sábado, 1 de junho de 2024

'Todos os olhos em Rafah': o movimento global compartilhado por mais de 44 milhões de pessoas

Uma imagem que mostra acampamentos de refugiados palestinos e a frase “Todos os olhos em Rafah”, gerada por Inteligência Artificial, está percorrendo as redes sociais.

A BBC Árabe identificou a Malásia como a origem da postagem, que já foi compartilhada por mais de 44 milhões de usuários do Instagram – incluindo celebridades da Índia, Paquistão e Porto Rico.

A imagem e a frase viralizaram após o recente ataque aéreo israelense a um campo de refugiados palestinos na cidade de Rafah, no sul de Gaza, e o incêndio que se seguiu.

Segundo o ministério da saúde administrado pelo Hamas, pelo menos 45 pessoas morreram, inclindo várias mulheres e crianças. Outras centenas foram tratadas por queimaduras graves, fraturas e ferimentos por estilhaços.

Vários líderes mundiais, chefes de estado e organizações internacionais condenaram a ação e expressaram tristeza pelas mortes.

Benjamin Netanyahu, o primeiro-ministro de Israel, classificou o ataque como um “erro trágico”, confirmando que a ação está sendo investigada.

O porta-voz do Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca, John Kirby, descreveu as cenas como “comoventes”. Mas disse que “não haveria mudanças de políticas”.

Segundo porta-voz das FDI (forças de defesa de Israel), o ataque visava a eliminação de líderes do Hamas. Segundo Israel dois importantes membros da cúpula do Hamas teriam sido mortos no ataque. O porta-voz acrescentou que a munição utilizada no ataque foi de baixa potência, que seria incapaz de ter causado o incêndio que tomou as tendas do acampamento causando o grande número de mortes.

A declaração sugeria, segundo analistas, que as chamas teriam sido causadas pela presença de armamento do Hamas armazenado nas proximidades. A informação não foi entretanto confirmada.

Após as tendas em Rafah serem atingidas, a imagem foi postada nas redes sociais por um jovem na Malásia e viralizou, de acordo com análise da BBC Árabe.

Mas como surgiu a imagem?

•        Onde surgiu o slogan 'Todos os olhos em Rafah'?

Após o ataque israelense às tendas perto de Rafah, surgiram postagens citando Richard Pepperkorn, representante da Organização Mundial da Saúde nos territórios palestinos ocupados.

Em fevereiro, ele disse a jornalistas que “todos os olhos estão voltados para Rafah”, posicionando-se contra um ataque das forças israelenses à cidade.

A frase foi proferida por Pepperkorn em uma conversa online com jornalistas na sede das Nações Unidas em Genebra.

Ele disse temer um “desastre inimaginável” caso o exército israelense fizesse uma incursão em grande escala na cidade.

Desde então, autoridades e ativistas têm repetido a frase de Pepperkorn para expressar preocupação e oposição a uma operação militar israelense em Rafah.

Nos meses que se seguiram, a frase “Todos os olhos voltados para Rafah” foi vista em protestos pelo mundo todo e em postagens de redes sociais.

A cantora irlandesa Clare Sands usou a frase em uma postagem, pedindo a políticos que detenham qualquer ofensiva na cidade.

•        Como a foto se espalhou pelas redes sociais?

Manifestantes em diferentes cidades também usaram a frase em cartazes, em protestos de solidariedade

A imagem original postada na Malásia usava a frase que ficou famosa em fevereiro.

Entre as celebridades que compartilharam a imagem com a frase estão o cantor pop Ricky Martin, a atriz turca Tuba Buyukustun, a atriz indiana Priyanka Chopra, e a atriz síria Kinda Alloush.

Maher Nammari, consultor de e-marketing e inteligência artificial, disse à BBC Árabe que a principal razão para acreditar que a imagem tenha sido gerada por IA é ela não parecer fotorrealista. A imagem não mostra um lugar real nem a cidade de Rafah.

Ele retrata um vasto deserto e um acampamento, com o texto "All Eyes on Rafah" ("Todos os olhos em Rafah").

Nammari diz que o recurso “Adicione o seu” do Instagram foi usado quando ela foi amplamente compartilhada.

São necessários apenas dois cliques para que os usuários participem, facilitando a adesão de milhões de pessoas à campanha.

Mas Nammari ressalta que a natureza do incidente em si e a interação online que se seguiu ajudaram a fazer a imagem reverberar.

E comparou a muitas campanhas anteriores, relacionadas a outras questões, que não conseguiram viralizar da mesma forma, dizendo que “o ataque de domingo em Rafah gerou uma tristeza generalizada”.

Nammari afirma que outro motivo pelo qual a imagem se espalhou amplamente é porque ela não contém cenas de sangue, fotos de pessoas reais, nomes ou cenas perturbadoras, que poderiam fazer com que tivesse a distribuição restringida pelo Instagram.

•        Como recursos do Instagram ajudam campanhas sociais a se espalharem amplamente?

Os stories publicados por “shahv4012” utilizaram o recurso “Adicione o seu”, lançado pelo Instagram em 2021. Ele permite que qualquer usuário publique uma foto e incentive a interação de seus seguidores.

Nammari afirma que, desde que foi disponibilizada, a funcionalidade tem sido utilizada pelo setor de turismo e viagens com uma pessoa publicando a foto de um local que visita ou de um café, e outros usuários podendo adicionar suas próprias imagens do mesmo local.

Ele acrescenta que o uso de tal recurso em campanhas políticas, sociais ou em questões de opinião pública é recente.

“Na maioria dos casos, quem começa a usar esse recurso por motivos políticos pretende contribuir para o lançamento de campanhas em grande escala, porque (o post) cresce (em popularidade).”

•        Campanhas anteriores

A campanha não é de forma alguma a primeira a usar as redes sociais para espalhar uma mensagem de solidariedade.

“Black Lives Matter” ("Vidas Negras Importam"), uma frase, e em especial uma hashtag, foi usada para destacar o racismo, a discriminação e a desigualdade vividos pela população negra em 2020 e 2021.

Sua utilização cresceu nos EUA após assassinatos de grande repercussão cometidos pela polícia, mas também tem sido utilizada no Reino Unido e em outros países.

No Sudão, usuários de redes sociais fizeram campanhas após centenas de pessoas terem sido mortas e milhares deslocadas para cidades e países vizinhos devido a disputas entre facções militares.

Uma das campanhas mais proeminentes vistas no país, através das redes sociais, foi a “Azul para o Sudão”.

Os usuários mudaram suas fotos de perfil para uma imagem azul em solidariedade aos manifestantes na capital, Cartum.

A frase tornou-se mais tarde uma expressão geral relacionada a exigências políticas e econômicas.

Em 2023, celebridades do mundo todo compartilharam publicações em solidariedade com as vítimas de um terremoto devastador que matou milhares de pessoas na cidade marroquina de Marrakech.

Fotos foram postadas como Stories no Instagram para expressar condolências, arrecadar doações e mostrar solidariedade às famílias das vítimas.

 

¨      Tornar a Palestina membro da ONU poderia ajudar no conflito com Israel? Especialistas discutem

A possibilidade de a Palestina se tornar um membro pleno da Organização das Nações Unidas (ONU) ganha impulso, com países como Espanha e Irlanda, entre outros da União Europeia, passando a reconhecer oficialmente o Estado palestino.

Especialistas discutiram no podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, sobre quais seriam as implicações práticas dessa mudança para a Palestina. E, sobretudo, se isso garantiria maior proteção contra as ações de Israel.

O reconhecimento do Estado da Palestina como membro pleno representa um passo na legitimação internacional dos direitos palestinos à autodeterminação e soberania, segundo o presidente da Federação Palestina do Brasil (Fepal), Ualid Rabah.

Tal mudança traria vantagens como o direito de sentar-se entre os Estados-membros na Assembleia Geral, fazer declarações em nome de grupos e propor alterações em resoluções, segundo ele.

·        Qual é a posição da ONU sobre o Estado palestino?

Apesar de ter votado em novembro de 2012 para conceder aos palestinos o status de Estado observador nas Nações Unidas, a organização não reconhece plenamente a existência do Estado palestino. Desta forma, há direito de participar de debates, mas não das votações.

A condição de membro pleno permitiria à Palestina participar de organizações internacionais de maneira mais robusta, diz Rabah.

Para ele, esse reconhecimento ampliado facilitaria ainda mais a participação palestina em processos internacionais, podendo aumentar a pressão legal sobre Israel mediante crimes de guerra e outras violações, que já têm sido feitas. "Investigar por crimes de guerra, crimes de perseguição e apartheid feito pelas autoridades israelenses", exemplifica.

Contudo, a questão de se isso impediria Israel de continuar suas ações contra os palestinos é complexa, diz, já que adesão plena à ONU não garante automaticamente o cessar de conflitos ou de violações de direitos humanos. Além disso, a pressão exercida pelos Estados Unidos — principal aliado israelense — é vista como outro fator contrário.

"Entretanto, muitas coisas mudaram, mesmo contra a vontade dos Estados Unidos. A guerra do Vietnã acabou contra a vontade dos Estados Unidos. As ditaduras acabaram contra a vontade dos Estados Unidos, as ditaduras do continente e outras mais. O apartheid acabou contra a vontade dos Estados Unidos", exemplifica.

O jornalista e pesquisador em relações internacionais Arturo Hartmann diz que reconhecer a Palestina na ONU poderia transformar seu estatuto, permitindo acesso a fóruns e arbitragem internacional, hoje inacessíveis. "Poderia abrir caminho para um reconhecimento formal e legal que colocaria a Palestina numa posição mais forte para contestar a ocupação israelense."

Porém, ele destaca que tal reconhecimento depende da aprovação do Conselho de Segurança da ONU, onde os interesses de Israel e seus aliados, especialmente os EUA, desempenham um papel crucial. O grupo é formado por Rússia, China, EUA, França e Reino Unido.

"A ordem global foi estruturada para que a maioria não possa decidir", diz Hartmann. "A Assembleia Geral vota, a Assembleia Geral coloca propostas, mas as decisões dela não têm efeito prático. As decisões do Conselho de Segurança, sim."

No campo simbólico, Hartmann acredita que o reconhecimento seria um marco importante para a causa palestina, representando a validação de sua luta por independência, mas ressalta que "a independência formal não garante a libertação total, pois a Palestina poderia continuar dependente de Israel em muitos aspectos".

Ele compara a situação aos processos de descolonização dos anos 1960, onde muitas nações africanas conquistaram a independência formal, mas permaneceram econômica e politicamente dependentes das antigas potências coloniais.

·        Quais os países envolvidos na questão Palestina?

Recentemente, Espanha, Noruega e Irlanda anunciaram que reconhecerão a Palestina como um Estado independente, se unindo a uma lista de outros 143 países, incluindo o Brasil e Rússia, que reconhecem o território palestino como um Estado independente.

Rabah argumenta que o reconhecimento internacional crescente e as investigações em tribunais internacionais podem gradualmente isolar Israel e limitar suas ações. A investigação do Tribunal Penal Internacional (TPI) sobre crimes de guerra, incluindo ordens de prisão para líderes israelenses, já indica mudança significativa.

Para ele, o isolamento se acelera com o apoio de grupos como o BRICS e a Organização de Cooperação de Xangai. "A força do BRICS, a força dos países não alinhados, a força da cooperação de Xangai, a força da Rússia tomada separadamente, a força da China tomada separadamente, a aliança da Rússia e da China vão isolar os Estados Unidos e Israel."

Rabah entende que, com o tempo, países da Europa vão deixar de "permanecer sem reconhecer o Estado da Palestina", incluindo nações como Finlândia e Suécia.

"Desde 2012, os países que reconheceram, deram à Palestina a condição de Estado observador, de lá pra cá, só cresceram. Nós estamos agora em 143", afirma.

Hartmann menciona que essas ações são vistas por Israel como uma forma de "guerra diplomática". "Israel considera qualquer apoio ao reconhecimento do Estado palestino como uma ameaça ao seu projeto sionista e faz de tudo para impedir isso", afirma.

Ele cita uma reportagem sobre os esforços da inteligência israelense para neutralizar investigações da Corte Criminal Internacional como exemplo de até onde Israel está disposto a ir para evitar que a Palestina obtenha reconhecimento internacional e responsabilização por crimes de guerra.

·        Qual é a relação entre Israel e Estados Unidos?

A relação entre Washington e Tel Aviv é complexa, envolvendo interesses estratégicos e políticas domésticas, segundo o Hartmann. Ele explica que, a curto prazo, os EUA visam manter presença forte no Oriente Médio devido ao petróleo e gás. A longo prazo, a aliança é vista como um baluarte contra a crescente influência da China.

Além disso, fatores domésticos americanos, como o lobby pró-Israel e parte da opinião pública popular favorável, complicam mudanças maiores. No entanto, uma recente demissão de uma funcionária judia do Departamento de Estado em protesto contra as políticas dos EUA em Gaza são um dos vários sinais de que essas dinâmicas estão começando a ser questionadas.

Hartmann aponta que o crescimento de movimentos de extrema direita no cenário global tem influenciado o apoio a Israel — governos de direita, segundo ele, tendem a se alinhar com a agenda conservadora e nacionalista israelense, como é o caso da Hungria, que apesar de reconhecer inicialmente a Palestina, mudou sua postura alinhando-se com Israel.

Por outro lado, o movimento estudantil nas universidades americanas pode ajudar a redefinir o apoio americano dos EUA a Israel, para Rabah. Segundo ele, os recentes protestos, que incluem a pressão em figuras públicas, desafia a estrutura de poder estabelecida, incluindo o "Estado profundo" dos EUA, o Pentágono e o lobby pró-Israel.

"Não é apenas protesto em universidades estadunidenses. O protesto está acontecendo nas universidades de ponta estadunidenses, aquelas que formam a elite."

Rabah aponta mudança significativa na opinião pública americana em relação à questão palestina. Em 2013, apenas 12% dos americanos apoiavam a Palestina, segundo ele, enquanto hoje esse número está perto de 30%.

Entre os jovens, o apoio é ainda mais expressivo, com mais da metade da juventude americana, incluindo aqueles ligados aos dois principais partidos, reconhecendo o desequilíbrio na política externa dos EUA em relação à Palestina.

"Na juventude, é mais da metade [o apoio à Palestina]. Daí cai entre adultos até 60 anos e cai mais naqueles que têm mais de 60 anos", explica Rabah.

Para Hartmann, a crescente solidariedade internacional com é evidente, mas, segundo ele, para que haja mudança real, é preciso mudar a estrutura de poder atual ou os EUA mudarem sua postura, algo difícil a curto prazo.

"Os palestinos vão sempre chegar no limite [...] de nem chegar à independência. Eles vão lutar até o limite, porque é o que se permite que eles façam."

 

Fonte: BBC News Mundo/Sputnik Brasil

 

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