Sede da
Copa 2034, Arábia Saudita é acusada de impor trabalho escravo a imigrantes
A
ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DE TRABALHADORES da Construção e da Madeira
(ICM) denunciou a Arábia Saudita à OIT (Organização Internacional do Trabalho)
e à FIFA por violações trabalhistas contra 21 mil imigrantes que atuaram no
setor da construção civil no país. A instituição global acusa a Arábia
Saudita, anunciada como a sede da Copa do Mundo de Futebol em 2034, de submeter esses trabalhadores a condições análogas à de
escravo.
De
acordo com a denúncia, os trabalhadores foram submetidos à servidão por
dívidas, tiveram seus passaportes e documentos de identidade retidos, ficaram
sem receber salários, foram impedidos de rescindir contratos e de deixar seus
postos. A denúncia também cita violência sexual, verbal e física e cobra
investigações e providências das entidades internacionais.
“As
condições encontradas são inaceitáveis, principalmente no mundo globalizado,
onde há convenções internacionais justamente para proteger essa intensa
movimentação de pessoas”, afirma Nilton Freitas, representante regional da ICM
na América Latina e no Caribe. A ICM representa 12 milhões de trabalhadores da
construção, materiais de construção, madeira e silvicultura filiados a 361
sindicatos em 115 países em todo o mundo.
Algumas
das principais instituições em defesa dos direitos humanos do mundo –
Anistia Internacional, Humans Rights Watch, Equidem, FairSquare e Solidarity
Center – são citadas no relatório da ICM como organizações que dão suporte à
denúncia.
A
Arábia Saudita se tornou membro da OIT em 1976, aderindo a importantes
convenções trabalhistas internacionais. A denúncia da ICM, porém, ressalta à
OIT que o país tem um histórico de descumprimento dos direitos humanos e está
deixando de cumprir as convenções que ratificou, de combate ao trabalho
escravo, com o agravante de ter como principal mão de obra a população
migrante: 13,4 milhões de trabalhadores predominantemente da Ásia e da África,
empregados em funções de baixa remuneração, que representam 75% da força de
trabalho do país.
Em
todo o mundo, há recorrência da exploração do trabalho migrante, sustentada
pela vulnerabilidade de homens e mulheres que deixam seus países em busca de
condições dignas, muitas vezes vivendo e trabalhando sem sequer compreender a
língua na qual são acertadas essas condições de trabalho. Na Arábia Saudita,
essa exploração se tornou uma prática recorrente, denuncia a ICM.
“Como
apelamos à OIT, os direitos fundamentais se aplicam à qualquer país. É preciso
combater todo e qualquer tipo de prática análoga à de escravidão”, enfatiza
Freitas.
·
Violações, ameaças e sindicatos proibidos
A
ICM afirma que o não pagamento dos salários aos imigrantes já é uma prática
generalizada na Arábia Saudita. Mais de 21.000 trabalhadores da construção
civil, imigrantes do Nepal, Paquistão, Bangladesh e Filipinas, aguardam há mais
de 10 anos o pagamento de salários por duas empresas de construção com sede na
Arábia Saudita que faliram em 2016, revela um levantamento realizado desde
junho de 2022 pela instituição e outras organizações de direitos humanos do
mundo como uma das comprovações da denúncia feita à OIT.
Além
disso, entre 15 de abril e 15 de maio de 2024, a ICM entrevistou 193
trabalhadores, principalmente na construção civil, imigrantes da Índia,
Paquistão, Nepal, Sri Lanka, Bangladesh e Filipinas, que relataram outras
violações de direitos que também se enquadram ao trabalho análogo ao de
escravo.
Trabalhadores
da construção civil sem qualquer condição de subsistência, ameaças, coerções e
casos emblemáticos de imigrantes que morreram em condições precárias estão
listados no relatório, que ainda retrata o abuso sexual de trabalhadoras
domésticas.
Os
trabalhadores entrevistados eram privados até mesmo de alimentação. “Passamos
por momentos muito difíceis. Dormíamos em um armazém onde havia ratos e
mosquitos. Tínhamos que implorar para que nos dessem comida. Fomos obrigados a
aceitar trabalhos esporádicos. Houve pessoas que não foram autorizadas a
visitar seus entes queridos que estavam no leito de morte. Passávamos frio e
calor. Não recebíamos atendimento médico quando adoecíamos”, relatou um deles
em depoimento colhido para o relatório em maio deste ano.
Entre
os agravantes para o cenário está a política do Kafala, um apadrinhamento dos
trabalhadores, por meio do qual os empregadores conseguem controlar os
imigrantes, a partir de coerções e ameaças. O imigrante é levado ao país com a
tutela de um empregador, que é responsável por fornecer a ele condições de
subsistência, bem como a autorização para que permaneça no país estrangeiro.
Dessa forma, os imigrantes acabam vulneráveis a todo tipo de exploração porque,
para continuarem no país, devem cumprir as exigências desse empregador.
Os
sindicatos são proibidos no país, o que dificulta a denúncia dos abusos.
Freitas explica que, para chegar aos casos listados, a ICM estabeleceu ligações
com sindicatos e instituições dos países de origem dos trabalhadores. “Eles
dependem daquele trabalho. Alguns vão e voltam para seus países em busca de
trabalho. Outros, nunca conseguem voltar. É inaceitável”.
A Repórter
Brasil entrou em contato com a FIFA e a OIT, pedindo um posicionamento
sobre as denúncias encaminhadas, mas não houve respostas.
·
Copa de explorações
A
Arábia Saudita tornou-se a sede óbvia da Copa em 2034 por ser o único país candidato para acolher a competição. A nação passa por crescimento exponencial, com grandes obras
sendo executadas em suas cidades na última década. Com a Copa, a perspectiva é
de que esse volume de obras aumente ainda mais, atraindo um número ainda maior
de imigrantes para o país, em condições de trabalho desumanas. O relatório cita
que a Arábia Saudita irá empreender “a construção de dez novos estádios e
infraestrutura relacionada de proporções gigantescas”.
“A
FIFA deve parar de se colocar acima das normas internacionais de trabalho e de
suas próprias obrigações estatutárias de direitos humanos”, cobra Ambet Yuson,
Secretário Geral da ICM, no relatório.
·
Outras Copas
A
Copa do Qatar, em 2022, foi marcada por denúncias trabalhistas, que tomaram proporções mundiais.
No
Brasil, o número de trabalhadores da construção civil resgatados em situação
análoga à de escravo teve um pico em 2013, quando o país passava um alto
investimento em obras de desenvolvimento e infraestrutura para receber a Copa
do Mundo (2014) e as Olimpíadas do Rio (em 2016).
O campeonato movimenta bilhões,
com patrocínio de empresas multinacionais. “Ninguém quer levar na sua marca a
contribuição ao trabalho análogo à escravidão. Esperamos que a FIFA exija
compromissos do governo da Arábia Saudita, baseados nas convenções
internacionais”, Freitas complementa.
Na
Copa do Qatar, com as denúncias e os movimentos de instituições internacionais
como a ICM, a FIFA implantou uma comissão de Direitos Humanos. “A FIFA tem em
seu estatuto o dever de zelar pelos Direitos Humanos e trabalhistas”, enfatiza
Freitas.
Para
ele, a Copa traz uma oportunidade de mudanças para condições exploratórias que
já se tornaram prática corriqueira. “A visibilidade que ela tem traz a
oportunidade de construirmos alianças capazes de transformar essas realidades.
Por isso, precisamos divulgar o mais rapidamente essas condições, que são
subumanas”, ressalta Freitas.
Fonte:
Reporter Brasil
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