terça-feira, 30 de julho de 2024

Pedro Morgado: “Ansiedade e depressão não tratadas são incapacitantes”

Ansiedade e depressão são incapacitantes quando não diagnosticadas e tratadas. Voz em ascensão em Portugal, o psiquiatra Pedro Morgado chama atenção para a necessidade de evitar a vulgarização dos diagnósticos de saúde mental, bem como a normalização de desconfortos psíquicos que restringem as possiblidades de aproveitar a vida.

“Depressão e ansiedade provocam alterações na forma como as pessoas sentem prazer e desfrutam daquilo que as gratificam. São doenças muito graves e limitantes”, aponta Morgado, professor da Universidade do Minho, na região norte de Portugal.

O psiquiatra, que venceu o prêmio Science Award Mental Health, da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD), concedeu entrevista ao Metrópoles durante o Congresso Brasileiro do Cérebro, Comportamento e Emoções 2024, realizado entre 26 e 29 de junho, no Rio de Janeiro.

Durante a conversa, ele traçou paralelos entre Brasil e Portugal, enfocando o atendimento aos pacientes com transtornos psiquiátricos e os fatores de risco para depressão e ansiedade presentes no contexto social de cada um dos países.

“É muito importante tirar o estigma da depressão e da ansiedade. As pessoas precisam reconhecer quando não se sentem bem, quando seu estado emocional está atrapalhando a vida, e devem procurar ajuda”, aponta.

LEIA A ENTREVISTA:

•        Depressão e ansiedade são muito comuns atualmente. Gostaria de saber se o senhor enxerga particularidades na maneira como esses problemas de saúde mental se apresentam no Brasil e em Portugal. O que nos aproxima e o que nos afasta?

Pedro Morgado: Portugal e Brasil têm uma característica comum quando olhamos para essas duas doenças psiquiátricas, que são as mais comuns em todo o mundo. Ambos os países têm maior incidência de problemas de ansiedade e depressão do que seus vizinhos.

Portugal é um dos países com maiores níveis de ansiedade e depressão do mundo. Em diferentes rankings, ele está entre os três primeiros países. Quando olhamos para o Brasil, ele também aparece entre os líderes.

•        E quanto às particularidades?

Pedro Morgado: Diferentes estudos mostram que há distinção em relação aos sintomas. Nos países do Sul (países abaixo da linha do Equador, como o Brasil e a África), verificamos sintomas mais relacionados com a perda de energia, com dificuldades de sono e com manifestações de ansiedade em quadros de depressão.

De acordo com o estudo publicado na revista Lancet em 2022, os países do Sul têm uma depressão mais heterogênea, com maior diversidade e variedade de sintomas do que os da Europa e dos Estados Unidos.

A outra diferença diz respeito ao acesso ao tratamento. Na Europa e nos Estados Unidos, os pacientes tem algum acesso ao tratamento. Nos países do Sul, isso não é uma regra.

•        Qual o peso das diferenças sociais, econômicas e culturais entre o Brasil e Portugal no contexto dos transtornos psíquicos?

Pedro Morgado: Há diferenças de contexto muito importantes. Nos países do Sul, em particular quando comparamos ao modelo de sociedade europeu, temos desigualdades muito significativas e, o nível de desigualdade é um determinante muito importante para o desenvolvimento de problemas de saúde mental. As diferenças sociais importam até mais do que o nível de pobreza.

Há outros problemas que estão relacionados com a violência, que também é mais significativa nos países do Sul, como o Brasil. E há diferenças bastante relacionados às circunstâncias de vida, como o tempo de deslocamento entre a casa e o trabalho, a oportunidade de momentos de lazer e hábitos alimentares mais saudáveis.

Todos esses fatores acabam por contribuir para que aqui, no caso no Brasil, existam muitos fatores de risco que colocam as pessoas em maior vulnerabilidade.

•        Em relação às oportunidades de tratamento, que diferenças marcam o acesso ao cuidado de saúde mental no Brasil e em Portugal?

Pedro Morgado: O artigo da Lancet 2022 aponta que menos de 20% das pessoas com depressão possuem acesso ao tratamento correto e necessário. Isso é muito significativo. Nos países do Sul, estima-se que apenas 10% das pessoas consigam ter acesso ao tratamento.

•        Qual o risco de pessoas com ansiedade e depressão não tratarem seus transtornos? São quadros que evoluem?

Pedro Morgado: Depressão e ansiedade (transtorno de ansiedade, no caso) são doenças muito sérias. Na ansiedade, a pessoa vive em estados de nervosismo e de preocupação excessivos e, por causa desses estados, sua capacidade de gerir as situações normais da vida ficam limitadas.

Tipicamente, a ansiedade está associada a problemas de sono, a problemas relacionados ao apetite e a alterações de peso. A ansiedade pode ser muito incapacitante.

A depressão, por sua vez, é uma doença do cérebro, em que há uma alteração na forma como se processam as emoções, como o cérebro interpreta o mundo. Em pessoas com depressão, há uma tendência a interpretar o mundo de forma mais negativa.

As duas provocam alterações na forma como as pessoas sentem prazer e desfrutam daquilo que as gratificam. Então são doenças muito graves, limitantes. A depressão pode evoluir para situações de suicídio, bem como para o uso de substâncias e dependências, como as relacionadas com o jogo, os videojogos, e a dependência de telas.

Além disso, a depressão aumenta o risco para as doenças cardiovasculares, doenças de tiroide e problemas neurodegenerativos.

Um cérebro que está há muitos anos com depressão e sem tratamento é um cérebro que vai envelhecer de forma mais acelerada, portanto, é muito importante tratarmos a depressão. Há muita discriminação em volta do tema.

•        O senhor considera que as pessoas normalizam depressão e ansiedade como parte da vida? Que há dificuldade em buscar ajuda?

Pedro Morgado: Muitas vezes isso acontece porque há confusão, pelo menos aqui em Portugal. Penso que no Brasil deve ser parecido, com as pessoas usando o termo ansiedade e depressão para significar emoções normais do dia a dia, e isso faz com que, às vezes, se confunda uma tristeza que é normal e, que todos nós sentimos, com uma doença profundamente incapacitante.

Lembro que ansiedade e depressão estão na lista das dez doenças que mais dias saudáveis roubam das pessoas. Portanto, estamos a falar de doenças que são muito impactantes na sociedade.

•        Professor, agora gostaria de falar de ansiedade e depressão em duas fases bem específicas da vida: a adolescência e a velhice. Como as pessoas que estão próximas podem ajudar os adolescentes ou as pessoas idosas a manterem a saúde mental?

Pedro Morgado: Muito bem, começando pelos adolescentes. A adolescência é uma época de crise pessoal. Crise no sentido de transformação. Eles precisam de alguma ansiedade para conhecer e estruturar a personalidade, as relações e a forma como lidam com as dificuldades normais da vida.

Quando a pandemia começou, acreditávamos que os idosos seriam os mais afetados pela pandemia. O que estamos verificando é que foram os adolescentes, porque foram impactados em uma fase muito decisiva da vida. Perderam a possibilidade de estabelecer relações, de fazer atividades que eram normais antes e foram adiando aquilo que era seu desenvolvimento psicológico normal.

Além disso, há muitas mudanças pelas quais a sociedade está passando para as quais o corpo ainda não evoluiu. O nosso cérebro é o mesmo cérebro que estava programado para fugir de leões na selva. Mas, o nosso sistema de alerta e de fuga, que é o sistema ansioso, está programado para fugir de leões, mas hoje não temos que fugir de leões.

O cérebro não está preparado para lidar com esta subjetividade que existe na avaliação do nosso aspecto físico. Quando nós estamos numa conversa normal, podemos dizer eu gosto do seu vestido, gosto da sua voz, do seu cheiro. São coisas subjetivas. Os jovens de hoje estão baseando essa percepção em número de likes, se foram 100 ou 50 likes, isso gera muita frustração e ansiedade.

Esses fatores, na minha opinião e de acordo com alguns estudos recentes, são fatores que estão contribuindo para o desenvolvimento de mais doenças mentais, nomeadamente ansiedade e depressão, entre os jovens.

•        E pensando na outra ponta da pirâmide, nas pessoas mais velhas, já que a população do Brasil está envelhecendo, quais são as ameaças mais comuns à saúde mental nesta fase da vida?

Pedro Morgado: Também depressão e ansiedade, somadas a outras doenças demenciais.

Quando nós pensamos numa pessoa com idade mais avançada, é comum notarmos várias doenças na mesma pessoa. O risco de desenvolver, por exemplo, uma doença depressiva, uma doença demencial, é maior nesse grupo. Além disso, doenças cardiovasculares, hipertensão e doenças da tireoide aumentam o risco de depressão. Na faixa etária acima de 60 anos, vamos ter uma prevalência de depressão maior do que em qualquer outra faixa etária.

Estamos falando de pessoas que, muitas vezes, estão isoladas e não identificam os sintomas, não conseguem reconhecer que estão doentes e, por isso, não procuram ajuda. Então, aquilo que acho importante num país como o Brasil, que está neste processo de envelhecimento populacional, mas um pouco atrás da Europa, é que prepare seu sistema de atendimento em saúde.

E, em segundo lugar, que apostem na prevenção de problemas de saúde mental, na promoção de uma vida saudável, com boa dieta, exercícios físicos e atividades sociais e cognitivas.

 

Fonte: Metrópoles

 

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