Como a guerra contra a pornografia pode
mudar a internet
Se você estiver no
Estado americano do Texas e tentar visitar hoje o website Pornhub, poderá ficar
decepcionado.
Em vez do conteúdo
normalmente encontrado em um site pornográfico, você irá ver um único vídeo.
Nele, uma estrela de filmes adultos chamada Cherie DeVille aparece totalmente
vestida para discutir políticas públicas.
"Como talvez você
saiba, suas autoridades eleitas exigem que nós verifiquemos a sua idade antes
de permitir que você tenha acesso ao nosso website", afirma DeVille no
vídeo.
Ela explica que, em
vez de pedir aos seus usuários que apresentem sua identidade fotográfica a cada
visita, o Pornhub e sua rede de sites associados decidiram simplesmente
bloquear todos os visitantes do Estado.
E os texanos não estão
sozinhos. Neste exato momento, ocorre um apagão das pornografia pelos Estados
Unidos.
Em 2023, os Estados do
Arkansas, Mississippi, Utah e Virgínia aprovaram leis que exigem a verificação
da idade dos visitantes. O Pornhub bloqueou todos eles, assim que as leis
entraram em vigor.
No início de 2024, foi
a vez da Carolina do Norte e de Montana. E novas leis exigindo o mesmo
tratamento foram aprovadas nas últimas semanas em Idaho, Kansas, Kentucky e
Nebraska.
Com novas normas
programadas para entrar em vigor, o desligamento poderá atingir a maior parte
do sul dos Estados Unidos nos próximos 12 meses. Com isso, o Pornhub – o quarto
website mais popular do planeta, segundo alguns índices – poderá em breve estar
bloqueado para um a cada três norte-americanos.
Formalmente, o
objetivo dessas leis é evitar que as crianças tenham acesso a conteúdo
pornográfico, em meio às preocupações de que elas possam ser prejudicadas pela
normalização de comportamento sexual violento ou agressivo e pelo incentivo de
expectativas irreais em relação ao sexo.
De 2022 até o momento,
19 Estados americanos aprovaram leis exigindo que os sites pornográficos
verifiquem a idade dos seus usuários. E os legisladores já propuseram leis
federais de verificação da idade.
A adoção de
verificações de identidade não se limita aos sites adultos. Outras
regulamentações propostas nos EUA, Reino Unido, União Europeia, Austrália e em
partes da Ásia poderão exigir em breve a verificação de idade para as redes
sociais e uma série de outras plataformas.
Seus proponentes
afirmam que esta verificação não é diferente da apresentação da identidade
exigida para comprar um maço de cigarros – que são esforços de segurança
baseados no bom senso, que irão funcionar tão bem online quanto no comércio
físico.
"É muito
simples", afirma Terry Schilling, presidente do think tank conservador
(centro de pesquisa e debates) Projeto dos Princípios Americanos (American
Principles Project), uma das principais organizações que defendem as leis de
verificação da idade.
"Achamos que as
crianças não devem poder ter acesso à quantidade de pornografia que elas têm
disponível hoje", afirma ele.
Mas os opositores às
novas regras defendem que as leis são mal elaboradas e podem até levar as
pessoas para partes mais sombrias da internet, expondo as crianças e os adultos
a riscos ainda maiores. Eles também argumentam que as repercussões da nova legislação
podem trazer profundas consequências para o futuro da internet e a liberdade
que ela oferece.
"Vamos ser
honestos, entre as redes sociais e a pornografia, provavelmente temos a maior
parte da atividade online das pessoas", afirma Daniel Kahn Gillmor,
tecnólogo da União Americana para as Liberdades Civis (ACLU, na sigla em
inglês).
A maioria das pessoas
concorda que é uma boa ideia evitar que as crianças tenham acesso à pornografia
na internet. Mas alguns acreditam que existem melhores formas de controle do
que a imposição de regras de verificação da idade.
Colocando de lado o
debate político cada vez maior sobre qual a melhor forma de regulamentar o
mundo online e as plataformas de tecnologia que o sustentam, a internet parece
estar passando por um momento decisivo.
• Debate polarizado
Em uma ação
apresentada este ano por uma coalizão que inclui a ACLU e a Aylo, companhia
dona do Pornhub, a Suprema Corte americana concordou em analisar a questão da
verificação da idade. E não há como saber o que a corte irá decidir a respeito.
Enquanto isso, o
acesso à pornografia passou a ter presença cada vez maior no cenário da eleição
presidencial dos Estados Unidos.
O candidato a
vice-presidente na chapa de Donald Trump, J. D. Vance, declarou no passado que
a pornografia deveria ser considerada ilegal – e influentes think tanks
conservadores pedem a proibição total da pornografia, caso Trump chegue
novamente à Casa Branca.
Se o movimento pela
verificação da idade não for contido, é possível que sejamos forçados a usar
nossa identidade oficial em grande parte da nossa atividade online, afirma
Gillmor. E grupos de defensores dos direitos civis receiam que esta situação
possa nos levar a uma nova era de vigilância estatal e corporativa, que
transformaria o nosso comportamento na internet.
"Este é o
primeiro sinal de alerta, não se trata apenas da pornografia", afirma Evan
Greer, diretora do grupo de defesa dos direitos digitais Luta pelo Futuro
(Fight for the Future). Para ela, as leis de verificação da idade são manobras
mal disfarçadas para impor censura em toda a internet.
Diversos ativistas
alertam que estas medidas poderão ser empregadas para limitar o acesso não só à
pornografia, mas à arte, literatura e a fatos básicos sobre a educação sexual e
à vida LGBTQIA+.
"Nós não nos
opomos apenas por algum nobre ideal de liberdade de expressão", explica
Greer. "Nós acreditamos fundamentalmente que isso irá reduzir a segurança
das crianças, retirando delas informações sobre alguns dos temas mais
importantes da vida delas."
As novas leis procuram
simplesmente "alguma solução rápida para a internet", prossegue
Greer.
"Existe uma
discussão válida e importante a ser feita sobre o impacto da pornografia sobre
a nossa sociedade e as plataformas deveriam ser pressionadas a fazer mais para
proteger as crianças. Mas quando você precisa de uma identidade digital para navegar
na web, ela imediatamente cria uma barreira à liberdade de expressão e limita o
acesso das pessoas à informação."
Já os representantes
de grupos defensores da verificação da idade afirmam que os benefícios
justificam as desvantagens e que as novas leis são de fácil implementação e
fundamentais para proteger a segurança das crianças online.
"A indústria
pornográfica mente para você e está sendo histérica", segundo Schilling.
Para ele, exigir que
os sites pornográficos verifiquem a identidade dos seus usuários "é apenas
bom senso. É barato, é acessível e existe há décadas."
"É uma verdade
evidente que as crianças não devem ter acesso à pornografia, mas, mesmo se não
fosse assim, pesquisas indicam que a exposição precoce à pornografia é muito
prejudicial às crianças."
Mais de uma dúzia de
Estados americanos já aprovaram resoluções declarando que a pornografia é uma
"crise de saúde pública". Eles destacam principalmente os riscos
existentes para as crianças.
Eles refletem as
preocupações levantadas por diversas organizações internacionais, como o Fundo
das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e o Comissariado Infantil do Reino
Unido. Este último, em uma pesquisa recente entre 1 mil jovens, concluiu que a
pornografia pode normalizar a violência sexual e atitudes prejudiciais entre as
crianças.
Mas as evidências
científicas ainda não são tão claras. Existem diversos estudos indicando que a
pornografia pode ter efeito negativo sobre as atitudes e o comportamento sexual
dos jovens, mas a extensão e o escopo desses efeitos são incertos.
Uma meta-análise
concluiu que muitos estudos sobre o tema exibem sinais de viés ou falta de
rigor científico. Com isso, fica difícil chegar a "conclusões causais
válidas sobre os efeitos da pornografia sobre os adolescentes".
E, apesar do que
pressupõe a maioria das pessoas, estudos encontraram poucas evidências que
sustentem a ideia de que a pornografia cause dependência em crianças ou
adultos.
Os opositores às leis
de verificação da idade afirmam que os grupos que apoiam essa legislação são a
evidência de que existe uma agenda conservadora maior em jogo.
A professora de
sociologia Kelsy Burke, da Universidade de Nebraska, nos Estados Unidos, e
autora do livro The Pornography Wars ("As guerras pornográficas", em
tradução livre), acredita que as leis de verificação da idade fazem parte de
uma batalha moral mais ampla que está em curso em todo o mundo.
"A proteção das
crianças parece ser algo com que todos nós podemos concordar", explica
Burke.
"Mas pode não ser
realmente sobre as crianças, nem mesmo sobre a pornografia. Na verdade, é uma
forma de codificar crenças morais específicas sobre sexualidade e gênero que
podem não se alinhar com a maioria dos americanos."
As organizações que
defendem as leis são explícitas, há muito tempo, sobre as questões LGBTQIA+. Um
dos principais objetivos do Projeto dos Princípios Americanos, por exemplo, é
se opor à normalização da identidade transgênero.
O Centro Nacional
sobre a Exploração Sexual (NCOSE, na sigla em inglês) é um grupo
antipornografia liderado por conservadores, que também defende leis de
verificação da idade. Antes conhecida como Moralidade nos Meios de Comunicação,
a entidade tem um longo histórico de oposição aos direitos LGBTQIA+.
Recentemente, a
organização expressou seu "pesar" a este respeito e tentou se
distanciar das declarações do passado. O NCOSE afirma que "apoiar e
proteger as comunidades LGBTQIA+", atualmente, é uma das prioridades do
grupo.
O NCOSE e o Projeto
dos Princípios Americanos declaram que o seu apoio às leis de verificação da
idade se restringe à proteção das crianças contra a pornografia e nada além
disso.
"O NCOSE
reconhece que a vulnerabilidade não conhece fronteiras e afeta os indivíduos de
todas as orientações sexuais e identidades de gênero. Acreditamos totalmente na
importância de apoiar e proteger as comunidades LGBTQIA+", afirma a
consultora jurídica do NCOSE, Dani Pinter.
"Acho que alguns
grupos que se opõem a esses esforços estão destacando este ponto
dissimuladamente, como distração", destaca ela.
Proteger as crianças
ou mantê-las no escuro?
Quando o assunto é
proteger as crianças, os líderes do setor pornográfico afirmam que estão de
acordo com seus críticos mais severos.
"O Pornhub é a
favor do conceito de verificação de idade. Ponto final", afirma Alex
Kekesi, vice-presidente de marcas e comunidade da Aylo, companhia proprietária
do Pornhub.
"Não queremos
crianças nas nossas plataformas e somos favoráveis ao aumento das
regulamentações que dificultem, quando não impossibilitem as crianças de terem
acesso a conteúdo inadequado para a sua idade", explica ela.
Para Kekesi, o
problema é que as leis atuais de verificação da idade são ineficientes para
proteger as crianças.
Os especialistas em
política da internet afirmam que é comum contornar regulamentações da internet
que se apliquem apenas a certos Estados, utilizando redes privadas virtuais
(VPNs, na sigla em inglês), que permitem disfarçar a sua localização. E as crianças
podem simplesmente procurar sites pornográficos que não respeitem as regras
estabelecidas.
Os executivos do setor
adulto não são os únicos a expressar esta mesma preocupação.
A BBC conversou com
cerca de 10 especialistas em internet e segurança infantil. Segundo eles, as
leis atuais de verificação da idade podem ter efeitos indesejados para o uso da
internet pelas crianças.
"Essa legislação
pode levar as crianças inadvertidamente para ambientes online mais perigosos,
tanto na dark web quanto na internet comum", afirma Bob Cunningham,
executivo-chefe do Centro Internacional para Crianças Exploradas e
Desaparecidas (ICMEC, na sigla em inglês).
Embora alguns sites
pornográficos importantes tenham decidido atender às novas leis, seja
verificando a idade dos visitantes ou se retirando totalmente dos Estados
específicos, milhões de outros sites não se importam.
E, segundo muitos
especialistas em segurança infantil, os principais sites pornográficos se
dedicam mais a policiar conteúdo ilegal e perigoso do que aqueles que são menos
dispostos a respeitar a nova legislação.
O argumento do setor
adulto é que, para as pessoas que quiserem ver pornografia, os sites maiores
estão entre os lugares mais seguros.
O Pornhub enfrentou
críticas no passado por questões de segurança relativas a crianças e adultos.
Uma pesquisa do jornal The New York Times em 2020, por exemplo, encontrou
material sobre abuso sexual infantil, ilustrações de estupro e outros tipos de
conteúdo nocivo e ilegal no site.
A Aylo afirma que
essas reportagens interpretaram mal a questão, pois tratavam de problemas
enfrentados por todo o setor – não apenas pelo setor pornográfico, mas também
pelas redes sociais e outras grandes plataformas.
O Pornhub e seus sites
parceiros também pertencem hoje a novos proprietários e a Aylo afirma que
restringiu suas práticas desde então.
Segundo Kekesi,
atualmente, pessoas revisam manualmente todo o conteúdo postado no Pornhub. E,
embora a empresa acredite que seus usuários regulares devam receber alto nível
de privacidade, ela exige que todas as pessoas que carregarem ou aparecerem no
conteúdo da plataforma confirmem sua idade, identidade e consentimento.
Em maio de 2024, a
Aylo firmou parceria com a Fundação de Vigilância da Internet (IWF, na sigla em
inglês), que é um grupo dedicado à prevenção do abuso infantil no âmbito da
internet.
"A Aylo
demonstrou iniciativa nos seus esforços para tornar suas plataformas mais
seguras", segundo a executiva-chefe da IWF, Susie Hargreaves.
"Esperamos que outros sites de entretenimento adulto sigam o seu
exemplo."
Os sites que respeitam
as leis de verificação de idade afirmam já terem observado sensível redução do
número de usuários que permanecem no site após o acesso.
A plataforma de vídeos
adultos xHamster, uma das líderes do setor, declarou que verifica as
identidades e respeita todas as leis de verificação da idade dos Estados
Unidos. Segundo ela, apenas 6% dos visitantes do seu site tentam passar pela
verificação de idade – e apenas a metade deles tem sucesso.
Embora alguns
usuários, sem dúvida, desistam da busca, especialistas como Evan Greer afirmam
que a maioria deles procura conteúdo em outros lugares.
"Para falar com
franqueza, isso leva à eliminação dos sites mais responsáveis do setor, em
favor daqueles que, muitas vezes, não verificam os provedores, não moderam o
conteúdo, não incluem a verificação da idade e ocultam sua jurisdição",
segundo um porta-voz do xHamster.
Por outro lado, alguns
defensores argumentam que ainda é muito cedo para saber qual o impacto causado
pela legislação.
"Concordo que
existem melhores formas de fazer isso", afirma Dani Pinter.
Pode haver um pequeno
segmento de crianças que acabem em sites mais perigosos, segundo ela, "mas
muitas crianças jovens encontram esse material por acidente, de forma que,
quanto mais barreiras elas tenham para encontrar, melhor".
• Cavalo de Troia?
Existem preocupações
parecidas em relação a outras regulamentações de verificação da idade.
A Lei de Segurança
Online do Reino Unido, por exemplo, irá impor restrições de idade à
pornografia, redes sociais e muitas plataformas online de grande porte.
A Wikipédia declarou
recentemente que irá se recusar a cumprir com as regras britânicas de
verificação online porque "violaria nosso compromisso de coletar o mínimo
de dados sobre os leitores e colaboradores".
Os reguladores ainda
não definiram exatamente como as empresas precisarão verificar as idades, mas
as propostas incluem as mesmas verificações controversas de identidade.
Na capital americana,
Washington, os legisladores americanos debatem a chamada Lei da Segurança
Online das Crianças (KOSA, na sigla em inglês). A legislação pretende impor
restrições similares em todo o país.
Fortes manifestações
contrárias levaram a alterações da KOSA para eliminar a verificação da idade.
Mas seus opositores afirmam que, ainda assim, a lei concederia a autoridades
não eleitas amplos poderes para censurar a web.
Kelsy Burke e outros
críticos afirmam que muitas leis de verificação da idade são bastante vagas e
podem remover muito mais do que o conteúdo destinado à satisfação sexual.
A legislação que exige
a verificação da idade se aplica tipicamente a qualquer website que tenha 25% a
33% do seu conteúdo "prejudicial para menores". E, no Kansas, por
exemplo, a legislação que define o que é conteúdo prejudicial para menores inclui
"atos de homossexualidade", segundo Burke.
O senador Jeremy Ryan
Claeys, do Estado do Kansas, foi o responsável por propor a lei de verificação
de idade do Estado. Ele não respondeu ao pedido de comentários enviado pela
BBC.
"Nunca houve uma
definição clara de pornografia", segundo Ricci Levy, presidente e
executivo-chefe da Fundação para a Liberdade Woodhull, uma organização sem fins
lucrativos que defende a liberdade sexual. "É apenas um rótulo pejorativo
e conveniente que os políticos e líderes religiosos aplicam ao material de que
eles não gostam."
"Estamos em meio
a um enorme retrocesso no Reino Unido e nos EUA em relação ao sexo e à
sexualidade", prossegue ele, "e devemos ser extremamente cautelosos
sobre o policiamento da sexualidade online."
Os críticos destacam
que as leis de verificação da idade estão sendo promovidas ao mesmo tempo em
que as proibições de livros, lideradas por políticos do Partido Republicano,
estão se espalhando pelos Estados Unidos. Livros infantis estão sendo censurados
por meras menções de questões relacionadas à raça, gênero e sexualidade,
frequentemente com alegações de proteger as crianças contra
"obscenidades".
Não há dúvidas de que
o anonimato online contribuiu para uma série de problemas, como o abuso
infantil, tráfico de drogas e ciberbullying, entre outros. Mas os defensores
das liberdades civis argumentam que o mesmo anonimato também é responsável pela
mesma liberdade que fez da internet uma força tão positiva e revolucionária.
"A verificação de
idade impõe um ônus à capacidade dos adultos de ter acesso a conteúdo, pois ela
significa que todos os usuários precisam verificar suas idades, não apenas as
crianças", afirma Vera Eidelman, uma das advogadas da ACLU que estão
trabalhando no caso do Pornhub junto à Suprema Corte.
A verificação pode
representar uma séria ameaça ao anonimato online, retirando das pessoas seu
direito de explorar ideias e falar livremente. "Combinado, ele irá fazer
com que as pessoas hesitem muito mais em se engajar em conteúdo com acesso
legal", segundo ela.
Pinter reconhece que
existem preocupações legítimas sobre a verificação da idade que devem ser
solucionadas. Mas ela defende que os "absolutistas" também precisam
aceitar a necessidade de abrir mão de parte da privacidade para proteger as
crianças.
• Solução à vista?
É possível encontrar
uma forma de proteger as crianças e a privacidade das pessoas?
Existe outra solução,
que é preferida por muitos oponentes à verificação da idade: um sistema
conhecido como verificação da idade "baseada no aparelho".
Essencialmente, os
legisladores poderiam fazer com que as empresas de tecnologia embutissem
funções de verificação da idade nos sistemas operacionais de smartphones e
computadores.
"Acreditamos que
a verificação da idade pelo aparelho ofereça uma solução abrangente",
afirma Bob Cunningham.
Todas as leis atuais
dos Estados americanos sobre verificação da idade exigem que os próprios
websites procedam à verificação, normalmente usando ferramentas de terceiros.
Este pode ser um problema, já que eles terceirizam a segurança digital para
empresas que podem não deter os recursos ou o histórico de proteção dos
usuários.
Estas preocupações não
são hipotéticas. Em junho deste ano, por exemplo, o portal 404 Media noticiou
que uma empresa usada para verificação de idade e identidade em plataformas
como o TikTok, Uber e X (o antigo Twitter) deixou expostas online imagens de carteiras
de motorista, que ficaram vulneráveis à ação de hackers.
Já as ferramentas de
verificação de idade baseadas nos aparelhos, criadas por empresas como Apple,
Google e Microsoft, supostamente seriam mais confiáveis do que as ferramentas
de terceiros ou os sistemas criados pelos governos, em relação à proteção dos
dados contra vazamentos e hackers.
A Apple, Google e
Microsoft não responderam aos pedidos de comentários enviados pela BBC.
A técnica baseada nos
aparelhos também poderia permitir que os governos exigissem que a
infraestrutura de verificação da idade esteja disponível, oferecendo aos pais a
opção de habilitá-la ou não, em vez de impor verificações de identidade a cada
usuário da internet que visitar um site pornográfico. Esta medida colocaria o
poder nas mãos das famílias e não no Estado.
Além disso, a adoção
da verificação baseada em aparelhos seria mais fácil e barata para os sites, o
que aumenta a possibilidade de cumprimento da lei pelos sites envolvidos. E
também favoreceria a privacidade – o website poderia pedir seu número de telefone
para verificar sua idade, sem compartilhar outras informações a seu respeito.
"Quem compra a
maioria dos telefones celulares são os pais, não os menores", explica o
diretor de políticas públicas da Coalizão para a Liberdade de Expressão (Free
Speech Coalition), Mike Stabile. "Por isso, os pais podem simplesmente definir
isso nos controles parentais, sem exigir que as pessoas carreguem suas
identidades."
"É por isso que
estamos tão desorientados com essa legislação. Existe uma forma fácil de fazer
isso."
Segundo Daniel Kahn
Gillmor, existe tecnologia que permite estabelecer um sistema sólido e seguro
para verificar a idade dos usuários, protegendo a sua privacidade.
A companhia Aylo, dona
do site Pornhub, afirma que está pronta para dedicar recursos e mão de obra
significativos para formar um sistema de verificação de idade abrangente,
baseado nos aparelhos. Mas, para isso, ela precisa de parceiros no governo e na
indústria para fazer com que o sistema funcione.
Os apoiadores deste
projeto incluem o xHamster, a Coalizão para a Liberdade de Expressão e a Meta,
empresa dona do Facebook e do Instagram.
O NCOSE também apoia a
verificação da idade baseada em aparelhos. A entidade chegou a redigir um
modelo de lei que os legisladores poderiam implementar. Mas Dani Pinter
acredita que ainda é possível conduzir a verificação da idade, de forma segura
e eficaz, nos websites.
Alguns especialistas
em política da tecnologia ainda estão hesitantes a este respeito.
Gillmor afirma que os
legisladores não deveriam exigir nenhuma forma de verificação da idade, nem
mesmo as elaboradas pela Apple ou pela Google, até que seja criado um sistema
controlado e estabelecido, que garanta a proteção dos direitos civis.
E a verificação da
idade baseada nos dispositivos também tem os seus críticos.
"Por que a Apple
deveria ter a responsabilidade de defender as crianças contra a
pornografia?", questiona Terry Schilling. "Não é problema da Apple, é
problema do Pornhub."
Ele defende que o
Pornhub é uma empresa bilionária e sugerir que ela não pode criar uma forma
segura e eficaz de verificar a idade dos usuários sem violar sua privacidade é
uma farsa.
Schilling rejeita todo
o debate sobre as leis de verificação da idade. Para ele, trata-se de um
argumento de má fé, defendido por um setor que luta para manter seus portfólios
de bilhões de dólares.
Mas, para outros, o
que está na balança é o futuro da liberdade de expressão na internet. E, pelo
menos nos Estados Unidos, a decisão agora está nas mãos da Suprema Corte.
"Fornecer sua
cédula de identidade sempre que quiser visitar uma plataforma adulta não é a
solução mais eficaz para proteger nossos usuários", afirma Cherie DeVille
no seu vídeo. "Até que seja oferecida uma solução real, tomamos a difícil decisão
de impedir totalmente o acesso ao nosso website na sua região."
Quando os juízes da
Suprema Corte analisarem a questão, milhões de americanos já terão ouvido esta
mensagem.
Fonte: Por Thomas
Germain jornalista especializado em
tecnologia da BBC Future
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