terça-feira, 4 de junho de 2024

Vale o alerta! Um terço de Minas está sob ameaça de desastres

Uma em cada três cidades de Minas Gerais corre risco crítico para ocorrência de desastres naturais, conforme números da Secretaria Especial de Articulação e Monitoramento da Casa Civil da Presidência da República, segmentados pelo Núcleo de Dados do EM. No total, são 283 municípios mineiros nessa situação, um total que subiu 185% desde o levantamento anterior, feito em 2012 pelo mesmo órgão. À época, o estado tinha 99 prefeituras nesse quadro, mas uma mudança de metodologia do órgão, justamente para melhorar a resposta a catástrofes do tipo, fez o número de prefeituras disparar.

A lista tem o objetivo de facilitar o direcionamento de políticas públicas por parte do governo federal, sobretudo no âmbito do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) – a União pretende investir R$ 1,7 trilhão em diversas obras pelo país até 2026 a partir do Novo PAC, lançado em agosto do ano passado (leia mais na página ao lado). São 184 cidades mineiras em risco crítico de desastre natural incluídas no levantamento mais recente, que se somam às 99 que já o integravam. A Casa Civil considera três tipos de tragédias: deslizamentos, enxurradas e inundações.

Considerando os três recortes, há casos de prefeituras mineiras que registram todos os parâmetros em situação crítica, como os casos de Belo Horizonte, Contagem, Juiz de Fora, Montes Claros, Betim e Ribeirão das Neves, só para citar municípios com mais de 300 mil habitantes. Na realidade, a União enquadra a maior parte das cidades mineiras incluídas no levantamento nessa dura realidade: 159 das 283, ou 56% daquelas listadas, convivem com esse cenário de insegurança em diferentes frentes a cada período chuvoso.

Na última temporada de cheias, iniciada em outubro do ano passado e finalizada em março, o Gabinete Militar do Governador, onde está lotada a Coordenadoria Estadual de Defesa Civil, emitiu 96 decretos de situação de anormalidade por desastres relacionados às chuvas em Minas. Outros nove reconhecimentos do tipo aconteceram na primeira quinzena de abril, após o período de pluviosidade oficial, mas ainda provocados pela combinação entre as precipitações de alta intensidade e a falta de infraestrutura das cidades.

No total, o estado teve 105 cidades com decreto de situação de anormalidade por conta das chuvas. Dessas, 56 (53%) também integram o mapeamento feito pelo governo federal acerca dos municípios em estado crítico para ocorrência de desastres.

São 1.942 cidades em risco crítico no Brasil, de acordo com a nota técnica da Casa Civil do governo Lula (PT). Portanto, 34,8% das 5.570 prefeituras brasileiras vivem sob ameaça de inundações, enxurradas e/ou deslizamentos. Até por ter mais municípios, Minas é o estado com mais prefeituras listadas (283), à frente de Santa Catarina (207), São Paulo (172), Rio Grande do Sul (142) e Bahia (137).

O governo federal também compila o número de habitantes em risco. Nesse recorte, Minas está em terceiro lugar com 1,4 milhão de pessoas, sendo superada por Bahia (1,46 milhão) e São Paulo (1,55 milhão). No entanto, esse número precisa ser visto com cautela, já que a base de dados da União apresenta várias prefeituras sem registro exato de cidadãos vulneráveis.

Em Minas, 120 cidades registradas não apresentam a informação da população em risco, o que totaliza 42% do levantamento total de prefeituras. Por outro lado, entre aquelas que a Casa Civil tem o detalhamento, a maior concentração de pessoas ameaçadas está em Belo Horizonte, onde 389 mil correm os riscos de deslizamento, enxurrada e inundação. Depois, aparecem Ribeirão das Neves (cerca de 180 mil), Juiz de Fora (aproximadamente 130 mil) e Ibirité (quase 50 mil).

•                                    Especialista analisa os dados

Quando fez o primeiro levantamento para mapear as cidades em risco de desastre ambiental, há mais de 10 anos, a Casa Civil considerou dados históricos desse tipo de evento, como o dado de pessoas desalojadas/desabrigadas, a recorrência de catástrofes, as mortes e o total de domicílios atingidos. A alta no número de municípios na pesquisa deste ano não é por acaso. O governo ampliou o seu leque e integrou novas bases de informações de diferentes órgãos, ligados aos ministérios da Integração e do Desenvolvimento Regional; das Cidades; da Ciência, Tecnologia e Inovação; de Minas e Energia; e do Meio Ambiente e Mudança do Clima.

Para o geógrafo Alecir Moreira, doutor e professor da PUC Minas, o aumento no número de cidades não tem relação direta com as mudanças climáticas. Mas, para ele, a ampliação da base de dados por parte do governo é um passo importante para o monitoramento desses desastres, que é motivado pela intensificação das discussões acerca dos impactos do aquecimento global. "O mundo inteiro quer compreender como surgem esses desastres, porque isso impacta diretamente na economia, nas pessoas e no patrimônio. A ciência tem se debruçado para entender essas catástrofes. Isso faz com que a gente procure aperfeiçoar os métodos para traduzir melhor a realidade", diz.

O fato de o documento servir como balizador das políticas públicas do Novo PAC é um indício do que explica o professor. "Isso dá um pouco a tônica do que estou dizendo. O objetivo com essa mudança dos critérios é proteger o investimento público. Correr menos riscos com esse capital. Um dos grandes problemas que temos no país é a habitação. Os desastres acontecem em locais onde vive a população mais vulnerável. Então, os governos que têm uma preocupação social maior são exigidos a dar uma resposta para isso", afirma o especialista da PUC Minas.

•                                    “Passou levando tudo”

Uma das cidades listadas no levantamento deste ano, portanto que não estava no anterior, é Raposos, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. A dona de casa Márcia Lages Soares de Barros, de 57 anos, perdeu todos os móveis e eletrodomésticos na enchente ocorrida em 2022 no município. Foi a segunda vez que a família – formada por ela, pela filha, pelo genro e por dois netos ainda crianças – perdeu tudo.

“Quando eu assustei, a água já estava pegando na minha perna. Eu falei ‘não vou sair’, mas meu filho me carregou para fora. A água passou levando tudo. Eu sentei na rua e comecei a chorar”, afirma a mulher. Ela cobra maiores investimentos do poder público no Rio das Velhas, que passa próximo à moradia da família.

Sem condições financeiras para se mudar, Márcia continua convivendo com o medo a cada nuvem carregada que surge no céu. Em situação melhor, o vizinho da família se mudou e largou o imóvel ameaçado para trás. “Fico morrendo de medo. A gente tem que agradecer a Deus, porque quando o rio enche ainda dá tempo de chegar na rua, de sair de casa. Saímos só com a roupa do corpo, mas saímos vivos”, diz.

A dona de casa reclama da falta de investimentos do poder público para prevenir enchentes. “Acho que deveriam ter dado uma limpeza no rio depois de 2020. Foram muitos móveis, muita coisa jogada no rio, que desceu da casa da gente. Aqui ninguém fez nada. Quando o rio enche, daqui de casa a gente vê os pedaços de entulho nele”, relata. “Graças a Deus a chuva veio controlada esse ano. Daqui, a gente vê o rio enchendo e já fica apreensiva. Vivemos na incerteza. Se ela (a enchente) vem do mesmo jeito que veio no Rio Grande do Sul já era”.

Novo PAC em Minas

Dos R$ 1,7 trilhão que o governo federal vai destinar no âmbito do Novo PAC, R$ 601,1 bilhões vão ser aplicados no eixo "Cidades Sustentáveis e Resilientes", o que interfere diretamente no combate a desastres naturais, a partir da urbanização de vilas e favelas, esgotamento sanitário, contenção de encostas e drenagem e gestão de resíduos sólidos.

No sub-eixo de contenção de encostas, que trata diretamente do problema, serão R$ 15,3 bilhões para conclusão e retomada de 86 obras. Dessas, 28 estão em Minas Gerais. Uma, inclusive, está concluída: a implantação de obras de macrodrenagem na Bacia do Córrego Santa Vitória, na cidade de mesmo nome, no Triângulo Mineiro.

Outras sete intervenções estão em execução. Quatro delas em BH. A primeira é mais generalizada e trata de contenções de encostas em áreas de risco espalhadas pela cidade. A segunda é a ampliação da seção e adequação das declividades do Parque Linear, que passa nas bacias dos córregos Pampulha, Onça e Cachoeirinha. A terceira se volta ao Barreiro: drenagem urbana sustentável do Córrego Túnel Camarões. Já a quarta acontece na mesma região e com o mesmo objetivo, porém nos córregos Jatobá e Olaria.

As outras três obras em andamento no âmbito do Novo Pac – Cidades Sustentáveis e Resilientes estão em Contagem (macrodrenagem do Complexo Maracanã); Governador Valadares (contenções de encostas generalizadas); e Ouro Preto (o mesmo objetivo de Valadares).

As outras 19 obras estão em fase de “ação preparatória”, segundo o governo federal. Dessas, três estão em BH: a retomada e conclusão de contenções de encostas em áreas de risco em diferentes áreas da cidade; a implantação de macrodrenagem no Córrego Cachoeirinha; e a macrodrenagem no Bairro das Indústrias, no Barreiro.

As outras intervenções se voltam às cidades de Além Paraíba (Mata), Betim (Grande BH), Cataguases (Mata), Contagem (Grande BH), Ibirité (Grande BH), João Monlevade (Central), Juiz de Fora (Mata), Muriaé (Vale do Rio Doce), Nova Lima (Grande BH), Pouso Alegre (Sul), Sabará (Grande BH), Santa Luzia (Grande BH) e Timóteo (Vale do Rio Doce).

O Novo PAC também vai realizar duas obras que passam por diferentes prefeituras da Zona da Mata mineira. Uma primeira em Matias Barbosa, Ewbank da Câmara e Visconde do Rio Branco; e outra em Ervália, Diogo de Vasconcelos, Sabinópolis, Manhumirim e Lajinha.

“Um dos grandes problemas que temos no país é a habitação. Os desastres acontecem em locais onde vive a população mais vulnerável. Então, os governos que têm uma preocupação social maior são exigidos a dar uma resposta para isso”, diz Alecir Moreira - Geógrafo, doutor e professor da PUC Minas

 

•                                    Cheias também castigam o Norte de Minas Gerais

Historicamente castigada pelas secas, em um paradoxo, a Região do Norte de Minas Gerais também conta com municípios em risco crítico para ocorrência de desastres naturais, listados pela Secretaria Especial de Articulação e Monitoramento da Casa Civil da Presidência da República. São Francisco e Itacarambi, banhadas pelo Rio São Francisco; Jaíba, cortada pelo Rio Verde Grande; e Salinas são as cidades ameaçadas, conforme o levantamento revisado neste ano.

Salinas, conhecida como a Capital da Cachaça, enfrentou sérios problemas com inundação no final de 2021, quando mais de 1 mil ficaram desalojadas. Em 15 de novembro do ano passado, voltou a sofrer danos com uma forte chuva. De acordo com os números segmentados pelo Núcleo de Dados do EM, o município tem 500 pessoas em risco de enxurradas e inundações.

O desastre de 2021 arrancou o asfalto de ruas, derrubou pontes e causou perdas no comércio de Salinas, além de outros danos. Já em 15 de novembro do ano passado, em uma hora, foram registrados 137 milímetros de precipitação na cidade. O dilúvio deixou outro rastro de prejuízos.

Hoje, além de dar prosseguimento às obras para tentar recuperar os estragos provocados pelas chuvas do passado, a prefeitura do Norte de Minas adota providências para prevenir outros desastres naturais. O coordenador da Defesa Civil de Salinas, Richarley Viana Dias, informa que o município possui um plano de contingência para conter danos das inundações. “A Defesa Civil realiza constantemente atualizações do mapeamento das áreas de risco, além de efetuar vistorias em inúmeros pontos críticos”, diz.

Richarley afirma que o órgão municipal também realiza o acompanhamento constante do nível da barragem do Rio Salinas e “acompanha os índices pluviométricos, gráficos, dados e demais informações para evitar desastres”. Ele salienta ainda que a área da cidade mais vulnerável às inundações é o Alto São João, onde é feito o monitoramento com “ações mitigadoras” para impedir os prejuízos durante os períodos de chuvas intensas.

•                                    Passado acende o alerta

Já em São Francisco, onde 721 cidadãos estão em risco de enxurradas e inundações a cada período chuvoso, sofreu com cheias do Velho Chico recentes e no passado. A maior delas aconteceu em 1979, quando uma enchente histórica atingiu o Norte de Minas e o Sul da Bahia. Logo depois daquele ano, em um projeto capitaneado pelo governo federal, o poder público construiu um sistema de proteção em diques na cidade, mesma medida adotada em outros municípios ribeirinhos – como Januária, Itacarambi e Pirapora.

O superintendente municipal da Defesa Civil de São Francisco, Rumenig Barbosa Martins, lembra que, além de estar sujeita às inundações provocadas pelo Velho Chico, o município conta com áreas baixas, onde ocorrem alagamentos por fortes chuvas, como os bairros Luzia, Sagrada Família, São José e Centro. Porém, ele assegura que a cidade está atenta às medidas preventivas contra os desastres naturais. “A Defesa Civil municipal conhece (a situação), tem o mapeamento das áreas de risco e monitora constantemente o nível do Rio São Francisco por meio de uma régua instalada na orla”, afirma Rumenig. A prefeitura local também monitora os riscos ambientais a partir do Sistema Hidro-Telemetria, administrado pela Rede Hidrometeorológica Nacional (RHN), que monitora o São Francisco em todas as cidades cortadas pelo curso d’água.

“Monitoramos também a usina hidrelétrica de Três Marias, que tem importante influência nas águas do Velho Chico, bem como os rios afluentes, que quando estão cheios provocam uma elevação do seu nível, principalmente nos períodos chuvosos. Além disso, mantemos atenção ao tempo por meio do Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia), do Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais) e dos demais órgãos do governo”, afirma Rumenig, superintendente da Defesa Civil de São Francisco.

O gestor ainda sustenta que a prefeitura adotou providências para impedir os prejuízos com as frequentes inundações. “Nosso município tem sistemas de drenagem que estão sendo aprimorados. Temos sistemas preventivos, como casas de bombas que evitam o transbordamento de bacias de contenção, principalmente nos bairros Luzia e Quebra, os mais vulneráveis a esse tipo de desastre”, diz. Ele acrescenta que a cidade já tem duas casas de bombas e está sendo construída uma terceira para mitigar os efeitos da combinação entre chuva e falta de infraestrutura.

•                                    Outras cidades

A Prefeitura de Itacarambi, onde 790 pessoas correm risco de enxurradas e inundações, segundo a Casa Civil, também garante que tomou as medidas preventivas para evitar os desastres naturais. A cidade também é banhada pelo Rio São Francisco. “Fazemos e sempre atualizamos nosso plano de contingência, a partir do mapeamento das áreas de riscos na zona rural e no perímetro urbano”, afirma a Defesa Civil de Itacarambi em nota. “Acompanhamos os alertas emitidos pelos órgãos ambientais e por sites confiáveis. Depois, emitimos informações de alerta constantes aos moradores das áreas de risco”, completa o órgão municipal. A Prefeitura de Itacarambi informa, ainda, que recentemente fez obras de drenagem pluvial nos bairros Nossa Senhora de Fátima e São José, a fim de amenizar os problemas de alagamento.

O coordenador da Defesa Civil de Jaíba, Jalisson Costa Oliveira, garante que a prefeitura está sempre atenta para os riscos de inundações de terrenos mais baixos na área urbana, situadas nas margens do Rio Verde Grande e no Bairro Jardins, localizado junto a duas lagoas. São locais onde os moradores sofreram com alagamentos no passado. “A prefeitura adota medidas preventivas e sempre está atualizando o plano de contingência e mantendo a população sempre alerta. O município sempre executa obras estruturais de drenagem para reduzir os impactos dos alagamentos. Em algumas situações, até fazemos instalações de bombas em algumas lagoas para evitar inundações”, afirma Jalisson.

 

Fonte: em.com

 

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