quarta-feira, 7 de agosto de 2024

Após Força Nacional se retirar de retomadas, jagunços voltam a atacar Guarani e Kaiowá em Mato Grosso do Sul

“Pega teu povo e sai daqui ou vocês vão morrer”. Este foi o aviso dado a um indígena Guarani e Kaiowá das retomadas de Douradina (MS), no início da tarde deste sábado (3), por um agente da Força Nacional pouco antes do destacamento se retirar da área dando liberdade para um ataque de jagunços fortemente armados, que empoleirados em camionetes atiraram com munição letal e balas de borracha deixando dez Guarani e Kaiowá feridos – em apuração inicial.

Dois indígenas estão em estado grave: um levou um tiro na cabeça e outro um tiro no pescoço. Aparentemente alvejados com munição letal. Além deles, mais seis feridos foram encaminhados ao Hospital da Vida, em Dourados. Após pressões, a Força Nacional voltou a montar guarda nas retomadas. “Queremos saber a razão da Força Nacional ter saído daqui. Os agentes saíram e o ataque aconteceu. Parece que foi combinado. Queremos entender”, diz um indígena Guarani e Kaiowá por áudio no WhatsApp.

O ataque deste sábado ocorreu na retomada Pikyxyin, uma das sete na Terra Indígena Lagoa Panambi, identificada e delimitada desde 2011, e a mesma onde nesta sexta-feira (2) um ataque já havia ocorrido, mas sem ferir os indígenas, e também local em que um casal de jagunços armado foi detido pela Força Nacional na quinta (1). Ou seja, os agentes federais sabiam que o ambiente seguia tenso, com incursões de jagunços nas retomadas.

A Defensoria Pública da União (DPU) anunciou que entrará com representação pedindo a destituição do comando da Força Nacional no Mato Grosso do Sul. Na retomada Yvy Ajere, onde há um acampamento de jagunços, mais camionetes chegaram para reforçar o grupo que lá estava. “A jagunçada se mexe na frente de todo mundo. A gente observa eles manuseando armamentos pesados. Vão e voltam com liberdade”, diz o indígena.

Foram acionados o Ministério da Justiça e Segurança Pública, o Ministério dos Povos Indígenas, Ministério dos Direitos Humanos, Ministério Público Federal (MPF) e a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) cuidou do pronto atendimento das vítimas do ataque, mobilizando duas ambulâncias de terapia intensiva para cuidar dos dois feridos com mais gravidade.

•        Falso comunicado

Pela manhã, conforme apuração, a Força Nacional comunicou a Coordenação Regional da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) de que os Guarani e Kaiowá tinham avançado nas retomadas. Uma equipe do órgão indigenista foi enviada às retomadas para averiguar a informação da Força Nacional. Contudo, os servidores da Funai não confirmaram a informação e constataram que, ao contrário, os indígenas seguiam nos mesmos locais.

Ocorre que durante a semana, na segunda reunião mediada pelo MPF em Dourados, a Federação da Agricultura e Pecuária do Mato Grosso do Sul (Famasul) e políticos ruralistas, caso do deputado federal Marcos Pollon (PL/MS), boicotaram um acordo de permuta de terras envolvendo as propriedades incidentes na Terra Indígena – que contou com o aceite por parte de três proprietários, sendo um quarto incluído posteriormente. Com bolsonaristas locais, que usam o caso para visibilidade eleitoral, insuflaram uma cruzada contra os Guarani e Kaiowá.

•        Nota de Repúdio contra a Violência sofrida pelo povo Guarani Kaiowá e famílias sem-terra em Mato Grosso do Sul

A Comissão Pastoral da Terra – CPT (Coordenação Nacional e Regional Mato Grosso do Sul) manifesta profundo repúdio à violência sofrida pelo povo Guarani Kaiowá e pelas famílias sem-terra em Mato Grosso do Sul, ocorrida no último sábado (3). Os ataques deixaram dez indígenas feridos gravemente por balas letais e balas de borracha, numa área de retomada, no município de Douradina, e um incêndio criminoso contra o acampamento Esperança do MST, em Dourados.

A retomada do território é um direito legítimo das comunidades Kurupa Yty e Pikyxyin, visto que o Mato Grosso do Sul é um dos estados brasileiros com maior concentração de terras e conflitos envolvendo os povos indígenas. A violência contra os Guarani Kaiowá tem sido constante desde que foram expulsos do seu território pelos grileiros e confinados a pequenas reservas. Em 2023, foram registrados 116 conflitos por terra no MS, sendo 92,7% entre fazendeiros e indígenas, o que resultou em dois assassinatos e mais de 20 mil famílias atingidas pelos conflitos.

No dia 14 de julho, a mesma retomada indígena havia sido alvo de ataques armados na madrugada. A Terra Indígena Panambi – Lagoa Rica já é oficialmente reconhecida, identificada e delimitada com 12 mil hectares no ano de 2011. O processo de demarcação está paralisado devido à morosidade do Estado brasileiro e aos efeitos das medidas legislativas inconstitucionais como a Lei 14.701 e a PEC 48/2023, que propõem a instituição da tese do marco temporal. Os fazendeiros do agronegócio interpuseram recurso e, desde então, o conflito tem se intensificado com diversos ataques contra os indígenas. As retomadas indígenas são legítimas para pressionar o Judiciário a resolver a questão e, de forma justa, devolver a terra aos legítimos donos, os Guarani Kaiowá.

É importante destacar que esses ataques ocorridos no MS são uma parte do contexto de crescimento e acirramento da violência no campo brasileiro. Os dados dos Conflitos no Campo, documentados pela CPT, apontaram a ocorrência de 2.203 conflitos em 2023. Reafirmamos que, enquanto o Estado brasileiro não assumir efetivamente o compromisso com a reforma agrária, demarcação e titulação das terras indígenas e quilombolas, a violência tende a continuar e a se intensificar contra os povos do campo.

Somos solidárias e solidários aos povos do campo, das águas e das florestas, que sofrem ataques de setores do agronegócio em diferentes regiões do Mato Grosso do Sul. Repudiamos e denunciamos também o ataque contra as 300 famílias do acampamento Esperança do MST, em Dourados, ocorrido na madrugada do dia 3 de agosto. O acampamento foi cercado por um incêndio criminoso provocado por pessoas que ocupavam dez caminhonetes e duas motos. Há indícios de que se trata de uma ação articulada contra a luta pela terra na região, uma vez que o acampamento do MST está localizado a 50 km da área onde os indígenas foram baleados.

Conclamamos a sociedade para que se solidarize com as causas justas dos empobrecidos do campo, pois essa é uma causa de todos nós. Exigimos que o Estado brasileiro cumpra o seu dever e não se omita diante desses massacres. O governo Lula, de uma vez por todas, deve se comprometer com a democratização do acesso à terra e com a garantia dos territórios indígenas e demais povos do campo do estado de Mato Grosso do Sul e do Brasil.

Goiânia/GO, 5 de agosto de 2024

 

•        Lira privilegia ruralistas na comissão do marco temporal no STF e deixa Célia Xakriabá na suplência

Em despacho dado na tarde desta segunda-feira (5), o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), nomeou os parlamentares que irão compor a comissão de conciliação do marco temporal no Supremo Tribunal Federal (STF) e escolheu como titulares Pedro Lupion (PP-PR) e Lucio Mosquini (MDB-RO), ambos integrantes da Frente Parlamentar Agropecuária (FPA), conhecida como “bancada ruralista”. Paralelamente, Lira deixou como 1a suplente a bolsonarista Bia Kicis (PL-DF) e como 2a suplente a deputada Célia Xakriabá (Psol-DF).

“É um absurdo eu, que ocuparia um lugar legítimo da defesa dos povos indígenas, ir pra essa mesa de conciliação pra ser suplente da bancada ruralista, de dois membros que são líderes da frente parlamentar do ‘passar a boiada’ e que tem interesse direto [no marco temporal]. Foram eles que pressionaram e votaram em regime de urgência o marco temporal ainda no mês de abril do ano passado, e depois foram eles que pressionaram para se votar o mérito. Eu imagino que a sociedade brasileira também receba isso com indignação”, disse Célia Xakriabá ao Brasil de Fato.

Lupion é o atual presidente da FPA, enquanto Mosquini atua na seção de Direito de Propriedade da frente e Bia Kicis na parte de Alimentação e Saúde. Já Xakriabá coordena atualmente a Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas. Sendo assim, a escolha de Lira reproduz a histórica disputa política entre a FPA e o segmento indígena em torno da pauta agrária no Congresso Nacional e tende a atiçar o antagonismo entre os dois dentro e fora do Legislativo.

“Nós já sabíamos dessa postura, mas, a princípio, fui pessoalmente pedir a ele mais de uma vez [para ser titular], junto com a líder Erika Hilton, e ele falou que não teria contradição, desde que isso não fosse decidido por votação, mas nós sabemos que mesa de conciliação não é [decidida] por votação. Nesse sentido, não teria prejuízo ter uma mesa de equilíbrio. Me parece muito mais a mesma estratégia que foi usada na Comissão Externa para Acompanhar a a Crise Humanitária dos Yanomami [em 2023], quando foram indicadas 15 pessoas da bancada ruralista, que votam a favor do marco temporal, para ocupar as vagas e cuidar [da situação] do povo Yanomami”, associa Célia.

A parlamentar diz lamentar o que considera ser a utilização da pauta indígena para o jogo de toma lá dá cá do ambiente político. “E eu sempre disse que, se querem usar alguma pauta para atacar o governo, que usem outra, não a dos povos indígenas, que já são um caso muito doloroso, como é o caso do que ocorreu com o povo Yanomami e do que agora se passa com os Guarani-Kaiowá no Mato Grosso do Sul, por exemplo.”

Além dos quatro deputados que integrarão a comissão, a representação da Câmara terá ainda um membro técnico titular e um suplente, bem como um consultor legislativo, sendo os três servidores do quadro efetivo da Casa. O despacho de Lira atende à conciliação agendada para começar nesta segunda (5), no STF.

A Corte havia rejeitado, em setembro do ano passado, a tese do marco temporal, mas pouco depois o Congresso Nacional aprovou essa releitura dos direitos territoriais indígenas, convertendo a tese em lei. Diante disso, o Supremo decidiu criar uma comissão especial para buscar uma conciliação sobre o assunto. O diálogo envolve lideranças indígenas, representantes dos estados, municípios, do governo federal e do Legislativo.

 

Fonte: Cimi/CPT/Brasil de Fato

 

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