Quais os
custos de forçar as mineradoras a extraírem mais minério no Brasil?
Ao
longo do primeiro semestre de 2024, o Governo Federal indicou em diferentes
momentos que deseja alterar a legislação de forma a “forçar” as mineradoras a
extraírem minérios onde as operações não foram iniciadas ou estão paralisadas.
Por exemplo, em fevereiro, o presidente Lula afirmou que “a quantidade de minas
que estão nas mãos da Vale sem serem exploradas há mais de 30 anos […], e ela
está perdendo o jogo para algumas empresas australianas. […] O dado concreto é
que o potencial do Brasil tem que ser explorado […]”. No mês seguinte, o
Ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, alegou que “é irresponsável o
que, infelizmente, temos por parte das grandes mineradoras no país. […] É
inaceitável que algumas fiquem 50 anos com os direitos minerários sem explorá-los”.
A
proposta de usar o potencial mineral para estabelecer a quantidade “ideal” de
minérios que deveriam ser extraídos é arcaica e ultrapassada. Ela se baseia em
uma visão que olha o território como fronteira, segundo a qual todo recurso que
existe deve ser explorado para o “desenvolvimento” nacional. O país seria um
grande vazio de gente e inexistiriam bens naturais que precisam ser
preservados. Tal linha de pensamento foi comum durante toda a história do
Brasil, gerando diferentes danos sobre povos e o meio ambiente. Contudo, há
pelo menos 50 anos, povos tradicionais, grupos ambientalistas, movimentos
sociais, acadêmicos entre outros vêm apontando que esse modelo é obsoleto, não
gera o esperado “desenvolvimento” e ainda resulta em violência e pobreza.
A
raciocínio do governo parte do princípio de que extrair mais minérios, de
maneira acelerada e em qualquer lugar, gera apenas renda, e nenhum custo
(entendido como dano ou prejuízo). Porém, esse pensamento se mostra equivocado,
mesmo que se adotarmos vertentes teóricas diferentes ou até contraditórias. Ao
longo deste artigo, tentamos explicitar esses danos e prejuízos a partir de
cinco perspectivas bastante distintas: a economia liberal, a economia
não-ortodoxa/estruturalista, a economia ambiental, a economia ecológica e a
ecologia política. Dessa forma, tentamos mostrar que, independente do ponto de
vista que se adote, a proposta do governo não faz sentido. Assim, argumentamos
que tal política irá prejudicar empresas, o Estado, a sociedade, a natureza e as
comunidades que vivem próximas a tais projetos.
Partindo
da economia liberal, precisamos adotar o pressuposto de que as mineradoras são
agentes econômicos racionais e que desejam sempre maximizar seu lucro. Nessa
vertente, segundo os princípios da economia dos recursos naturais, o que elas
fazem é “gestão de estoque”. Elas possuem um estoque de minério para vender e
querem obter o maior lucro com isso. Portanto, elas calculam o custo de
investimento e operação para extrair o minério, avaliam a oferta, a demanda, os
estoques, o preço atual, estimam as projeções futuras e decidem qual o melhor
momento para extrair minério e em que velocidade para obterem o maior lucro
possível. Portanto, obrigar as mineradoras iniciar operações sem essa análise
iria, necessariamente, reduzir sua receita e lucro. Além disso, se todas as
mineradoras extraírem conjuntamente todo o minério que possuem, haveria um
aumento excessivo de oferta, o preço cairia e a receita das empresas se
reduziria ainda mais. Esse excesso de produção levaria simplesmente a um
aumento de minério parado, sem mercado, nos pátios das mineradoras ou das
usinas metalúrgicas. Portanto, dentro dessa ótica, forçar as mineradoras a
extraírem minérios independente de uma avaliação econômica vai contra os
interesses das próprias mineradoras.
Dentre
as diferentes escolas de pensamento econômico não-ortodoxo, talvez a
estruturalista seja aquela mais influente no pensamento brasileiro, muito
devido ao papel de Celso Furtado. Por essa perspectiva, podemos assumir que o
mercado não é perfeito e que existe a necessidade de uma atuação do Estado como
indutor das políticas de crescimento econômico. Para tanto, ele teria como
função planejar e coordenar atividades econômicas de forma a obter, no longo
prazo, uma maior taxa de crescimento econômico. Considerando os recursos
naturais, tal planejamento se basearia em uma avaliação das necessidades atuais
e futuras de minérios e da renda mineral pelo país e desenharia uma estratégia
para seu uso.
A
proposta do governo vai exatamente no sentido contrário, ao exigir o aumento
significativo da extração no presente, especialmente para abastecer o mercado
global (como ressaltou Lula: “perdendo o jogo para algumas empresas
australianas”). Assim, tal política poderia ainda comprometer o suprimento da
indústria nacional e a geração de renda no futuro. Por exemplo, no longo prazo,
a exaustão das minas pode levar ao desabastecimento da produção nacional,
causando o encarecimento das importações e a perda de soberania mineral. Ou
ainda, venderíamos minério barato hoje, que, no futuro, com a maior escassez,
poderia ser ainda mais lucrativo. Por esse olhar, a política do governo iria
também contra os interesses do próprio Estado brasileiro, ameaçando o crescimento
econômico sustentável no tempo e a soberania nacional.
Se
nos propusermos a ampliar nossa discussão para além do olhar puramente
econômico e trazer interpretações que tenham também um componente ambiental,
outros custos também podem ser identificados.
A
economia ambiental propõe discutir questões ambientais por meio de instrumentos
econômicos. Uma das estratégias para tal seria valorar monetariamente os
recursos naturais, de forma a dar visibilidade às perdas econômicas decorrentes
da degradação ambiental e levar agentes econômicos a internalizarem custos que,
até então, eram externalizados para a sociedade como um todo. Seguindo essa
lógica, seria possível atribuir valor monetário a todos os recursos e serviços
ambientais, tais como água limpa, biodiversidade, regulação climática, estoque
de carbono etc. Portanto, a destruição causada pela atividade de extração
mineral acabaria gerando custos monetários que, se não internalizados, seriam
transferidos para a sociedade.
Mesmo
que uma avaliação custo-benefício indicasse que a decisão economicamente
correta seria obter os benefícios econômicos gerados pela atividade mineral,
não necessariamente tal conclusão seria aplicada a todos os projetos minerais,
em distintas regiões e para explorar todos os tipos de minério. Além disso,
deve-se considerar que, à medida que se extrai mais minério, essa extração
constante aumentaria a oferta e, como consequência, cada unidade adicional
extraída geraria menor benefício, “valendo” cada vez menos. Ao mesmo tempo,
como outros recursos naturais iriam sendo degradados, eles se tornariam mais
escassos e, portanto, cada unidade perdida teria um benefício associado maior,
sendo mais “valiosa”. Portanto, mesmo que, num primeiro momento, a Análise
custo-benefício fosse positiva em um contexto específico, com a expansão pura e
simples da extração, em algum momento futuro, cada unidade de minério extraído
resultaria em mais prejuízos do que benefícios. Deste contexto, ao longo do
tempo, a relação entre degradação da natureza e extração de minério
prejudicaria mais a sociedade do que a beneficiaria.
Apesar
de os princípios da economia ambiental serem bastante utilizados, eles também
são amplamente criticados devido a diversas limitações. Como forma de superar
alguns desses problemas, a economia ecológica se propõe a avaliar a relação
entre economia e natureza a partir de um olhar do mundo físico. Nessa
perspectiva, a criação de bens sociais (casas, escolas, móveis, aparelhos
eletrônicos etc.) somente pode ocorrer pelo consumo de bens naturais
(florestas, água, minérios etc.). Ainda, a economia ecológica define a Terra
como um sistema fechado, onde há uma quantidade finita de bens e materiais
(sejam eles, renováveis ou não renováveis). Portanto, quanto mais bens sociais
forem produzidos, menos bens naturais estariam disponíveis.
Um
outro pressuposto da Economia Ecológica é que o bem-estar das pessoas depende
tanto do acesso a bens sociais quanto a bens naturais. Isso decorre do fato de
o bem-estar gerado por uma árvore ser diferente daquele oferecido por uma casa
construída com a madeira daquela árvore. Portanto, uma casa não substituiria
uma árvore e uma política de habitação não deveria se dar com base na exaustão
das florestas. Assim, haveria sempre um custo de oportunidade da transformação
de bens naturais em bens sociais, até se chegar ao ponto em que a destruição
dos bens naturais geraria uma perda crescente de bem-estar. Em outras palavras,
a expansão de um sistema de transporte baseado em veículos individuais resulta,
entre outras coisas, na poluição atmosférica. Portanto, ao mesmo tempo que os
carros produziriam um bem-estar de “mobilidade”, isso se daria às custas da
saúde da população, que estaria exposta a um ambiente cada vez mais poluído. Se
considerarmos que a integridade ambiental é importante tanto para as pessoas, quanto
para todos os outros seres vivos, sua degradação desmensurada resultaria em
danos tanto para a sociedade, quanto para a natureza.
Por
fim, mas não menos importante, podemos discutir a política de extração
compulsória de minérios pela perspectiva da ecologia política. Essa linha de
pensamento se aproxima de conceitos como a Injustiça Ambiental e os Conflitos
Ecológicos Distributivos. Em linhas gerais, ela parte do princípio de que os
danos socioambientais de grandes projetos e da degradação ambiental recaem
desproporcionalmente sobre grupos sociais específicos, e que tal distribuição
reflete aspectos estruturais das desigualdades sociais (tais como classe,
gênero e raça). Em outras palavras, os impactos causados pelos projetos
minerais afetariam principalmente grupos específicos, com menor capacidade de
influenciar a tomada de decisão – como pessoas de baixa renda, mulheres,
populações negras e indígenas, e comunidades tradicionais.
Dentro
desse debate, deve-se levar em consideração que a literatura especializada já
identificou uma relação entre ampliação das atividades extrativas e o aumento
dos conflitos socioambientais. Isso se deve ao fato de mineração ser
classificada como “indústria do dano”, que incluiria um grupo de atividades que
intrinsicamente “se baseiam em práticas destrutivas ou prejudiciais às pessoas
e ao meio ambiente”, tais como tabaco e agrotóxicos. Assim, como danos sociais
e ambientais seriam inerentes à atividade extrativa, à medida que elas se
expandem, também aumentaria o número de pessoas atingidas e, consequentemente
os conflitos socioambientais.
No
contexto brasileiro, essa ligação pode ser verificada em tendências recentes.
Entre 2020 e 2022, a quantidade de concessões de lavra outorgadas aumentou de
527 para 661. No mesmo intervalo, o número de conflitos envolvendo atividades
de mineração subiu de 750 para 792, segundo o Observatório dos Conflitos da
Mineração no Brasil.
O
número de concessões não é a única explicação para o crescimento dos conflitos
minerais. Outros fatores, como a precariedade dos sistemas de segurança de tais
projetos, por exemplo, podem também ampliar significativamente esses conflitos.
Os grandes desastres causados pela Samarco na bacia do Rio Doce (MG/ES, 2015),
Norsk Hydro em Barcarena (PA, 2018), Vale no vale do rio Paraopeba (MG, 2019) e
Braskem em Maceió (AL, 2023), são exemplos emblemáticos disso. Porém, há
indícios que apontam para o fato de que a ampliação da extração mineral acaba
por expandir o número de localidades afetadas, os danos às comunidades que
vivem próximas a tais projetos e, consequentemente, os conflitos.
Em
resumo, adotando diferentes perspectivas e partindo de distintos campos
teóricos, podemos argumentar que uma ampliação arbitrária e sem critérios da
extração mineral poderá causar danos e prejuízos às empresas mineradoras, ao
Estado, à sociedade, à natureza e às comunidades que vivem próximas a tais
projetos. Tal proposta se torna ainda mais questionável quando se considera
que, em termos de área requerida, a maior parte dos direitos minerários se
concentra na Amazônia, correspondendo a 22% deste bioma.
A
política mineral brasileira, tanto formulada por governos progressistas quanto
conservadores, tem sido extremamente retrógrada. A mera exportação de minérios
nunca tornou nenhum país desenvolvido; pelo contrário, manteve vários na
miséria. Exigir a extração de minérios apenas “porque eles estão lá” seria mais
um erro estrutural das políticas para o setor. Por outro lado, há várias
organizações, movimentos sociais e comunidades atingidas que debatem há mais de
uma década alternativas ao atual modelo mineral do Brasil. Esses grupos
defendem que as taxas e ritmos da extração de minérios não devem ser orientadas
nem pelo interesse das mineradoras e nem pelo rentismo estatal; ou, muito
menos, que deve haver mineração em qualquer lugar do território nacional e a
qualquer custo. Já passou da hora do governo ouvir essas propostas e repensar o
papel da mineração no desenvolvimento do país.
Fonte:
Por Bruno Milanez e Luiz Jardim Wanderley, no Le Monde
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