O
genocídio em Gaza: uma poça de sangue no chão do bate-boca de Trump e Biden
É
difícil colocar em palavras a escala da destruição material e humana
representada pelo massacre do povo palestino em Gaza nas mãos da ocupação
sionista. De fato, diariamente somos tomados por cifras de destruição e morte
que são superadas quase tão rápido quanto são publicadas, tal é a escala de
carnificina. Ao menos até o momento do primeiro debate presidencial entre o
republicano Donald Trump e o democrata Joe Biden em 27/06, eram mais de 37 mil
palestinos mortos, entre os quais mais de 10 mil mulheres e quase 16 mil
crianças. Isso para não falar na escala da destruição, que já reduziu a maior
parte de Gaza a ruínas, incluindo a destruição, pelos israelenses, de todas as
universidades, seu assédio contínuo a instituições de saúde, com as poucas
ainda de pé operando em constante estado de crise, superlotadas, sem
suprimentos básicos e constantemente ameaçadas por ataques israelenses. Some a
isso denúncias, relatos, vídeos e fotos absolutamente aterradores que rodam o
mundo diariamente, de bombardeios a escolas que abrigam
refugiados, crianças mortas de desnutrição e
despedaçadas por bombas, campos de concentração e tortura, estupro e
requintes de crueldade como o recente relatório confirmando
que a jovem Hind Rajab, de apenas 6 anos, foi fuzilada com 335 tiros
israelenses quando estava presa em um carro com membros mortos de sua família,
mesmo depois de ter conseguido entrar em contato com o Crescente Vermelho para
pedir ajuda, e o cenário só pode ser descrito como de um pesadelo dos mais
sombrios.
Todo
esse massacre bárbaro e desumano é levado à frente com grande alegria pelos
sionistas à frente da entidade colonial que é o Estado israelense. Mas não o
fazem sozinhos. Só é possível ao Estado sionista que siga fazendo o que faz
graças à cobertura diplomática e militar do imperialismo americano, bem como
das potências europeias. De fato, os últimos meses viram a aprovação quase
unânime pelo governo americano de um pacote após o outro de dinheiro e armas
para abastecer o massacre sionista.
Mas
não se teria noção de todo esse cenário assistindo ao último debate
presidencial. Quando Trump e Biden se enfrentaram diante das câmeras da CNN, a
situação palestina foi pouco mais que uma nota de rodapé. Ao todo, os
candidatos gastaram menos de 5 minutos falando do assunto nas quase duas horas
de debate. As posições expressas por cada um dos candidatos são reveladoras,
mas mais ainda é seu silêncio - bem como do regime imperialista americano de
conjunto.
Biden:
apoio irrestrito ao genocídio, com notas de “relações públicas”
Biden
sempre foi, desavergonhadamente, um apoiador do sionismo e da limpeza étnica
perpetrada pelo Estado israelense. Desde seus anos como senador, era um
entusiástico promotor do regime e amigo próximo do lobby sionista no Capitólio,
a AIPAC. Desde o início da atual agressão contra Gaza, Biden garantiu aos
israelenses tudo o que poderiam querer e precisar para levar a frente a
completa destruição do enclave. Desde 7 de outubro, os Estados Unidos aprovaram mais de US$ 12,5
bi em ajuda militar ao Estado israelense, incluindo US$ 3,8 bi em março de
2024, parte de um acordo bipartidário, seguidos de US$ 8,7 bi em dotações
suplementares em abril. A maioria do dinheiro se dá na forma do programa de
ajuda militar estrangeira dos EUA, que deve ser gasto comprando da indústria
bélica americana, embora o Estado israelense goze de uma exceção especial que
permite que também use parte dos fundos para engordar seus próprios senhores da
guerra, coisa que nenhum outro recipiente tem direito a fazer.
Biden
não se furtou de reivindicar o generoso auxílio que garantiu para o massacre
israelense: se gaba de suprir os israelenses com "todas as armas que
precisam e quando precisam" e falou de como continua “a enviar nossos
consultores e especialistas, para que possam pegar o Hamas como fizemos com Bin
Laden", adicionando que o grupo palestino teria sido “grandemente
enfraquecido”. Não mencionado no debate, não pode ser esquecido o auxílio
prestado pelo “píer humanitário” construído pelos EUA na costa de Gaza para o
aterrador massacre do campo de refugiados de Nuseirat, onde 247 palestinos
foram chacinados por tropas israelenses, com ajuda americana, após invadirem o
local disfarçados de caminhões de ajuda humanitária - um crime de guerra
documentado em vídeo. Pouco tempo após a matança, o píer foi desativado sem ter
entregue praticamente nenhuma ajuda humanitária.
Mas
o apoio inabalável de Biden ao genocídio tem tudo para lhe custar caro nas
urnas. Com uma maioria de eleitores apoiando um
cessar-fogo e reprovando a conduta do atual presidente na crise, o octogenário - que nunca teve muito favor do eleitorado, mas
conseguiu, em 2020, canalizar a revolta contra Trump para uma vitória eleitoral
- claramente não conseguirá a mesma façanha após passar o último ano de sua
presidência apoiando a limpeza étnica de Gaza. Um sinal particularmente claro
disso é a alcunha de “Genocide Joe” com a qual ficou amplamente identificado,
em especial por setores de sua antiga base votante.
E
os democratas estão cientes disso. Os últimos meses em especial foram pautados
pelo espetáculo tragicômico de Biden tentando equilibrar seu apoio irrestrito à
carnificina sionista com uma suposta atuação pela “resolução do conflito” -
algo constantemente sabotado pelos próprios israelenses, nem um pouco dispostos
a sequer tentarem esconder suas intenções racistas e genocidas.
As
várias trapalhadas de Biden nos últimos meses - desde o anúncio de entrega
aérea de ajuda humanitária a Gaza, seguida imediatamente pela notícia de
palestinos mortos por caixas de comida cujos paraquedas falharam, até a suposta
“linha vermelha” contra a invasão de Rafah, solenemente ignorada pelo Estado
israelense sem nenhuma consequência (e ainda acompanhada de insultos e ameaças de políticos israelenses de que
propositalmente usariam armas que matam mais civis) - culminaram em suas respostas no debate, onde tentou, entre
outros, qualificar seu comentário sobre entregar aos israelenses todas as armas
que precisem dizendo que "a única coisa que eu neguei foram bombas de 2000
lb", o que justifica com uma suposta preocupação com o dano colateral que
causam em áreas densamente populadas. O fato de que foi exatamente esse tipo de
munição, de fabricação americana, o usado no notório Massacre das Tendas, que matou palestinos queimados vivos um campo de refugiados e
criou cenas apocalípticas de corpos carbonizados e uma criança decapitada pela
explosão, tornam a fala de Biden, no mínimo, pouco impactante.
Outro
episódio do tipo foi a ridícula farsa do “acordo de cessar-fogo” que Biden
apresentou ao mundo pouco antes do início da corrida presidencial, alegando ser
um plano com o qual o Estado israelense já havia concordado. Levaram poucas
horas para que não só Netanyahu pessoalmente desmentisse isso, mas membros de seu governo ameaçassem implodir a coalizão governante
e essencialmente derrubar o primeiro ministro israelense caso o acordo fosse
aceito. Apesar disso, Biden insistiu em repetir a
mentira no debate, alegando que “o único que quer que a guerra continue é o
Hamas”. Essencialmente, Biden sabe que a continuidade da guerra é impopular,
especialmente com seus eleitores, e tenta desesperadamente fazer parecer que
trabalha pela paz. Mas sua incapacidade (e, evidentemente, indisposição) a
contrariar os israelenses em qualquer nível o impede de sustentar essa
narrativa sequer no nível da demagogia eleitoral.
Trump:
torcendo pelo banho de sangue mas evitando falar muito
A
posição de Trump é diferente, no nível discursivo, por alguns motivos.
Primeiramente, Trump sabe que, diferentemente de Biden, não enfrenta
contradição quase nenhuma com sua base votante a apoiar abertamente o
assassinato de palestinos. Pode seguir livremente o que foi a linha de sua
presidência, quando reconheceu Jerusalém como a capital israelense e mudou para
a cidade sob ocupação militar ilegal a embaixada americana, antes localizada em
Tel-Aviv. Esse marco histórico na colaboração americana com a limpeza étnica da
Palestina ocorreu logo no início de seu mandato, em 2017, e deu o tom de anos
de relação muito próxima com Netanyahu e a extrema direita sionista - em
perfeito alinhamento com a ideologia da extrema direita cristã que constitui
sua base eleitoral em casa.
Exatamente
por esse motivo, não é difícil ver porque Trump pôde falar desavergonhadamente
que, diferentemente do que Biden falou, “na verdade, é Israel [quem quer
continuar a guerra], e você [Biden deveria deixá-los e deixar que terminem
o serviço”. Não há dúvidas de que Trump daria pleno seguimento a todo o apoio
americano ao genocídio, em tom ainda mais aberto e entusiástico.
Nesse
sentido, as breves falas também serviram para afastar quaisquer preocupações de
que Trump poderia ter uma posição mais isolacionista com relação ao tema, que
pairavam no ar em especial após um incidente há alguns meses, quando o ex-presidente pareceu responder de forma
favorável a um canto de “Genocide Joe” iniciado
na plateia em um de seus comícios, respondendo ambiguamente que “eles [que
estavam cantando] não estão errados. Ele [Biden] fez tudo errado”. Trump,
então, realinha seu discurso com um apoio inequívoco ao genocídio em curso.
Por
outro lado, a campanha republicana também não é cega à impopularidade do tema,
e Trump fez poucas afirmações categóricas sobre a guerra ou sua política para a
Palestina em geral. Perguntado sobre se apoiaria o estabelecimento de um Estado
palestino independente, evadiu a questão, soltando apenas um "eu teria que
ver..." antes de mudar de assunto. Isso mostra que, enquanto na prática
Trump agiu objetivamente durante sua presidência para minar qualquer
possibilidade de soberania palestina, mesmo que limitada, sua campanha parece
não considerar vantajoso romper publicamente com o que foi (pelo menos
nominalmente, nunca de forma efetiva) a linha americana desde Oslo.
·
O silêncio sorridente de Washington
O
pouco dito pelos candidatos é suficiente para revelar a aparentemente paradoxal
quase ausência do tema no debate da última quinta-feira. Independentemente da
relevância do que transcorre na Palestina, o motivo pelo qual não há quase nada
a ser dito pelos representantes das elites governantes americanas é que eles
concordam em praticamente tudo. A diferença que expressam é essencialmente
discursiva: Biden tem nas mãos o ferro quente de presidir sobre um genocídio,
uma posição altamente impopular, mas da qual não pode se afastar sequer um
centímetro. Tenta em vão distanciar sua imagem da carnificina, mas as próprias
ações de seu governo o impedem disso. Trump, por sua vez, goza da liberdade
típica dos candidatos de oposição - pode criticar Biden por todas suas posições
impopulares. Mas é estruturalmente incapaz de explorar a maior contradição de
seu oponente porque, diferentemente de temas como a saída americana do
Afeganistão, Trump não tem efetivamente nenhuma diferença com a linha de Biden.
Não pode fazê-lo sangrar por seu papel em Gaza porque não só sabe que faria o
mesmo, como não quer aparecer nem em discurso como quem faria diferente. Só
pode afirmar que faria pior, dizer que Biden deveria “deixar” que os genocidas
“terminem o serviço”. Uma fala repudiável, sem dúvidas, mas considerando que na
a administração de Biden os EUA não fizeram efetivamente nada para frear ou
mesmo desacelerar a investida israelense, acaba como uma diferenciação apenas
discursiva.
Ao
fim e ao cabo, este debate serviu acima de tudo para mostrar como, do ponto de
vista dos interesses do imperialismo americano, pouco importa se os sionistas
conduzirão seu genocídio com uma presidência azul ou vermelha na Casa Branca. O
apoio ao Estado israelense é constitutivo da própria existência do
imperialismo, e uma parte essencial de sua política para o Oriente Médio. Não
pode haver qualquer ilusão em qualquer candidato de ambos os partidos em uma
posição sobre o tema que não represente a continuidade do projeto que foi
levado a frente pelo imperialismo sem hesitação desde 1948.
Nos
EUA, o apoio irrestrito de Biden ao genocídio foi um ponto de desilusão para um
grande setor, especialmente de jovens, que acordaram nos últimos anos para a
vida política, em meio ao turbilhão da crise econômica sem horizonte de saída,
o ressurgimento da guerra no primeiro plano do cenário mundial, e a pandemia,
que colocou nu aos olhos de todos o fato de que os capitalistas alegremente
sacrificariam milhões de vidas humanas em nome de seus lucros, assim como
impressionantes processos de luta de classes como o Black Lives Matter e a
grande onda de sindicalização entre trabalhadores por todo o país. Para esses
jovens, que rejeitam o status quo imposto pelo triunfalismo
neoliberal - que foi de celebrar o suposto “fim da história” para criar uma
desigualdade inaudita e despejar sobre os trabalhadores de todo o mundo o peso
da crise e da miséria enquanto alçava um punhado de parasitas a riquezas antes
desconhecidas na história humana - os últimos meses foram de grande desolação,
mas também de muita fúria.
Fenômenos
como a grande onda de acampamentos estudantis pela Palestina mostraram o
ressurgimento de um incipiente sentimento de solidariedade internacional,
inclusive anti-imperialista, e apontam não apenas uma abertura, mas uma vontade
de uma mudança radical.
E é
justamente nesse desejo de mudança radical que está o caminho para o fim do
genocídio, a libertação da Palestina e, de fato, a destruição de todo esse
sistema de miséria que produz cenas patéticas e desumanas como esse debate
presidencial. A tarefa urgente é, nos EUA e em todo o mundo, organizar esse
ódio, e dotá-lo de uma estratégia revolucionária, capaz de superar a miséria do
possível imposta pelo podre sistema oligárquico americano - bem como pelos
regimes burgueses de todo o mundo - e construir uma saída dos trabalhadores, da
juventude, e das e dos oprimidos! Uma saída com independência total de todas as
variantes burguesas, que lute em todo o mundo contra toda forma de exploração e
opressão. Para isso, é preciso a construção de um partido revolucionário.
Fonte:
Esquerda Diário
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