sexta-feira, 26 de julho de 2024

'Nunca tantos tiveram tão pouco e tão poucos concentraram tanta riqueza', diz Lula em evento do G20

Em evento acompanhado pela Sputnik Brasil, o presidente diz que a fome e a desigualdade são escolhas políticas e que serão problemas recorrentes se não houver "uma governança mais efetiva e justa, na qual o Sul Global esteja adequadamente representado".

O Brasil formalizou nesta quarta-feira (24) a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, lançada para a adesão de países do G20. O evento ocorreu no Galpão da Cidadania, região central do Rio de Janeiro, e foi presidido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O evento foi acompanhado pela Sputnik Brasil. Dentre as autoridades presentes estavam o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, o ministro substituto da Cultura, Márcio Tavares, o ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, Wellington Dias, e a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco.

Lula iniciou seu discurso afirmando que, ao longo dos séculos, "a fome e a pobreza estiveram cercadas de preconceitos e interesses" e que "muitos viam os pobres como um 'mal necessário' e mão de obra barata para produzir as riquezas das oligarquias".

"Nas últimas décadas, a globalização neoliberal agravou esse quadro. Nunca tantos tiveram tão pouco e tão poucos concentraram tanta riqueza. Em pleno século 21, nada é tão absurdo e inaceitável quanto a persistência da fome e da pobreza, quando temos à disposição tanta abundância, tantos recursos científicos e tecnológicos e a revolução da inteligência artificial", disse o presidente.

Ele destacou que o número de pessoas que passam fome ao redor do mundo aumentou em mais de 152 milhões desde 2019, o que significa que 9% da população mundial, ou seja, 733 milhões de pessoas, estão subnutridas.

Ele frisou que "subsídios agrícolas em países ricos solapam a agricultura familiar no Sul Global" e que o protecionismo discrimina contra os produtos de países em desenvolvimento. Ele acrescentou que a fome não é decorrente apenas de fatores externos, mas sobretudo uma escolha política.

"Hoje o mundo produz alimentos mais do que suficiente para erradicá-la. O que falta é criar condições de acesso aos alimentos. Enquanto isso, os gastos com armamentos subiram 7% no último ano, chegando a US$ 2,4 trilhões [R$ 13,5 trilhões]. Inverter essa lógica é um imperativo moral de justiça social, mas também essencial para o desenvolvimento sustentável."

Ele afirmou que a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza nasce no G20, mas é aberta ao mundo e criticou os sistemas financeiros internacionais por falta de reformas que aumentassem a participação de países em desenvolvimento nessas entidades.

"Em 22 de julho de 1944, há exatos 80 anos, encerrava-se a Conferência de Bretton Woods. Desde então, a arquitetura financeira global mudou pouco e as bases de uma nova governança econômica não foram lançadas. A representação distorcida na direção do FMI [Fundo Monetário Internacional] e do Banco Mundial é um obstáculo ao enfrentamento dos complexos problemas da atualidade. Sem uma governança mais efetiva e justa, na qual o Sul Global esteja adequadamente representado, problemas como a fome e a pobreza serão recorrentes."

O presidente também enfatizou que o combate à desigualdade é uma das prioridades da presidência do Brasil no G20, e afirmou que "a riqueza dos bilionários passou de 4% do PIB [produto interno bruto] mundial para quase 14% nas últimas três décadas".

"Alguns indivíduos controlam mais recursos do que países inteiros. Outros possuem programas espaciais próprios. Vários países enfrentam um problema parecido. No topo da pirâmide, os sistemas tributários deixam de ser progressivos e se tornam regressivos. Os super-ricos pagam proporcionalmente muito menos impostos do que a classe trabalhadora", disse o presidente.

Ele afirmou que, para corrigir isso, o Brasil tem insistido no tema da cooperação internacional para desenvolver padrões mínimos de tributação global, fortalecendo as iniciativas existentes e incluindo os bilionários.

O combate à desigualdade também foi abordado no discurso do ministro Fernando Haddad, que afirmou que uma forma de mobilizar recursos para o combate à fome e à pobreza "é fazer com que os super-ricos paguem sua justa contribuição em impostos".

"A nosso pedido, o economista Gabriel Zucman preparou um estudo mostrando que se os bilionários pagassem o equivalente a 2% de sua riqueza em impostos, poderemos arrecadar de US$ 200 a US$ 250 bilhões [de R$ 1,1 a R$ 1,4 trilhão] por ano. Ou seja, aproximadamente cinco vezes o montante que os dez maiores bancos multilaterais dedicaram ao enfrentamento à fome e à pobreza em 2022", disse o ministro.

Antes do lançamento da aliança, o ministro Mauro Vieira fez um discurso de abertura do evento, no qual afirmou que em 2023 os países que integram a Organização das Nações Unidas (ONU) chegaram à metade do período da Agenda 2030, lançada pela organização para impulsionar o desenvolvimento sustentável. Porém, ele alertou que "não só estamos atrasados, como até recuamos na consecução de muitos dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável [ODS], como a erradicação da pobreza e da fome".

"O mundo está cada vez mais desigual. O 1% mais rico do mundo ficou com quase 2/3 de toda a riqueza gerada desde 2020, segundo dados da Oxfam. Os 10% mais ricos são responsáveis por metade das emissões de carbono no planeta. Em 2020, vimos um aumento da desigualdade global pela primeira vez em décadas, com incremento de 0,7% do Índice de Gini global", disse o ministro.

Posteriormente, o ministro Wellington Dias concedeu uma coletiva sobre a apresentação do relatório "O Estado da Segurança Alimentar e da Nutrição no Mundo 2024", na qual afirmou que o Brasil poderá sair do Mapa da Fome daqui a dois anos.

"Hoje eu digo com segurança que, no caminho em que estamos, é possível, dentro deste governo do presidente Lula, até 2026, sair do Mapa da Fome", afirmou o ministro ao apresentar os dados do relatório.

Ao final do evento, países do G20 aprovaram e endossaram o lançamento da aliança, dando aval a seus documentos constitutivos.

¨      Fortalecimento do BRICS faz G7 entender que deve discutir com os outros, diz Celso Amorim

Durante o States of the Future (Estados do Futuro), evento paralelo do G20 realizado no Rio de Janeiro nesta quarta-feira (24), Celso Amorim, assessor especial da Presidência da República para assuntos internacionais, destacou a necessidade da integração sul-americana e a ascensão do BRICS como novo polo da governança global.

Para Celso Amorim, se o Brasil quiser ter alguma influência no mundo, será preciso "fortalecer a integração da América do Sul".

Segundo o diplomata, o futuro da geopolítica global passará pela integração das regiões em blocos geoeconômicos. "Os Estados Unidos são um bloco em si mesmo, a União Europeia é um bloco por definição, a China é um bloco em si mesma, a Índia vai ser um bloco em si mesma em poucos anos."

"O Brasil é um país grande, muito respeitado, mas o Brasil não é um bloco […]. Se nós quisermos ter uma influência no mundo, [precisamos] fortalecer a integração da América do Sul."

O assessor especial para assuntos internacionais da Presidência afirmou que não descarta uma maior integração com a América Latina como um todo, mas é preciso encarar a realidade de que na outra ponta do continente estão os Estados Unidos, que exercem forte influência sobre o México.

Participando de uma discussão com Jorge Castañeda, ex-secretário de Relações Exteriores do México, Amorim foi lembrado de uma frase cunhada por Porfirio Díaz, ex-presidente do México: "Pobre do México, tão longe de Deus, tão próximo dos Estados Unidos", afirmou Amorim.

O diplomata, contudo, sublinhou que a integração sul-americana será um trabalho árduo, uma vez que o continente está "desorganizado", como pode ser visto através do esvaziamento da União de Nações Sul-Americanas (Unasul) e dos ataques políticos lançados pelo presidente da Argentina, Javier Milei, ao seu homólogo brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva.

"Esse será o nosso grande desafio. E é um desafio tão grande, porque eu também nunca vi a América do Sul, desde a democratização, tão desorganizada, tão sem olhar um para o outro."

Realizado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) em parceria com os ministérios da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, das Relações Exteriores e do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, o States of the Future visa reimaginar a atuação do Estado frente aos novos desafios do século XXI, como as mudanças climáticas e a ascensão das economias emergentes.

BRICS fortalecem o G20

A formação de blocos reflete a transformação do mundo, que se torna cada vez mais multipolar e representativo, disse Amorim. "O próprio fórum do G20 é já um começo de mudança da governança global."

"Se nós formos pensar antes da crise de 2008, não havia nada parecido com o G20. Havia o G20 lá no FMI [Fundo Monetário Internacional], mas que não tinha influência alguma, não iam nem sequer os ministros. Era um G20 abstrato."

"Se você olhar o G20, se ele ficar um pouquinho menos europeu e um pouquinho mais africano, e tiver uma representação adequada dos países pequenos — porque eles não estão representados —, ele seria razoavelmente correspondente ao que deve ser o mundo de hoje, o que deve ser a governança [global]."

No pós-Segunda Guerra, quem decidia os rumos mundiais era o G7, "mais especificamente os Estados Unidos". No entanto a realidade da mudança geoeconômica se impôs, afirmou o assessor especial.

"Eu estava do lado do presidente Lula quando o presidente [George W.] Bush propôs a criação do G20. Não se pode dizer que o presidente Bush fosse um presidente reformista. Foi uma imposição da realidade."

O segundo painel da tarde contou com a presença de autoridades globais, como Michelle Bachelet, ex-presidente do Chile; Tonika Sealy-Thompson, embaixadora de Barbados no Brasil; Silvio Almeida, ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania; Epsy Campbell Barr, presidente do Fórum Permanente das Nações Unidas sobre Afrodescendentes; e Carlos Correa, diretor-executivo da organização intergovernamental The South Centre, além de Celso Amorim.

De acordo com o diplomata, por trás da ascensão do G20 como fórum de discussão dos rumos globais está o BRICS, grupo de países de economias emergentes que, juntos, já detêm uma parcela do PIB mundial maior que a dos países do G7.

"É o fortalecimento do BRICS que leva os países do G7 a entenderem que eles têm que discutir com os outros."

"Hoje circulou na ONU, não é uma proposta de resolução, é apenas a circulação de um documento, mas um projeto do Brasil e da China com relação à Ucrânia", exemplificou. "É o Sul querendo se meter em assuntos que eram tipicamente do Norte."

 

Fonte: Sputnik Brasil

 

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