Hímen e virgindade: o mito sexual que
destrói muitas vidas
O hímen - ou a coroa
vaginal, como alguns acreditam que devemos chamá-lo hoje em dia - tem sido um
centro de polêmica e ansiedade há séculos. Como podemos acabar com os mitos em
torno dele?
"Eu sou
virgem?" perguntou uma desconhecida pela internet, direto ao ponto, em
e-mail recebido por Abir Sarras. Sarras não tinha certeza de como responder.
Era a primeira vez que recebia o que descreve como uma "selfie de
vagina".
Na época, Sarras era
administradora da página Love Matters Arabic do Facebook, que oferece educação
sexual e sobre relacionamentos em árabe nas redes sociais.
"Ela disse que
teve um relacionamento e agora estava ficando noiva e queria ter certeza de que
era virgem", explica Sarras. E faz uma pausa e faz uma careta: "Eu
odeio essa palavra: maftuuha - ela perguntou se estava isso, ela perguntou se
estava 'aberta'."
O que a desconhecida
estava realmente perguntando era se Sarras podia ver seu hímen pela foto - e
dizer se estava "intacto" -, uma consequência da pressão em sua
comunidade para que mulheres casem-se virgens, e para que seu marido pudesse
comprovar, na forma de sangue.
Essa crença de que o
hímen fornece "prova" física do histórico sexual é a premissa do
teste de virgindade, uma prática condenada pela Organização Mundial da Saúde
(OMS) em 2018 como uma violação dos direitos humanos.
Tais testes são feitos
de diferentes formas; desde exames físicos de medição de um hímen ou frouxidão
vaginal até rituais de noite de núpcias, onde se espera que um lençol
ensanguentado apareça e até mesmo seja mostrado às famílias dos noivos.
Apesar de não haver
base científica - e apesar da própria virgindade ser uma construção social sem
realidade biológica - milhões em todo o mundo seguem acreditando que o
histórico sexual de uma mulher está de alguma forma escrita em sua anatomia, e
que todas as mulheres cisgênero sangram ao fazerem sexo pela primeira vez.
Nenhum dos dois, claro, é verdade - mas tais crenças são encontradas em
idiomas, religiões e comunidades ao redor mundo.
No meu livro Losing
It, tentei construir uma espécie de cartografia do mito do hímen - mapeando as
perguntas que pessoas como Sarras fazem sobre ele, onde e por quem essas
crenças são endossadas e se o que está por trás do seu poder persistente é uma
escassez de pesquisa científica.
Encontrei muitas
pesquisas científicas desfazendo o mito. Mas também descobri um mundo em que
médicos endossam a ideia, vários órgãos legislativos a validam e onde muitas
vezes há um completo desinteresse por uma educação sexual com informações
corretas sobre o hímen em todo o mundo.
O hímen é um tecido
pequeno e membranoso que pode ser encontrado perto da abertura da vagina. É
realmente incrível que um pequeno pedaço de tecido aparentemente sem função
tenha sido conectado a um propósito tão impreciso.
Há algum debate entre
a comunidade científica sobre o motivo de o hímen existir em primeiro lugar.
Seria uma sobra de quando nossas formas de mamíferos pré-históricos foram da
água para a terra? Estaria lá para prevenir que bactérias fecais deslizem para
a vagina na infância? Ninguém sabe.
O tecido parece fazer
mais sentido em outras espécies - os hímens dos porquinhos-da-índia se
dissolvem quando a fêmea está em idade reprodutiva e depois voltam a crescer,
por exemplo. Algo que os nossos não fazem.
Para aqueles de nós
com vaginas, os hímens podem variar muito. Poucas de nós terá crescido tendo
visto esse tipo de diagrama, que mostra como eles podem ser.
Muitas pessoas
acreditam erroneamente que o hímen sela a vagina, não percebendo que isso
significaria que uma mulher não seria capaz de menstruar (uma minoria, na
verdade, tem essa condição e é possível fazer uma himenectomia para ajudar a
abrir o canal).
Em vez disso, a
maioria dos hímens tem uma forma anular ou de lua crescente e pode assumir
diversas espessuras. Poucas de nós teriam sido informadas de que ele pode mudar
com a idade, que algumas de nós não nascem com um, ou que pode desaparecer
totalmente quando entramos na maturidade sexual de qualquer maneira. Ou que uma
grande variedade de atividades pode esticá-lo ou rasgá-lo, desde exercícios até
masturbação e, sim, sexo penetrante.
Mas isso não significa
que a ideia de que você pode verificar a ocorrência de atividade sexual com um
exame de hímen seja válida. Um pequeno estudo com 36 adolescentes grávidas
publicado em 2004, por exemplo, descobriu que a equipe médica só conseguiu fazer
"achados definitivos de penetração" em dois casos.
Outro estudo de 2004
descobriu que 52% das adolescentes sexualmente ativas entrevistadas "não
tinham alterações identificáveis no tecido himenal". Assim, uma ideia
binária de que, ou somos sexualmente ativos e não temos hímen visível, ou não
somos sexualmente ativos e temos um, simplesmente não é precisa.
O sangue no lençol, um
tipo de teste de virgindade usado em todo o mundo, também é baseado em
falsidades. Alguns hímens podem sangrar quando esticados pela primeira vez se o
ato for abrupto ou se você não estiver relaxada, mas qualquer sangue é
realmente muito mais provável de vir de lacerações na parede vaginal devido a
força ou falta de lubrificação.
Sangramento na
primeira relação sexual pode ou não acontecer, assim como o sangramento após o
sexo depois da primeira vez pode ou não acontecer.
As razões para o
sangramento durante o sexo incluem ansiedade, não estar totalmente excitada ou
estar experimentando o agravamento, por exemplo, de alguma infecção. Quando uma
obstetra pesquisou 41 de suas colegas, perguntando se elas sangraram na primeira
vez que tiveram uma relação sexual ou não, 63% delas disseram que não.
Mas em países que
continuam a valorizar a virgindade e policiam a sexualidade feminina, há pouco
espaço para essa nuance biológica. Um estudo de 2011 na Universidade Dicle, na
Turquia, descobriu que 72,1% das estudantes do sexo feminino e 74,2% dos homens
acreditavam que o hímen simbolizava a virgindade; e 30,1% dos homens afirmaram
que "o lençol manchado de sangue" deveria ser exibido à família no
dia do casamento.
Isso pode ter um
impacto profundo na capacidade das mulheres de acessar a saúde sexual positiva,
impedindo-as de explorar sua identidade sexual e gerando ansiedade em torno do
sexo.
Um estudo social em
Gizé, Egito, descobriu que a maioria das mulheres entrevistadas sentiu
ansiedade e medo antes da noite de núpcias e dor e pânico durante e depois, por
causa de ideias em torno da virgindade e do hímen.
Em uma pesquisa
libanesa com estudantes universitárias de 2013, quase 43% das mulheres
entrevistadas disseram que não fariam sexo antes do casamento por medo de não
sangrar na noite de núpcias.
Outro estudo do
Líbano, este de 2017, descobriu que de 416 mulheres entrevistadas, cerca de 40%
delas relataram ter feito sexo anal ou oral para preservar seu hímen para o
casamento.
Na minha pesquisa,
encontrei inúmeras postagens online de mulheres aterrorizadas que a masturbação
tivesse feito com que perdessem seus hímens - ou tinham claramente tanto medo
de se tocar que simplesmente nunca o tinham feito.
O mito do hímen não
afeta apenas o bem-estar sexual das mulheres e, de fato, a igualdade - pode
impedir o acesso delas à justiça. O Paquistão só proibiu recentemente os testes
de virgindade em sobreviventes de estupro para processos judiciais; vários países,
especialmente na Ásia, no Oriente Médio e norte e sul da África, ainda os
realizam.
E muitos médicos em
todo o mundo oferecem uma cirurgia altamente lucractiva de reparo de hímen para
mulheres que fizeram sexo pré-antes do casamento e temem as consequências caso
sejam descobertas.
Quando escrevia meu
livro - um ano antes de políticos decidirem proibir o procedimento no Reino
Unido, em janeiro de 2022 - enviei um e-mail para um cirurgião de Londres sobre
testes de virgindade.
Seu assistente me
disse que eu seria capaz de obter um atestado médico confirmando que eu tinha
um hímen intacto após uma consulta de £ 300 (US$ 390), se eu tivesse um. Se eu
não o tizesse, uma cirurgia de reparo de hímen de £ 5.400 (US$ 7.000) me aguardava
- após a qual eu receberia o mesmo atestado médico.
Enquanto a lei que
proibirá o reparo de hímens no Reino Unido tramita pelo Parlamento, é claro que
alguns cirurgiões estão aproveitando até o último momento para oferecer seus
serviços no Reino Unido. Um cirurgião de Londres segue afirmando, online, que o
reparo do hímen pode ser "benéfico para mulheres que possam ter sofrido
danos vaginais devido a relações sexuais ou atividades físicas
extenuantes". (Mas se um hímen não serve a nenhum propósito biológico, o
que é benéfico sobre a cirurgia invasiva na área?)
Mentiras também
florescem nos sites de clínicas pelo mundo todo. "A himenoplastia é
realizada para devolver a virgindade de uma paciente", diz um cirurgião
libanês. "A himenoplastia é a restauração do hímen ao seu estado original
de 'virgem'", diz outro em Nova York.
Então, como acabar com
o mito do hímen? Chamar a atenção para algumas dessas pesquisas seria um
começo, assim como mudar as práticas legais que endossam os testes de
virgindade e impedir que os profissionais de saúde enganem as pessoas.
A questão é que muitas
dessas ideias não são apenas introduzidas ao longo das gerações; elas são
apoiadas por ideias que não necessariamente reconhecem ou necessitam de apoio
no que a ciência diz. Se você acredita na cultura de virgindade e apoia a desigualdade
de gênero por trás dela, uma mudança social sísmica pode ter que ocorrer para
fazer você pensar diferente.
Alguns acreditam que
uma maneira de acabar com o mito de uma vez por todas é mudar completamente o
nome do hímen. Dado que tantos idiomas literalmente a nomeiam de "membrana
da virgindade" - incluindo árabe e tcheco - isso parece uma boa ideia.
De fato, pesquisas
descobriram que renomear o hímen pode realmente funcionar na mudança de
percepções. Em 2009, a Associação Sueca de Educação Sexual decidiu transformar
a palavra mödomshinna, "membrana da virgindade", em mödomshinna,
"coroa vaginal". Começaram a usá-la em todos os lugares: panfletos de
serviços de saúde sexual, jornais, o órgão oficial de planejamento de idiomas
da Suécia e em todas as comunicações futuras da associação.
Quase 10 anos depois,
a pesquisadora Karin Milles descobriu que 86% dos profissionais de saúde
pesquisados usaram a palavra "coroa vaginal" em suas clínicas e
visitas. E enquanto apenas 22% dos jovens tinham sequer ouvido falar, um número
menor deles mostrava sinais de ver o hímen de uma forma tradicionalmente
patriarcal.
Muitos que não
necessariamente usaram a nova palavra ainda estavam repetindo a fraseologia
positiva para o sexo dos panfletos da associação. Entre os poucos que conheciam
a nova palavra, a maioria descreveu mödomshinna como "um mito".
Outros disseram simplesmente que "não existe". E muitos apontaram que
a ideia era antiga ou algo em acreditavam antes, na infância ou até alguém
dizer que era mentira.
Uma mudança na
linguagem não acontece da noite para o dia, mas é um começo. Nos países de
língua inglesa, há muitos educadores sexuais que acreditam que devemos adotar
coroa vaginal também. Nossa palavra vem do antigo deus grego, Hymen - que, não
surpreende, era o deus do casamento -, e os mitos em torno da membrana
mancharam indelevelmente a própria palavra que usamos para ela.
Mas o sucesso dos
suecos está em não apenas mudarem a palavra, mas também explicarem, para jovens
e profissionais médicos, o porquê de o terem feito.
Como os governos de
todo o mundo parecem ter um interesse crescente em proibir práticas como testes
de virgindade e reparo de hímen, seria esperto considerarem que as razões por
trás das proibições são levadas para salas de aula e salas de palestra. Dessa
forma, podemos nunca mais deixar esses mitos perigosos aparecerem.
Fonte: Por Sophia
Smith Galer, da BBC News
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