quinta-feira, 29 de agosto de 2024

Brasil e China: caminho para a transição energética?

As mudanças climáticas e a necessidade de transição energética tornaram-se questões de extrema importância no século XXI. Soluções para a descarbonização e o desenvolvimento de tecnologias verdes estão cada vez mais inseridas nos acordos internacionais, nas negociações comerciais e nos fluxos de investimento externo. A transição energética, portanto, tornou-se um dos pilares na relação entre Brasil e China, uma vez que o país asiático está comprometido a se transformar em um líder em suprimentos de energias renováveis, ao participar de todas as etapas da cadeia de forma vertical, principalmente nas tecnologias da economia de baixo carbono. Para o Brasil, fica o desafio de usar a transição energética nas relações com a China de forma a auxiliar seus objetivos de neoindustrialização.

•        A transição energética para a China e o Brasil

O 14º Plano de Desenvolvimento  Chinês,  aprovado  para  o  período  de  2021  a  2025, atribui importância significativa ao desenvolvimento de novas fontes de energias de baixo carbono com os investimentos financeiramente sustentáveis em países parceiros. Nesse sentido, diversos são os investimentos chineses nos setores eólico e solar. A liderança chinesa nos setores de energia eólica e solar e sua capacidade de investimento externo é explicada em grande parte pela mão-de-obra especializada e o desenvolvimento de tecnologia na produção de equipamentos para tais setores, resultado de políticas públicas formuladas para criar as condições para que o país assumisse a vanguarda dessas tecnologias.

Diante desse panorama, o Brasil tem se destacado como um destino significativo para o investimento estrangeiro chinês, conforme relatado pelo portal Diálogo Chino (2019), com as empresas chinesas dominando quase um quinto da capacidade solar e eólica do Brasil. Conforme dados do China Global Investment Tracker, entre 2010 e 2020, 74% dos investimentos da China no Brasil se concentraram no setor de energia, o que corresponde a US$ 42,3 bilhões. Contudo, apenas uma porção menor foi para os setores eólico e solar, apesar da perspectiva futura ser de crescimento.

Neste contexto, em 2014, a Three Gorges Corporation (CTG) adquiriu 49% da participação de onze campos de energia eólica em diferentes estados brasileiros, a BYD anunciou, em 2015, seu segundo investimento no Brasil para uma unidade de montagem de painéis solares, enquanto a State Power Investment Corporation of China (SPIC), investiu R$780 milhões de reais na construção de dois novos parques eólicos no Nordeste.

Se tornando o maior investidor em energias renováveis em nível global, segundo o Conselho Empresarial Brasil-China, a China passou a ocupar uma posição estratégica como financiador e fornecedor de tecnologias como painéis solares, equipamentos eólicos, hidrolisadores, mobilidade elétrica e outros maquinários, colocando o Brasil em uma situação de dependência tecnológica em relação ao país asiático. No Brasil, os painéis solares fabricados nacionalmente custam o dobro do que os chineses, o que intensifica a concentração no fornecimento dos equipamentos. Se por um lado essa dependência pode ser um problema, por outro pode abrir uma frente para repactuar a relação e a presença da China nesses setores no Brasil em função da neo-industrialização.

•        Transição energética e neoindustrialização

Vê-se a agenda brasileira comprometida em criar um ambiente favorável e atrativo aos investimentos chineses no setor. O encontro do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, com os representantes da gigante chinesa State Grid, em abril de 2024, corrobora o compromisso com a consolidação de uma nova etapa do setor energético brasileiro, sobretudo no eólico. Na reunião, o ministro de Minas e Energia demonstrou otimismo ao ressaltar que temos uma forte relação com a China e agradeceu aos investidores por acreditarem no potencial de geração de energia limpa do Brasil.

Recentemente, a Rede Brasileira de Certificação, Pesquisa e Inovação (RBCIP), em parceria com o Green World Energy Hydrogen (GWE), solidificou o compromisso com o avanço da tecnologia do hidrogênio verde no Brasil ao concluir com sucesso a missão de visita à China, com o objetivo de participar de reuniões estratégicas com empresas chinesas que lideram as tecnologias de produção de hidrogênio e de validar, em colaboração com os principais fabricantes, a viabilidade de implementação nacional de eletrolisadores de última geração. No relato da missão, o correspondente da RBCIP afirmou que “ao fomentar a colaboração entre as partes interessadas brasileiras e chinesas, as organizações visam estabelecer um ecossistema robusto de hidrogênio verde que beneficiará ambos os países”.

Entre os entes subnacionais, ocorreu uma disputa para atrair a instalação da fábrica de aerogeradores da chinesa Goldwind Science & Technology – a maior fabricante mundial de turbinas eólicas – o que ao final acabou ocorrendo no município de Camaçari, na Bahia, no local da antiga fábrica da General Electric (GE), instigando a expectativa brasileira em produzir turbinas com 6.2 a 8.3 MW de potência, algo inédito no país. O investimento de cerca de R$150 milhões está alinhado às diretrizes do governo chinês no que se refere à ampliação da presença em setores de alta tecnologia ligados à transição energética, entretanto, convém questionar se tal novidade também está equiparada ao interesse da neoindustrialização e na consolidação de uma estrutura produtiva de energia verde no país.

Cabe ainda destacar que no debate sobre a transição energética no Brasil, a combinação de outros setores como o de produção fotovoltaica e de hidrogênio verde são essenciais para o estímulo da produção de energia limpa. O desenvolvimento da produção de hidrogênio verde se faz como um dos caminhos para a transição energética. Assim, destacar a cooperação sino-brasileira nos avanços nacionais se estabelece como um ponto crucial, tendo em vista a liderança da China na produção de infraestruturas de energias renováveis – em especial, de hidrogênio verde, com a geração anual de cerca de 30 milhões de toneladas.

O Brasil possui energia verde e sustentável, mas carece de tecnologias e planejamento industrial para aumentar sua competitividade na transição energética. Como forma de conseguir superar os desafios atuais, cabe a reflexão acerca de quais tipos de investimentos e setores devem ser priorizados para auxiliar no desenvolvimento do país e reverter o cenário de desindustrialização precoce ao que o Brasil está submetido há décadas, após a ascensão da hegemonia do pensamento econômico neoliberal no debate nacional. É preciso questionar qual caminho de desenvolvimento será adotado pelo país diante dos novos modelos de geração de energia, inclusive como conseguir equacionar a parceria estratégica com a China, sem abandonar a indústria brasileira e um projeto de desenvolvimento nacional. Esta parceria pode inclusive contribuir para que as pretensões brasileiras de neoindustrialização avancem.

A China é um dos maiores investidores em energia renovável do mundo e possui vasta experiência e tecnologias avançadas no setor. A parceria estratégica com a China pode ser um catalisador para o desenvolvimento da indústria brasileira, caso inclua transferência de tecnologia, investimentos em infraestrutura e projetos conjuntos de pesquisa e desenvolvimento. Estes são pontos cruciais para que essa parceria seja equilibrada e beneficie igualmente ambos os países. O Brasil deve assegurar que os acordos respeitem os interesses nacionais e contribuam para o fortalecimento da indústria local, evitando a simples importação de produtos, tecnologia e serviços chineses.

 

¨      Expansão do Sistema Costeiro-Marinho do Brasil aprimora gestão da segurança nacional

O recente aumento da área da Amazônia Azul em mais de 4 milhões de km² é uma mudança significativa que reconfigura o território marítimo brasileiro, segundo especialistas ouvidos pela Sputnik Brasil.

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou, nesta terça-feira (27), o novo limite leste do Sistema Costeiro-Marinho do Brasil, em consonância com a Amazônia Azul. Com a novidade, a Zona Econômica Exclusiva (ZEE) do país foi transformada, segundo especialistas.

•        Mapeamento mais detalhado

A Sputnik Brasil, Julia Touriño de Seixas, mestre em direito ambiental pela Universidade de São Paulo (USP), especialista em direito ambiental pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e em gestão ambiental pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), pontuou que essa expansão permite um mapeamento mais detalhado das áreas marítimas, abrangendo aspectos cruciais como solo, clima, fauna, flora e os recursos naturais da região.

"A nova delimitação não apenas legitima, como também aprimora a gestão da segurança nacional. Isso porque, ao ampliar o controle sobre uma área marítima estratégica, o Brasil fortalece sua capacidade de monitorar e proteger as rotas comerciais que atravessam essa região, garantindo a segurança das transações econômicas que ocorrem em suas águas jurisdicionais", explicou.

Ela complementou dizendo que "esse controle presente em área de extensão também permite uma resposta mais célere e eficaz a irregularidades, de qualquer natureza, que porventura possam ocorrer, salvaguardando a defesa do território e a soberania nacional".

Segundo a especialista em direito ambiental, a ampliação da Amazônia Azul atende a múltiplos setores da sociedade. Ainda, destaca que a nova delimitação oferece suporte para atividades que vão desde a educação e pesquisa científica até a exploração econômica sustentável.

"Essa nova delimitação facilita o desenvolvimento de políticas públicas eficazes e a gestão sustentável das riquezas marítimas do Brasil. Com o conhecimento aprimorado e a extensão do nosso domínio territorial, temos a oportunidade de fortalecer tanto a proteção ambiental quanto a exploração sustentável dos recursos naturais", afirmou à Sputnik.

Além disso, segundo Touriño de Seixas, o conhecimento gerado pela expansão abre novas fronteiras para a pesquisa científica marinha.

•        Preservação costeira: uma prioridade

A preservação dos ecossistemas costeiros, como dunas, manguezais e restingas, é fundamental para a saúde ambiental do litoral brasileiro. Esses ambientes, de acordo com a especialista, desempenham papéis vitais na proteção contra a erosão, na retenção de carbono e na sustentação das comunidades locais. As dunas funcionam como "barreiras naturais" contra marés e ventos, enquanto os manguezais ajudam a filtrar poluentes e a proteger a biodiversidade marinha. As restingas, por sua vez, estabilizam as dunas e formam um ecossistema essencial para a biodiversidade costeira.

A expansão da Amazônia Azul não só promove a gestão sustentável dos recursos naturais, mas também consolida a soberania nacional do Brasil. Com o aumento da área sob jurisdição, o país ganha maior capacidade para monitorar e proteger suas águas, reforçando a segurança nacional.

Touriño de Seixas observa que "a presença reforçada das autoridades brasileiras em áreas mais distantes do litoral permitirá maior eficácia nas ações de segurança, prevenindo e respondendo a ameaças como a pesca ilegal, a pirataria e outras atividades ilícitas. No entanto, essa expansão também traz desafios, pois à medida que o Brasil avança em sua exploração, aumenta a possibilidade de interações com rotas e atividades ilícitas em regiões que antes estavam fora de sua jurisdição e controle".

A especialista também ressalta a importância do reconhecimento internacional dessa extensão. "Embora essa área não 'pertencesse' a outro país, a ampliação do reconhecimento internacional, especialmente no contexto da Plataforma Continental Brasileira, destaca a importância estratégica dessas áreas para o Brasil e a necessidade de consolidar a soberania nacional e assegurar o controle sobre os recursos naturais nelas contidos", sublinhou.

Em suas palavras, a gestão da nova área da Amazônia Azul será, portanto, um teste para a capacidade do Brasil de proteger e explorar seus recursos de maneira sustentável, enquanto desempenha um papel crescente no cenário internacional.

O benefício da expansão no uso de recursos naturais

A preservação dos ecossistemas costeiros no Brasil é um tema crucial, não apenas por sua importância ecológica, mas também pelas implicações diretas para as populações que habitam essas regiões. Leticia Cotrim da Cunha, professora e coordenadora do Laboratório de Oceanografia Química da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), destacou a importância do manejo sustentável nesses ambientes naturais.

De acordo com Cunha, manter ecossistemas costeiros saudáveis é fundamental para a proteção da linha de costa e a prevenção da erosão.

"Quando esses ecossistemas estão bem conservados e manejados de maneira sustentável, garantimos a proteção da costa, o que é essencial para áreas densamente povoadas do Brasil, como Rio de Janeiro, Salvador e Recife," explica a especialista.

Ela ressalta que muitas das grandes cidades brasileiras estão localizadas próximas ao litoral, tornando a preservação desses ambientes uma prioridade para a segurança e o bem-estar das populações urbanas.

Com a expansão da área costeira-marinha, a especialista vê grande potencial no uso de recursos renováveis extraídos do mar.

"O Brasil tem uma vasta extensão marítima que pode ser explorada para gerar energia limpa. A energia eólica em regiões costeiras, a energia gerada pelas marés e ondas e, até mesmo, a energia proveniente das diferenças de temperatura no oceano, são alternativas promissoras", sugere.

 

Fonte: Por Ana Camille da Fonseca, Mayra Contin e Rafael Abrão, no Observatório da Política Externa e Inserção Internacional do Brasil (OPEB)/Sputnik Brasil

 

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