terça-feira, 27 de agosto de 2024

Democracia da Venezuela está morta há quase 20 anos, diz Steven Levitsky

Um dos autores de Como as Democracias Morrem, ao lado de Daniel Zyblatt, o cientista político americano Steven Levitsky é taxativo ao abordar a situação política da Venezuela.

“As pessoas falam de uma crise da democracia venezuelana. A democracia da Venezuela está morta, e está morta há quase 20 anos”, diz o renomado professor da Universidade Harvard, ao participar do CNN Entrevistas.

Pesquisador das democracias pelo mundo e dos países latino-americanos, Levitsky trata o regime de Nicolás Maduro como uma “ditadura completa”. “Era um regime autoritário brando na primeira década do século 21.”

Para Levitsky, “devemos pensar que a antiga democracia do século 20 está morta e os venezuelanos precisam construir uma nova agora”.

“Mas derrubar uma ditadura estabelecida e consolidada como a venezuelana é difícil. A oposição venezuelana, que cometeu muitos erros no passado, fez tudo certo nesta eleição. Forçaram o governo Maduro a se envolver na mais escandalosa fraude eleitoral da história moderna da América Latina.”

Ao avaliar a postura da diplomacia e do governo brasileiro em buscar um papel de mediação nesse conflito, Levitsky diz compreender a postura “cautelosa, silenciosa e pragmática”, mas aponta os riscos dessa posição e o quanto o tempo é um fator crucial.

“Entendo o desejo de manter um assento à mesa. Mas, em algum momento, o governo brasileiro tem que perceber que, se não for conseguir nada remotamente parecido com a democracia, se não for conseguir uma transição, se o governo Maduro não ceder nada, muito menos o poder, em algum momento, os brasileiros precisarão agir”, aponta o cientista político.

“Caso contrário, terão um assento à mesa no meio de um campo de concentração, e ninguém quer isso.”

<><> Como lidar com o populismo

Ao analisar o apelo do populismo diante de democracias não tão consolidadas como a dos países desenvolvidos, Levitsky reconhece que o descontentamento público em questões como insegurança, corrupção e má qualidade dos serviços públicos, além da desigualdade social, exercem um papel relevante.

“Quando os eleitores ficam desapontados com governos após governos, ficam frustrados e recorrem a figuras como Bukele (El Salvador), Chávez (Venezuela), Corrêa (Equador) ou Milei (Argentina), que dizem que vão acabar com tudo”, avalia.

Com as redes sociais, mesmo figuras de países menores, como El Salvador, se tornam referência, como é o caso de Bukele.

“Há uma espécie de transnacionalização. Ativistas do Partido Republicano sabem tudo sobre Milei, sendo que a maioria deles, há dez anos, não sabia nem onde a Argentina ficava no mapa.”

“Todas as nossas democracias, tirando o Uruguai, estão lidando com esse problema de muito descontentamento e a constante ascensão de candidatos personalistas que chegam ao poder denunciando o sistema”, considera Levitsky.

“Alguns desses caras matam a democracia: Bukele, Fujimori, Chávez”, cita Levitsky.

“Pode ser que as democracias, sociedades, instituições tenham que se acostumar a uma política mais fluida, uma política mais personalista. Temos que aprender a fortalecer as instituições democráticas para que possamos conviver com um certo grau de populismo, porque não acho que vamos eliminá-lo.”

<><> Democracia nos Estados Unidos

Em relação ao Brasil, Levitsky tem feito elogios a lideranças políticas de direita que, na noite da eleição vencida por Lula em 2022, reconheceram o resultado da disputa.

“Nos Estados Unidos, mais de 80% dos políticos republicanos nacionais questionaram os resultados das eleições”, compara.

“O Partido Republicano é muito institucionalizado, não é personalista, foi durante muitos anos um partido conservador de centro-direita, bastante tradicional”, observa Levitsky. “Ao longo de apenas cinco ou seis anos, o partido se radicalizou.”

Em contrapartida, Levitsky vê no Partido Democrata uma sigla que se viu em uma “situação de emergência” diante da baixa competitividade do atual presidente, Joe Biden, em seguir no comando dos EUA.

“A remoção do presidente Biden da chapa foi algo sem precedentes, mas é principalmente resultado do fato de que, sinceramente, ele era um péssimo candidato que iria perder a eleição”, afirma.

<><> Democracia multirracial nos EUA

No último livro publicado no Brasil, cujo título original é Tyranny of Minority (A Tirania das Minorias), Levitsky e Zyblatt argumentam que os Estados Unidos precisam lidar com o fato de terem se tornado uma “democracia multirracial”, em que os partidos que disputam o poder devem levar em conta a diversidade étnica do país, no qual os brancos deixaram de ser a maioria demográfica.

Nesse sentido, o cientista político vê a atual eleição “muito ilustrativa” desse conceito, com a chapa republicana representada por dois homens brancos cristãos (Trump e o senador J.D. Vance) e a democrata por uma mulher negra e de origem asiática (Kamala Harris) e um homem branco de classe média (o governador Tim Walz).

“Tenho 55 anos e, durante a minha vida, os Estados Unidos passaram de um lugar onde mais de 80% dos americanos se consideravam brancos e cristãos para um lugar onde menos de 50%, 43% em 2016, se consideravam brancos e cristãos”, explica Levitsky.

“É possível que esta seja a última vez que você verá uma chapa como a dos republicanos, com dois homens brancos abertamente cristãos nela. Isso não é mais suficiente para ganhar maiorias nos EUA.”

¨      Venezuela critica 11 países que contestaram validação de eleição: “governos fracassados”

O ministério das Relações Exteriores da Venezuela rejeitou, nesta sexta-feira (23), a declaração assinada por 11 países americanos rejeitando a decisão do Supremo Tribunal de Justiça do país que declarou Nicolás Maduro vitorioso das eleições presidenciais e qualificou seus governos “fracassados”.

Em comunicado, a chancelaria chavista disse rechaçar “nos termos mais enérgicos” o pronunciamento emitido conjuntamente pela Argentina, Costa Rica, Chile, Equador, Estados Unidos, Guatemala, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana e Uruguai, que considerou “grosseiro e insolente”.

A pasta liderada pelo chavista Yván Gil disse ainda que os signatários do documento cometem “transgressões ao direito internacional” por interferências em sua política interna e que seu país irá “pulverizar todas e cada uma das ações que tentam iniciar através dos seus governos fracassados contra o povo venezuelano”.

“A Venezuela exige absoluto respeito à sua soberania e independência conquistadas após intensas lutas contra os mais hostis impérios que se empenham em colocar as mãos nos recursos naturais que não lhes pertence e tentam impor hoje, outra vez, uma política de mudança de regime típica dos golpes de Estado que o império dos Estados Unidos por mais de 100 anos promoveu na América Latina e no Caribe”, acusa a chancelaria do país.

O comunicado venezuelano também afirma que os governos que assinam a declaração conjunta se tornam cúmplices de episódios de violência registrados nos protestos pós-eleitorais.

Os 11 países criticados pela Venezuela emitiram uma declaração conjunta rejeitando “categoricamente” o anúncio da Suprema Corte do país que indicava ter concluído uma suposta verificação dos resultados do processo eleitoral e validava a reeleição de Maduro no pleito.

No comunicado, os governos reiteram que “só uma auditoria imparcial e independente que avalie todas as atas garantirá o respeito pela vontade popular”. O Brasil não se uniu à declaração, mas não deve reconhecer os resultados proclamados pelo Conselho Nacional Eleitoral do país até a divulgação das atas com os resultados detalhados.

A União Europeia também afirmou, por meio do alto representante para Relações Exteriores e Política de Segurança, Josep Borrell, que o bloco não reconhecerá Maduro como presidente da Venezuela até que os boletins com a desagregação dos resultados sejam entregues e possam ser verificados.

 

¨      María Corina recorre a influenciadores e redes sociais contra Maduro

Quase na clandestinidade, menos de um mês após as eleições de 28 de julho na Venezuela, a líder oposicionista María Corina Machado parece ter encontrado em influenciadores, comediantes e nas redes sociais uma plataforma para continuar com a pressão sobre o resultado questionado das eleições.

A oposição afirma que Edmundo González Urrutia é o candidato vencedor das eleições e que possui provas para comprovar isso. O Conselho Nacional Eleitoral (CNE) declarou vencedor o presidente Nicolás Maduro, sem que até o momento tenha publicado detalhes dos resultados por centro e mesa de votação.

Na quinta-feira (22), o Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) ratificou os resultados anunciados pelo CNE. Ambas as instituições são dirigidas por funcionários alinhados ao chavismo.

Nas últimas semanas, Machado reduziu consideravelmente suas aparições públicas e, a partir de um local desconhecido, tem participado de espaços alternativos para alcançar outras audiências através de podcasts, programas no YouTube, transmissões ao vivo no Instagram e TikTok.

E, embora não tenha abandonado as entrevistas com mídias nacionais e internacionais, aprofundou uma estratégia para transmitir sua mensagem e motivar audiências jovens, de acordo com informações fornecidas por sua equipe de campanha e analistas.

Ana Milagros Parra é uma cientista política venezuelana de 27 anos que analisa a comunicação eleitoral do seu país através de suas redes sociais e também em seu podcast “A medias”, onde aborda a atualidade política. Ela diz à CNN que, apesar da estratégia comunicacional de Machado não ser explícita, trata-se de “resistência civil”.

“Ela está desafiando a censura e moldando-se a essa repressão. E tentando manter as pessoas moralizadas, o que não significa que todo mundo vá sair às ruas. Já tivemos episódios de sair às ruas todos os dias e foi contraproducente: houve muitas baixas (mortes), muita violência e trauma geracional”, analisa Parra sobre a atitude da oposição desde 28 de julho.

Parra define resistência civil ou resistência pacífica como “moralizar as pessoas”, que, em seu critério, representa “uma luta diária para manter as pessoas comprometidas”, considerando que a curto e médio prazo a situação da Venezuela é incerta.

<><> Coesão do eleitorado opositor

Parra acredita que as condições políticas atuais no país exigem a necessidade de coesão da população. E o público jovem é uma das frentes necessárias: “O mainstream, o que as pessoas consomem”.

“Muitos dizem que é banal que María Corina Machado esteja utilizando influenciadores. A maioria são pessoas venezuelanas e as que não têm um público latino-americano.

É uma estratégia muito voltada para os jovens. Para os jovens você precisa de um interlocutor que possa digerir a informação, porque é uma estratégia política que não é fácil de traduzir”, diz Parra.

“Então, estar em uma live com Lele Pons, ou com comediantes, ou em um podcast muito famoso que não é ouvido apenas por venezuelanos, mas por toda a América Latina é importante porque você leva a mensagem, leva confiança, e de alguma forma fideliza populações que não leem sobre política, e que se leem sobre política não entendem o suficiente porque é complicado”, analisa.

Além disso, há uma estratégia para alcançar diferentes públicos dentro de uma mesma geração, acrescenta a cientista política. Isso inclui participar do podcast de comédia venezuelano “Escuela de Nada” e também com a influenciadora e cantora venezuelana Lele Pons – que vive nos Estados Unidos com sua família desde que era criança -, com mais de 54 milhões de seguidores no Instagram que são, em grande parte, pessoas daquele país.

“É aproveitar as conexões que se tem com os 8 milhões de venezuelanos que imigraram”, aponta Parra.

No programa ao vivo no Instagram que fez com Pons em 9 de agosto, Machado não perdeu a oportunidade de mandar algumas mensagens em inglês e se dirigir diretamente aos seguidores da cantora para pedir paciência e apoio para amplificar a mensagem.

“Todos estamos contigo”, disse Pons. “Você é como a mãe de todos”.

Ela não estava errada.

<><> Uma abordagem mais informal

Em todas as suas participações, especialmente no podcast de comédia “Escuela de Nada”, ou com La Divaza, um youtuber venezuelano conhecido, “Machado ri, faz piadas, tenta ser engraçada”, diz Parra, com o objetivo de alcançar a geração Z, os jovens nascidos entre meados dos anos 90 e o final dos anos 2000.

“São eles que podem fazer um edit de TikTok, e acham engraçado, e dizem ‘essa senhora me dá confiança, porque não é uma política que vejo inacessível para mim'”, analisa Parra.

“Ela está conectando com todos, ou é o que está tentando, unindo a todos para que sintam confiança nela e que a estratégia que está fazendo, que depende das pessoas, possa ser frutífera”, acrescenta.

Em seu diálogo no dia 6 de agosto com Chente Ydrach, um comediante de Porto Rico com mais de 1,3 milhões de inscritos no YouTube, Machado resumiu seu objetivo desta forma: “Para nós é muito importante que a voz da Venezuela chegue ao mundo inteiro e eu sei que as vozes de vocês são poderosas e têm credibilidade, e muita gente vai entender o que estão vivendo os venezuelanos hoje”.

Nessas aparições, além de sua atitude – fazer piadas, estar sentada de maneira mais relaxada e descontraída – sua vestimenta também é diferente. “Uma coisa é ir com um blazer, e outra é ir com sua camiseta branca e seu rosário… não são coisas que saem do nada”, diz a cientista política.

<><> Mensagem multiplataforma

“Estamos avançando, trabalhando em vários planos e todos entendem a nível da opinião pública nacional, porque estão tão desesperados que querem que não possamos nos comunicar entre nós. Até a rede X foi bloqueada. Então, é preciso garantir que a comunicação sobre a verdade seja conhecida na Venezuela: sobre a opinião pública internacional, sobre os governos e as instâncias multilaterais para que exerçam toda a pressão sobre o regime”, disse Machado no protesto nas ruas de 17 de agosto.

Nas últimas semanas, Machado concedeu entrevistas a jornalistas da CNN como Christiane Amanpour e Fareed Zakaria; também a outros meios internacionais e nacionais, e finalmente ao segmento dedicado a influenciadores.

ma fonte próxima à estratégia comunicacional de María Corina Machado disse à CNN que se trata de outra etapa, na qual à limitação nos meios tradicionais e as restrições por sua segurança se soma o foco em outras audiências e por outras vias.

Sua equipe acredita que os influenciadores podem ser a melhor convocação para atrair outras pessoas a apoiar e motivar outros que não necessariamente podem ouvir Machado pelos meios que usa habitualmente.

A intenção, acrescentou a fonte, era fazer com que a mensagem chegasse “por todas as vias possíveis para que ninguém ficasse sem saber o que estava acontecendo” na Venezuela, por isso em muitos casos essas participações com influenciadores ou comediantes ocorreram no mesmo dia.

<><> Maduro contra Lele Pons

Essa estratégia comunicacional da líder oposicionista gerou a reação do presidente Nicolás Maduro.

“Agora há uma tal Lele Pons. Ela quer com um show em Miami no sábado impor um governo na Venezuela. Mas quem disse que Lele Pons é política? Agora sim entendemos que Lele Pons é a CNE. Mas quanto dinheiro estão colocando por trás disso?”, disse em um vídeo no TikTok em 16 de agosto, um dia antes da manifestação mundial convocada pela líder oposicionista.

“Vocês poderão conspirar de Miami, mas na Venezuela quem manda são os venezuelanos”, acrescentou Maduro em uma mensagem dirigida aos artistas, comediantes e influenciadores que deram visibilidade a Machado nas últimas semanas.

“Te incomodei? Não vai me calar, Maduro!!!! A Venezuela ganhou”, respondeu a jovem em uma publicação no X.

Em contraposição, Parra analisa que o governo da Venezuela “pela primeira vez neste regime, desde Chávez, não tem controle da narrativa apesar da propaganda”.

“Você tem os porta-vozes principais do governo todos os dias em cadeia nacional ameaçando. E se você observar, é um discurso que não tem pé nem cabeça, que não deve ser desmerecido porque eles são capazes de agir, mas narrativamente não são lógicos e não conseguiram ter controle do discurso, que é algo que ninguém tinha visto nas últimas décadas”, explica a especialista venezuelana.

“Não têm roteiro. Por que você, que diz que venceu, tem a atitude de estar preocupado com uma influenciadora que falou mal de você? Se você tem o poder do Estado e o controle total das instituições, por que você vai ficar em canais falando mal de uma garota que está fora do país?”, questiona sobre as declarações de Maduro sobre Pons.

Nas palavras da cientista política, a única arma que o governo tem “é a violência, a repressão e usar os mecanismos do Estado para controlar”.

 

Fonte: CNN Brasil

 

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