4 razões
por que franceses votaram no partido de direita radical de Marine Le Pen
O
partido de direita radical Reunião Nacional (NR) saiu como vencedor do primeiro voltaram para o partido
liderado por Marine Le Pen e
Jordan Bardella como nunca antes, permitindo-lhes vencer pela primeira vez as
eleições parlamentares francesas?
O
simples fato de isso ter se tornado possível é histórico, diz o veterano
comentarista político francês Alain Duhamel.
·
1. Razões internas e a
economia
No
topo da lista de preocupações dos eleitores está a crise do custo de vida, que
afetou o poder de compra, bem como o aumento dos preços da energia, acesso a
cuidados de saúde e o medo da criminalidade.
Embora
a economia francesa esteja bem de maneira geral, no interior do país, longe das
grandes cidades, as pessoas dizem que se sentem ignoradas pelo governo,
enquanto o desemprego regional em algumas áreas é elevado e pode até atingir
25% da população.
A
moradia é inacessível para alguns, enquanto em algumas áreas as escolas e centros
de saúde nessas regiões fecharam as portas devido a cortes de orçamento.
O
economista Thomas Piketty disse à BBC que os "vencedores da
globalização" formam o principal bloco de apoio a Macron, e aqueles que se
sentem deixados para trás estão inclinados para a direita radical.
Piketty,
autor do best-seller O Capital no Século 21, identifica uma grande
base de apoio da direita "em pequenas cidades que tiveram uma grande perda
de indústria e têm muitas dificuldades de acesso a serviços públicos, como
linhas de trem e hospitais que foram fechados".
"É
diifícil educar os filhos quando se vive longe dos grandes centros", diz.
Patrick,
morador da cidade de Pontault-Combault, a leste de Paris, votou no RN nas
eleições para o Parlamento Europeu. "As pessoas querem mudanças aqui e
estão motivadas a votar", diz Patrick. "Eles não ficam felizes quando
se sentem inseguras nas ruas."
Aurélie,
uma faxineira de 37 anos com um filho de dois anos, na cidade de Amiens, no
norte da França, onde Macron cresceu, diz que a segurança é o tema que a levou
a votar no RN.
"Eu
acordo todas as manhãs às 4h30 para ir trabalhar. Eu costumava andar de
bicicleta ou caminhar em qualquer lugar de Amiens. Não mais. Agora vou no meu
carro", disse ela à BBC. "Sempre há rapazes por perto e tenho
medo."
Também
entre as preocupações dos eleitores está a previdência social, depois de Macron
sancionar no ano passado a reforma altamente impopular que aumentou a idade de
aposentadoria de 62 para 64 anos.
Macron
disse que a reforma era essencial para evitar o colapso do sistema
previdenciário.
Os
recentes aumentos acentuados no custo da eletricidade e do gás para aquecimento
das casas são um grande problema para os eleitores, e o líder da RN, Jordan
Bardella, disse que se concentraria na redução do IVA (imposto sobre vendas)
sobre energia e em mais de 100 bens essenciais, além de revogar a reforma
previdenciária do governo Macron.
·
2. Insatisfação com o
sistema político
Os
eleitores do RN também dizem que o sistema político do país não funciona mais e
que o partido de Le Pen ainda não foi testado no governo.
"Precisamos
de mudança", disse Jean-Claude Gaillet, 64 anos, morador de
Hénin-Beaumont, à agência de notícias Reuters após a votação de domingo.
"As coisas não mudaram e devem mudar."
Outra
apoiador do RN, Marguerite, de 80 anos, também moradora de Hénin-Beaumont,
afirmou: "Eles conseguiram avançar porque as pessoas estão fartas.
Portanto, as pessoas dizem agora: 'Não nos importamos, vamos votar e ver o que
acontece'."
"Mas
agora, tenho medo que outros partidos políticos coloquem obstáculos no caminho.
Votamos, estes são os resultados, temos que aceitá-los e ver o que
acontece."
Mas
uma moradora da cidade vizinha de Oignies, Yamina Addou, disse estar chocada
com o sucesso da direita radical.
Segundo
ela, os eleitores "foram manipulados para apoiar a direita e que essa
decisão pode levar a divisões graves e perigosas na sociedade francesa."
"Isso
me choca. Acho muito triste, porque acho que as pessoas não percebem o que está
acontecendo. Eles levam em consideração apenas o poder de compra e outras
coisas de curto prazo."
"Mas
por trás disso há muitas ideias e manipulações, que nos levarão a um tipo
diferente de guerra. Ao contrário da Primeira e da Segunda Guerra Mundial, será
algo muito mais sutil. As pessoas não percebem que haverá uma guerra civil, é o
que penso, e que pessoas como nós é que vamos sofrer."
Muitos
culpam Macron pela atual crise do país.
Sophie
Pedder, chefe da sucursal da revista britânica The Economist em Paris, disse à
BBC: "Macron criou um movimento consensual para reunir pessoas de todas as
diferentes convicções políticas. Funcionou e foi para pôr fim às intermináveis disputas que aconteciam no Parlamento".
"Mas
o resultado é que todos os moderados da esquerda e da direita aderiram ao
partido de Macron e isso [apenas] deixou uma alternativa para as pessoas: os
extremos."
·
3. Imigração e 'perda'
da identidade francesa
Ao
longo dos anos, Marine Le Pen, líder do RN no Parlamento, tem trabalhado para
tornar o seu partido mais popular e mais aceitável para os eleitores franceses.
Ela
afastou o partido das raízes antissemitas e extremistas de seu pai, Jean-Marie
Le Pen, e de seus colegas fundadores da Frente Nacional, e o renomeou como
Reunião Nacional.
No
entanto, continua a ser um partido populista, eurocético e fortemente
anti-imigração.
O
seu atual líder, Jordan Bardella, disse que quer proibir os cidadãos franceses
com dupla nacionalidade de ocupar cargos estratégicos sensíveis, chamando-os de
"meio-nacionais".
Ele
também quer limitar o bem-estar social para os imigrantes e se livrar do
direito automático à cidadania francesa para crianças com pais nascidos fora do
país.
Uma
candidata do RN, Ivanka Dimitrova, disse à BBC que o partido tomaria medidas
contra os imigrantes que gostariam de ter a sua lei religiosa acima das leis da
nação francesa.
Não
há provas de que esta seja uma crença dominante nas comunidades de imigrantes,
e o partido também não deixou claro em que consistiria a "ação", para
além da lei atual.
Leila
Abboud, chefe da sucursal do jornal Financial Times em Paris, afirma: "A
opinião pública na França endureceu contra a imigração na última década: talvez
se possa atribuir isso à crise de refugiados da guerra na Síria em 2015".
Quando
se trata da União Europeia, o RN prometeu acabar com a primazia das leis
europeias, uma pedra angular do projeto da UE.
Mas
as políticas anti-Otan e anti-UE foram suavizadas e os laços estreitos do
Reunião Nacional com a Rússia de Vladimir Putin foram silenciosamente
abandonados. Sair da UE não está na agenda desde 2022.
·
4. A direita radical
nas redes sociais
O
RN tem feito campanha com sucesso com base em slogans e ideias simples,
aproveitando os receios das pessoas de perderem a sua identidade francesa e a
crise mais ampla do custo de vida.
Eles
usaram as redes sociais de forma muito eficaz para aumentar seu perfil e fazer
com que os eleitores se sentissem confiáveis e
familiares.
"Na
França, chamamos Jordan Bardella de político do TikTok porque ele é um político
que mobiliza as redes sociais e está muito à vontade com isso", disse
Vincent LeBrou, da Université de Franche-Comté, ao programa Newsnight da BBC.
"É
algo que tem contribuído bastante para o perfil dele. Você não sabe exatamente
o que ele está propondo, mas vê muito."
"Muitas
pessoas [que votaram no RN] não são racistas", diz Charles Culioli, um
candidato de esquerda do NPF que se opõe ao NR. "Eles estão simplesmente
fartos do sistema, estão fartos das políticas de Macron, de todas as coisas que
lhes foram prometidas."
¨
O que esperar do 2º
turno das eleições antecipadas na França?
O
Reagrupamento Nacional (RN) de direita de Marine Le Pen liderou o primeiro
turno na França, obtendo 33,4% dos votos no domingo (30). A coligação de
esquerda Nova Frente Popular ficou em segundo lugar, garantindo 27,99%,
enquanto a aliança de centro-direita do presidente Emmanuel Macron, Juntos,
ficou em terceiro lugar com 20,04%.
A
aliança de centro-direita do presidente Emmanuel Macron, Juntos, foi
"praticamente eliminada" pelo RN, de direita, de Marine Le Pen, no
primeiro turno das eleições antecipadas para a Assembleia Nacional da França.
Foi assim que o líder da coligação parlamentar do partido de direita francês se
referiu aos resultados do primeiro turno das eleições parlamentares. Após o
segundo turno, o RN poderá conquistar entre 230 e 280 cadeiras — uma maioria
relativa — na câmara baixa de 577 cadeiras, de acordo com cálculos da TV
nacional, uma vez que anteriormente tinha apenas 88 assentos. Está previsto que
a coligação de Macron perca mais de 160 assentos, ganhando potencialmente
apenas entre 70 e 100.
Mas
ainda há o segundo turno da votação, no dia 7 de julho, veja então como ele
funciona.
Três
grandes blocos políticos estão competindo por assentos na Assembleia Nacional:
a direita com o Reagrupamento Nacional (RN), a aliança centrista do presidente
francês Emmanuel Macron, Juntos, e a coligação Nova Frente Popular.
De
acordo com o sistema multipartidário francês, para garantir a maioria absoluta
na Assembleia Nacional, um partido ou bloco deve obter mais de 50% dos votos,
ou pelo menos 289 assentos dos 577. Além disso, a participação eleitoral deve
atingir pelo menos 25% no primeiro turno das eleições. Durante este turno,
qualquer candidato que não consiga obter o apoio de pelo menos 12,5% dos
eleitores registrados localmente é eliminado da disputa.
·
Quem entra no 2º turno?
Os
legisladores são eleitos por distrito e, nos círculos eleitorais onde nenhum
candidato vence no primeiro turno, os dois primeiros candidatos passarão para o
segundo turno. Além disso, qualquer candidato que obtenha mais de 12,5% do
número total de eleitores registrados naquele círculo eleitoral também
participará do segundo turno.
·
Que manobras políticas são esperadas?
Aproximadamente
300 círculos eleitorais podem potencialmente entrar em eleições triplas, com as
pesquisas sugerindo que muitos eleitores estão inclinados ao partido RN.
Portanto, não é inesperado que os políticos de centro-direita e centro-esquerda
estejam planejando implementar uma estratégia testada e comprovada conhecida
como "frente republicana". Essa tática envolve a retirada de um
candidato de um terceiro partido da disputa e o incentivo aos eleitores a se
unirem em torno do candidato em segundo lugar.
O
primeiro-ministro francês, Gabriel Attal, já declarou que a coligação centrista
de Macron retirará cerca de 60 dos seus candidatos para permitir que outros
candidatos tenham uma oportunidade de derrotar o RN.
"Tomamos
uma decisão que diz respeito a mais de 60 círculos eleitorais. Isso implica a
retirada dos nossos candidatos. O seu possível terceiro lugar levaria à vitória
de um legislador do Reagrupamento Nacional sobre um candidato de outro partido
que partilha os valores da república, como nós", afirmou Attal no domingo.
Os
candidatos que vão para o segundo turno têm até a noite de terça-feira (2) para
decidir se renunciam. Quem obtiver mais votos no segundo turno ganha a cadeira
no distrito eleitoral.
·
Quais cenários pós-segundo turno são
possíveis?
Se
um partido político ou aliança que não seja a aliança centrista de Macron
obtiver a maioria, o presidente será obrigado a nomear um primeiro-ministro
dessa nova maioria. Esse cenário levaria a um acordo de partilha de poder
conhecido como coabitação. É previsto que esse tipo de acordo persista durante
o resto do mandato de Emmanuel Macron, até 2027.
Sob
coabitação, o governo francês poderia implementar políticas que divergem da
posição do presidente.
Aliás,
não é de todo um acordo que Jordan Bardella — o político francês que é
presidente do RN desde 2022 — se torne primeiro-ministro. Segundo a
Constituição, é Macron quem decide quem lidera o próximo governo.
O
próprio Bardella insistiu que não se tornará primeiro-ministro a menos que o RN
obtenha a maioria absoluta, dizendo: "Não quero ser assistente do
presidente."
Entretanto,
os cartazes de campanha do RN parecem sugerir a probabilidade de Bardella ser
primeiro-ministro.
Na
história da França, a última coabitação deste tipo (1997-2002) ocorreu sob
Jacques Chirac, com as questões de política interna efetivamente nas mãos do
primeiro-ministro socialista Lionel Jospin, enquanto o conservador presidente
francês tratava de questões de política externa e de defesa.
Independentemente
do resultado das eleições, Macron prometeu que não renunciaria ao cargo de
presidente.
Fonte:
BBC News Mundo/Sputnik Brasil
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