Gabriel Brito: Pablo Marçal, o rei dos
desencantados
Não há como evitar.
Pablo Marçal é o maior fenômeno político-midiático das eleições municipais de
2024. Como se explica no vídeo de Ícaro de Carvalho*, ganhar ou perder o pleito
pela prefeitura de São Paulo pouco incide nessa consideração. Marçal já ganhou,
ao menos no que lhe interessa pessoalmente.
Aqui, cabe buscar as
razões para seu sucesso, que independem dos resultados eleitorais. É possível
que até vejamos a impugnação de sua candidatura, pelos evidentes crimes
eleitorais de abuso de poder econômico, como demonstrado pelo comitê de
campanha de Tabata Amaral e mesmo investigações jornalísticas que mostram como
Marçal faz de sua campanha eleitoral uma espécie de pirâmide financeira. No fim
das contas, seu sistema de trabalho político promove estímulos semelhantes à
compra de votos.
No entanto, uma
eventual derrota de sua candidatura, pelas urnas ou pela justiça eleitoral, não
poderá tocar nas causas da ascensão deste autêntico filho do neoliberalismo.
Pois é disso que se trata: Marçal é um raro case de sucesso de um sistema que
impôs à classe trabalhadora a luta individualizada pela sobrevivência.
Massacrada por
reformas econômicas ditadas pelo grande capital monopolista e sua ideologia –
não há nada de técnico no liberalismo econômico tardio -, o Brasil abandonou
sua imensa massa de trabalhadores ao cada um por si, sob a falsa máscara do
empreendedorismo, nada mais do que uma atualização da relação Capital-Trabalho
e suas novas formas de subordinação e superexploração (tanto do ser humano
quanto da natureza).
• De onde surgiu sua base de apoio?
Estamos diante das
consequências da reprimarizacão econômica sob orientação do sistema
bancário-financeiro e sua acumulação privada de riquezas mediante espoliação da
natureza e aplicações financeiras lastreadas nos atuais extrativismos, daí o
avanço brutal sobre florestas, rios, terras indígenas etc. Um modelo
agrário-financeiro que parece uma digitalização do Brasil do século 19.
Isso num país
altamente urbanizado, com população concentrada em 10 grandes zonas
metropolitanas, onde a vida é infernal para a maioria (não à toa, fatias cada
vez maiores alegam problemas de saúde mental). A última rodada de privatizações
de ativos públicos e estatais, reformas precarizadoras do trabalho e
amplificadoras da rotatividade do emprego, a desindustrialização típica do
capitalismo dependente, associadas ao avanço da internet como espaço de
circulação de produtos e riquezas variadas, criou uma massa inaudita de pessoas
desesperadas por estratégias de sobrevivência.
Pablo Marçal e seus
cursos de autoajuda que prometem riqueza são produto deste vazio de horizontes
sociais e econômicos. Seus seguidores são as pessoas que nosso modelo de
capitalismo atirou no campo de batalha sem armas e proteção alguma. Ao
contrário de Bolsonaro, é um verdadeiro outsider que pode afirmar de forma
crível que o Estado não funciona, pois ele e seus seguidores realmente foram
abortados do suposto ideal do progresso.
Vale lembrar a fala de
Paulo Guedes na famosa reunião ministerial da gangue de Bolsonaro, em 22 de
abril de 2020, início da pandemia: “não tem dinheiro pra empresinha”. Ou seja,
não há incentivos reais ao que seria um verdadeiro empreendedorismo, que poderia
estar amplamente associado à quarta revolução industrial e uma economia
digital-informacional com valor agregado, inclusive nos sistemas de educação e
saúde, integração social e sustentabilidade ambiental.
Assim, a pandemia
radicalizou um modelo econômico que fragmentou ainda mais a classe trabalhadora
e acelerou as novas formas de produção e circulação, mediante plataformas
digitais para a massa de trabalhadores(as) e home office para uma parcela um
pouco mais qualificada, mas também absorvida pelo aprofundamento da
concorrência entre trabalhadores.
"As plataformas
digitais de trabalho analisadas foram criadas em um contexto em que o trabalho
ocupa todos os espaços da vida […]; em que as entidades sindicais estão
extremamente fragilizadas, dificultando suas lutas; em que os Estados-nações
são capturados pelas grandes corporações, e são elas que se encontram por trás
da plataformização dos serviços; em que a precarização do trabalho é altíssima
e as empresas detentoras de plataformas digitais vão intensificá-la ainda mais;
enfim, em um contexto em que a racionalidade neoliberal faz crer que não há
alternativas ao proletariado, senão aceitar os postos precários de trabalho que
lhes são ofertados por benevolência (grifo nosso)", define Vanessa
Patriota, procuradora do Ministério Público do Trabalho, em seu livro
Subordinação (mal) camuflada: a dominação capitalista no trabalho em
plataformas digitais, em resenha escrita pelo sociólogo do trabalho Ricardo
Antunes.
Sua análise dialoga
diretamente com as constatações do próprio Antunes a respeito deste processo,
em seus recentes livros, em especial a coletânea de textos intitulada
Capitalismo Pandêmico. A crise sanitária da covid-19 foi percebida pelo
sociólogo como novo momento de destruição e reorganização produtiva de um
capitalismo ainda mais mortífero, manifestado em eventos climáticos cada vez
mais extremos, onde o Brasil se tornou palco privilegiado.
Tudo isso significou
uma nova etapa do processo de concentração de renda e ampliação da
desigualdade, contexto no qual o custo de vida não parou de aumentar. Não à toa
esses mesmos trabalhadores acumulam um segundo emprego e se viciam em jogos e
bets. Vale tudo pra ampliar a renda. Do outro lado da moeda, uma massa
desempregada e subocupada vê essa mesma digitalização de baixo valor agregado
da economia destruir o valor e a necessidade de seu trabalho, o que ainda será
aprofundado pelo avanço da IA. Isso para não falar da ramificação do crime
organizado pelos mais variados setores da economia formal, com a
financeirização inerente a este processo.
É daí que surgem os
inacreditáveis 13 milhões de seguidores no Instagram do benevolente Marçal, no
fim das contas um vendedor de ilusões que não produz absolutamente nada de
palpável. Mas tem uma história real de sucesso para vender.
• Em terra de cego...
Marçal é, portanto, o
rei dos desalentados, dos sujeitos neoliberais. O cara que deu certo na selva
do cada um por si e, de fato, um self-made man. O exemplo a ser seguido pelos
milhões de jovens trabalhadores que o capitalismo produziu e ideologizou, mas
não incluiu no seu prometido mundo de prosperidade. É o líder do Brasil que as
reformas neoliberais, em especial as últimas, produziram. Seus seguidores nada
mais são do que pessoas sem horizonte coletivo, solidário, sem CLT e sem
aposentadoria.
O rico empresário – ou
coach – montou algo parecido com um esquema de pirâmide e recompensa os
seguidores que voluntariamente divulgam seus vídeos. No fim das contas, a
visualização de seus vídeos em número incomparável é fruto do
“empreendedorismo” de um imenso número de subempregados ou jovens ainda
desocupados, porém habilidosos usuários das ferramentas digitais, que não têm o
menor discernimento ético ou moral das mensagens propagadas. Ou pior: têm
exatamente o discernimento ético e moral de Marçal.
Se nos últimos anos
fomos manipulados por robôs, trolls e bots que falsificaram a percepção do real
a serviço de velhos parasitas do poder, militares e empresariado incrustrados
no Estado, agora “evoluímos” para uma etapa na qual o debate político foi direcionado
por um séquito de adolescentes e jovens que querem apenas saber dos 1.000 reais
que podem receber como prêmio pelo trabalho de panfletagem digital.
Portanto, pouco
importa se Marçal será eleito ou não. O sistema político e institucional
vigente pode até conseguir barrá-lo. Para logo em seguida reiniciar sua gestão
da cidade coronelizada pelos grandes capitalistas da urbe. Assim, o mal-estar
da nossa civilização será reforçado na população excluída, segregada e
precarizada, que seguirá condenada a laborar insanamente pela sobrevivência e
criar as mais imprevisíveis estratégias para conquistar aquilo que o sistema,
de fato, lhes nega.
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Nota*:
Ícaro de Carvalho é
também um produto das novas plataformas de comunicação. Apresenta-se como
copywriter de internet, isto é, um redator de marketing, área na qual se
aprofundou. Diretamente envolvido na ascensão da produtora neofascista e
bolsonarista Brasil Paralelo, e hoje aparentemente desconectado deste setor
político, parece habilitado a descrever o fenômeno Marçal, uma vez que sua
própria popularidade nas redes sociais e os produtos que vende em sua empresa O
Novo Mercado guardam semelhanças com o personagem central deste artigo. Em
suma, mais um filho do processo aqui descrito.
• Pablo Marçal deixou a prisão após
delatar comparsas em depoimento à Polícia Federal
O atual candidato do
PRTB à Prefeitura de São Paulo, Pablo Marçal, que chegou a ser preso em 2010
por fraudes bancárias, foi solto da prisão após passar informações sobre
supostos comparsas à Polícia Federal. De acordo com as investigações, o
influenciador sabia do esquema e atuava selecionando endereços de emails de
possíveis vítimas, de acordo com o jornal Folha de S.Paulo.
O esquema era
conhecido como phishing, um método de atrair pessoas na internet para que elas
links de sites responsáveis por instalar vírus em computadores e celulares. No
processo, um agente da PF afirmou que o influenciador sabia do esquema e teria
passeado em carros da quadrilha.
Em depoimento, Marçal
afirmou que recebia R$ 350 (cerca de R$ 1.000, em valores corrigidos) para
serviços de informática para Danilo de Oliveira, acusado de chefiar a
quadrilha.
A condenação de Marçal
ocorreu em 2010, com pena de quatro anos e cinco meses de reclusão. A pena dele
foi extinta em 2018 por prescrição retroativa. O agente da PF confirmou que o
atual candidato deu "colaboração na elucidação de alguns pontos da investigação".
• Pablo Marçal diz que Bolsonaro não manda
na extrema-direita
O coach de
extrema-direita e candidato a prefeito de São Paulo, Pablo Marçal (PRTB),
afirmou nesta segunda-feira (26) que Jair Bolsonaro não é líder incontestável
da extrema-direita no Brasil. Segundo Marçal, a "liberdade" não
pertence a nenhuma figura específica
"A esquerda que
criou o nome bolsonarismo para ver se faz com que todo mundo tenha a cara do
presidente. Nós que somos defensores da liberdade, eu tenho um recado para todo
mundo, qualquer brasileiro que estiver em qualquer lugar do mundo, a liberdade
não tem dono. Não é o Pablo Marçal que manda nisso, não é Bolsonaro que manda
nisso. Defendemos princípios, valores e propósitos", disse Marçal em
entrevista à CNN Brasil.
Ainda segundo o
influenciador, "por conta do Valdemar Costa Neto [presidente nacional do
PL], o Bolsonaro teve que curvar a [coluna] cervical [ao prefeito Ricardo
Nunes]".
Na entrevista, Marçal
também atacou Carlos Bolsonaro, filho de Jair Bolsonaro, voltando a chamar o
vereador de "retardado".
Fonte: Correio da
Cidadania
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