.
"Tenho dias bons,
tenho dias ruins, mas sei que isso não me define", disse Biles em
entrevista.
"E aprendi
através da terapia que sim, não deveria assumir a culpa, mas me convencer foi
muito, muito difícil. E acho que neste momento ainda estou trabalhando
nisso."
"Neste momento
nada pode me quebrar. É como se eu tivesse passado por tanta coisa, tanto
trauma, tanta cura. No que diz respeito ao processo em que estou agora, estou
realmente animada para ver o que pode acontecer."
A ginasta se
classificou para mais quatro finais em Paris.
Ela está na final
individual geral nesta quinta-feira, na final do salto no sábado e na final de
solo e trave na segunda-feira.
Fonte: BBC News Mundo
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