segunda-feira, 3 de junho de 2024

Qual o papel da escola na formação cidadã?

É incrível como situações de catástrofes extremas como a que está acometendo o Rio Grande do Sul são capazes de mostrar o pior e o melhor do ser humano.

Houve roubos, furtos, violência e situações seríssimas de assédio dentro dos abrigos, mas creio que não faz sentido eu focar a coluna neste recorte.

A razão é que a quantidade de pessoas cujo lado positivo foi aflorado é a maioria esmagadora. Tenho 29 anos e confesso nunca antes ter visto uma situação mobilizar tantas pessoas como o caso das enchentes no RS. Até minha mãe, que nunca foi socialmente engajada, estava recebendo doações de roupas para enviar ao estado.

Tivemos agências de Correios, mesmo as menores, lotadas de doações. Tivemos artistas mobilizando suas redes para arrecadar fundos e doações. Tivemos artistas se engajando em publicidade gratuita para ajudar empresas do Rio Grande do Sul. Tivemos milhões de anônimos doando dinheiro, roupas e alimentos. Tivemos a imprensa cobrindo fortemente. Tivemos empresas doando boas quantias. Tivemos pessoas, anônimas e famosas, se deslocando para o estado e doando seu tempo e energia.

A lista é grande. Poderia, sem muito esforço, gastar todos os caracteres da coluna elencando mobilizações, das mais diversas formas e viabilizadas pelos mais diversos agentes.

Tivemos. Temos. Será que continuaremos tendo? Qual o papel da escola e da formação cidadã para não permitirmos que a mobilização atual seja apenas um caso pontual?

Não quero vir aqui e problematizar as motivações de quem doou, ajudou e se mobilizou. Não duvido que boa parte tenha sido motivada pelo engajamento das redes sociais, mas pelo menos o fez. Uma vez aprendi com um professor sobre tentar não problematizar muito sobre as motivações, mas, sim, focar nas ações. Concordo com ele, e a lógica se estende para o caso do RS. O importante é que as pessoas ajudaram e estão ajudando. Não cabe e não trará bem algum inferir hipóteses sobre as motivações.

•        E depois que a comoção inicial passar?

No entanto, cabe a preocupação: como será depois que toda a energia e comoção do momento acabarem ou diminuírem? Indo além: seremos capazes de nos mobilizarmos também em outras pautas, agendas e problemáticas? Como a escola pode trabalhar isso?

Meu ponto de partida é: o povo brasileiro mostrou o quanto é poderoso e exitoso quando foca em algo. Mostrou o quanto é capaz de, dentro do possível, esquecer religião, política, diferenças e simplesmente focar na benevolência, na empatia, na solidariedade e na responsabilidade social.

Me chamem de pessimista, mas temo que, depois que a poeira baixar, voltemos para o mesmo modo de agir anterior, em que o egoísmo maquiado de correria impera e não deixa qualquer espaço para que a solidariedade e a empatia aflorem.

Não podemos permitir isso. É uma pena que tenha sido necessária uma catástrofe para mostrar que somos capazes de agir diferente. Entendo que as pessoas, no dia a dia, não sejam necessariamente do mal ou propositalmente egoístas.

Para sobreviver com certa dose de saúde mental, nos moldamos a não nos preocupar mais com os mendigos quando nos pedem algo na rua, a não pensar muito sobre aqueles que passam fome e sofrem violência. E, sejamos honestos, ao receber um pedido de ajuda nós instintivamente buscamos razões para não ajudar. Para não nos sentirmos mal com isso, temos como hipóteses que outros irão ajudar ou simplesmente nos convencemos de que não há nada que possamos fazer.

Não é verdade. E o caso atual mostra isso de forma muito clara. Somos capazes de muito mais do que imaginamos. Não podemos nos permitir nos engajarmos apenas quando algo explode e chega no nível da situação atual no RS ou quando alguma pauta ou caso viraliza nas redes sociais.

E as pautas que não viralizam? E as problemáticas que, embora importantes, ainda não chegaram ao nível da do estado sulista? Quem pensará nelas? Não merecem mobilização?

•        O papel fundamental da escola

Para isso, na minha visão, o caminho é via educação e através das escolas. A educação não pode se restringir apenas a ensinar conteúdos e decorar fórmulas. Que tipo de formação cidadã está ocorrendo nas escolas? Como estamos preparando nossos jovens para atuarem como cidadãos na sociedade? Indo além: há algum tipo de formação cidadã nos currículos escolares?

Essas provocações não são triviais. Os jovens precisam ser ensinados e provocados sobre a responsabilidade que têm na construção de uma sociedade mais justa e menos desigual. Isso pode ser benéfico tanto para a prevenção de situações como a que está ocorrendo, quanto para a diminuição de desigualdades.

Em relação à primeira: como ocorre o ensino do meio ambiente? Os estudantes gaúchos conheciam as questões de estrutura, arquitetura e hidrografia do estado? Paralelamente a isso, deveria haver uma formação sobre os três Poderes e a função de cada um. Eu confesso: fui aprender isso durante a graduação. É uma pena. Sabem quem devem cobrar? Qual órgão tem qual responsabilidade?

Não é exagero: se houvesse a preocupação acima dentro do currículo das escolas, a catástrofe poderia ter sido evitada. Os gaúchos, munidos de mais informação e educação cidadã, poderiam ter sido agentes ativos na prevenção. Não estou os culpando, mas dizendo que há margem para que as escolas trabalhem esse tipo de conteúdo e informação com seus alunos.

Além disso, a formação cidadã também pode ajudar a fazer com que as pessoas não se engajem apenas com pautas virais, mas que tenham culturalmente a formação de mais empatia e responsabilidade social. É instintivo buscar razões para não ajudar, mas vimos como podemos ser diferentes.Todos dizemos querer um mundo mais justo e menos desigual, mas precisamos entender nossa responsabilidade para que ele um dia seja uma realidade e não apenas um sonho.

Esperar que essa virada de chave ocorra naturalmente é, no mínimo, bem ingênuo. Ela precisa fazer parte de um projeto e através de uma política pública. A educação pode ser um agente importantíssimo nesse processo e deve ser utilizada.

 

•        Problemas da escola são oportunidade de fazer a diferença. Por Amanda Bessa Pascoal

Em maio, eu e outros nove estudantes da escola Francisca Rocha Silva, localizada no município de Jaguaruana, no Ceará, nos mobilizamos para realizar um projeto intitulado "Compreendendo o autismo: Educação e sensibilização para inclusão". Lutamos para desconstruir estereótipos infelizmente enraizados na sociedade em relação ao autismo.

Fomos incentivados pelo colégio por meio da décima feira de ciências, na qual tivemos que escolher uma problemática para pesquisa. Ao debater em equipe para decidir o tema, lembro de ter sugerido abordarmos o Transtorno do Espectro Autista (TEA), pois é um assunto de suma importância que está, lastimavelmente, repleto de preconceitos e limitado à visão errônea de indivíduos com mentalidade míope ou sem acesso ao conhecimento correto. Além disso, é uma temática que desperta profundamente meu interesse, tanto por gostar de estudar sobre a mente, quanto, principalmente, por ter casos de autismo na família.

De início, pensamos em estratégias de como a tecnologia poderia ajudar na aprendizagem de pessoas com autismo. No entanto, ao observar o perfil dos estudantes autistas de nossa escola, percebemos que as necessidades são outras, uma vez que possuem rendimento escolar elevado e facilidade no aprendizado. Sim, com dificuldades em algumas matérias como qualquer outro aluno e não necessariamente por causa do autismo.

A necessidade notada foi a questão da interação social, sendo pouca para alguns, enquanto outros já conseguem se comunicar de forma assertiva no seu próprio ritmo, cada um com suas peculiaridades. Por isso, o termo espectro, devido à ampla variedade de habilidades e dificuldades que juntas caracterizam o TEA. O autismo não é único e nem estático, as pessoas dentro do espectro também são diversas, particulares e aprendem e se desenvolvem todos os dias. Com isso, realizamos ações para ajudar a promover a inclusão de autistas na comunidade escolar e na sociedade.

Visitamos o Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) de nossa cidade para conhecer um projeto incrível chamado "Os amigos da inclusão", que contempla 30 crianças e adolescentes com TEA. Solicitamos que a equipe viesse à nossa escola realizar uma palestra para todas as turmas sobre o autismo, em conjunto com uma nutricionista para falar sobre a seletividade alimentar.

•        Ouvindo a voz de autistas

Quando falamos em ampliar o conhecimento sobre o TEA para promover a inclusão, é fundamental, antes de tudo, ouvirmos a voz de autistas, conhecer suas opiniões, habilidades, desafios e experiências. Temos muito a aprender com eles. É um aprendizado que vem de dentro para fora, não ao contrário, pois obtemos uma compreensão mais autêntica do que significa ter autismo ao receber informações sobre suas necessidades, dificuldades e pontos fortes. Isso ajuda a aumentar a conscientização e a compreensão do autismo.

Foi o que buscamos fazer em cada ação do nosso projeto. Conversamos diretamente com eles e pedimos feedbacks. Convidamos um estudante para gravar um vídeo falando um pouco de sua vivência como autista na escola e na sociedade em geral, ressaltando a importância de se compreender o autismo para promover a inclusão. Esse vídeo postamos no perfil do Instagram que criamos, "compreendendoautismo", com o objetivo de compartilhar informações claras sobre o TEA com um maior número de pessoas.

Reconhecendo a importância do protagonismo de autistas no processo de inclusão, elaboramos um questionário para ser respondido por estudantes de nossa escola, contendo 16 perguntas sobre sua vida social, familiar e estudantil. A análise dos dados coletados possibilitou entender suas perspectivas, preferências e necessidades.

Uma das perguntas era sobre o que gostariam que a escola fizesse para que eles se sentissem mais confortáveis no ambiente escolar, e a resposta foi: "Não sei se seria viável, mas eu adoraria um ambiente para passar o meu intervalo. Imagino que não só eu, mas outras pessoas também sintam falta de um ambiente controlado e silencioso, onde as pessoas possam ir para 'recalibrar' os sentidos e se manter em silêncio por um tempo, para poder voltar 100% para as aulas", disse o estudante José Luís.

•        Espaço de tranquilidade

Conversamos com a gestão da nossa escola e solicitamos um espaço destinado a essa causa. Descobrimos que a escola já tinha essa ideia, porém estava apenas no papel e não havia sido concretizada. Então, lutamos para torná-la realidade e assim fizemos. A escola nos concedeu uma salinha que limpamos e decoramos para ser esse espaço tranquilizador. Uma sala silenciosa oferece um local tranquilo onde esses estudantes podem se acalmar, reduzir o estresse, a ansiedade e regular suas sensações sensoriais. Ter acesso a ela pode ajudar os estudantes autistas a se sentirem mais confortáveis e seguros na escola. Isso, por sua vez, pode melhorar seu bem-estar emocional, concentração nas aulas e disposição para aprender.

A escola, ao incentivar a pesquisa e encorajar o protagonismo dos estudantes no aprendizado, contribui para o desenvolvimento do senso crítico e para a formação de cidadãos ativos. Além disso, ajuda a terem um melhor desempenho na universidade.

É importante também que estudantes tenham essa sensibilização de enxergar os problemas e desafios de sua escola como uma oportunidade de fazer a diferença. Desde o início do projeto, agarrei essa causa com garra e lutei fortemente para que tudo desse certo. Todas as palavras seriam insuficientes para explicar o que sinto. Minha parte faço com ações e espero que nosso projeto possa fazer realmente a diferença na vida de alguém. Tem uma frase de Madre Teresa de Calcutá que sempre me marcou muito e é perfeita para expressar meus sentimentos: "Sei que meu trabalho é uma gota no oceano, mas sem ele, o oceano seria menor".

 

Fonte: Por Vinícius De Andrade, para Deutsche Welle

 

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