O que 2024
tem a dizer para 2023
A
campanha para as eleições municipais de 2024 está na chamada fase de testes que
antecede as temporadas de Fórmula 1. Muitos ajustes de motores, suspensão e
inovações que são testadas nos túneis de vento, na etapa anterior aos ensaios
finais nas pistas, onde as inovações vão mostrar se surtiram os efeitos
pretendidos pelas equipes de desenvolvimento. As pesquisas eleitorais que têm
sido divulgadas funcionam como os aprontos dos testes da Fórmula-1. Testam
candidatos e teses que não estão agradando. E se o eleitor de 2024 quer fazer
uma prévia da eleição de 2026, quando o país vai eleger novamente um presidente
e vice, com nova bancada de deputados federais e renovação parcial do Senado,
bem como uma nova leva de governadores e seus vices, além dos deputados
estaduais.
Enquanto
2026 ainda está longe e os caciques políticos tentam testar seus cacifes para
as eleições de daqui a 30 meses, o calendário das eleições municipais já está
correndo. Desde 15 de maio, pré-candidatas e pré-candidatos iniciaram a
arrecadação prévia de recursos na modalidade de financiamento coletivo, desde
que não façam pedidos de voto e obedeçam às regras relativas à propaganda
eleitoral na internet (alô Justiça Eleitoral). E os partidos políticos que
queiram renunciar ao Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) têm até
esta segunda-feira, 3 de junho, para comunicar a decisão ao TSE. Já em 20 de
julho, partidos, candidatas e candidatos devem enviar à Justiça Eleitoral os
dados sobre recursos financeiros recebidos para financiamento de campanha
eleitoral, observado o prazo de 72 horas do recebimento desses recursos, para
fins de divulgação na internet.
• Campo minado
Parece
claro que o terreno minado da segurança pública foi o primeiro campo escolhido
para testar o eleitor municipal para as eleições de 2026. Pela Constituição, a
tarefa de segurança pública não é das prefeituras, mas dos governos estaduais
(que controlam a polícia militar e a polícia civil, além dos bombeiros
militares e as respectivas polícias judiciárias, que controlam??? as
penitenciárias).
A
prática mostra que as penitenciárias estaduais eram como queijo suíço, com
enormes furos. Presídios de segurança máxima, como o complexo de Bangu-Gericinó
no Rio de Janeiro. Mas celas com isolamento e segurança reforçada continuam a
depender dos favores prestados pelos guardas penitenciários. Resultado, as
celas passaram a ser escritórios do crime organizado, de onde os chefões
comandam – em segurança máxima – seus negócios manipulando uma coleção de
celulares. Os roubos cotidianos nas calçadas (a pé ou por moto, que fogem sem
deixar vestígios) realimentam a engrenagem, com novos celulares. Antes,
“hackers” do crime tentam fazer varredura para ver se conseguem acesso aos
dados bancários de quem foi roubado.
O
governador de São Paulo, o ex-ministro da Infraestrutura de Bolsonaro, Tarcísio
de Freitas, e que antes fora convocado pela ex-presidente Dilma Roussef para
fazer “uma faxina no DNITT”, como diretor, cargo que manteve na gestão Temer,
eleito pelo Republicanos, o partido político da Igreja Universal do Reino de
Deus, de Edir Macedo, aproveitou a semana para badalar o plano de segurança
focado no controle do foco das câmeras dos uniformes da PM pelos próprios
militares, que fora lançado uma semana antes, sem tanta repercussão.
Quem
mudou: o governador que disse “que podia vir crítica de desrespeito aos
direitos humanos da parte da mídia, do Tribunal Penal Internacional ou dos
raios que o partam, não ‘tou' (sic) nem aí” – lembrando a frase célebre de seu
mentor político, o então presidente Jair Bolsonaro, quando lhe pediram para se
manifestar sobre a milésima morte pela Covid: “E daí, não sou coveiro”.
• Quais as
prioridades?
Eu
tenho para mim que a preocupação excessiva da população com o crime e a
segurança pública cresce com a preguiça do noticiário desde a pandemia, de
cobrir outras palpitantes questões. Ficou fácil para a mídia fazer o jornalismo
B.O. (vulgo Boletim de Ocorrência). As redações sempre tiveram a rádio-escuta
para acompanhar as frequências da polícia e não ser furada por uma grande
ocorrência. Mas só uma chacina como a da Candelária ou de Vigário Geral merecia
cobertura e espaço em uma página. As redações estavam empenhadas em matérias de
denúncia na educação, na saúde, no precário sistema de transportes. Isso pede
tempo e exaustivo trabalho de apuração. A escuta da polícia ou um sobrevoo de
helicóptero, captura imagens de grande congestionamento, de uma perseguição
policial, de um incêndio.
São
fatos espetaculosos, ou como dizia Roland Barthes, “fait divers”, mas que não
mexem com as estruturas das coisas (uma investigação da Polícia Federal sobre
as ramificações do “escritório do crime”, com as milícias e a cumplicidade da
banda podre da PM e da Polícia Civil e políticos estaduais, municipais e
federais, esta sim, mostra a extensão e as causas do crime. De que me vale,
ouvir no rádio do carro, no Rio ou em São Paulo, o caso de um assassinato em
Manaus? Se não for uma personalidade, é tirar atenção de questões maiores.
Quando estas ganham o noticiário, logo entram na lista de prioridades do
público.
Tarcísio,
que não quer se precipitar à sucessão presidencial de 2026 (da boa para fora),
está fazendo todos os movimentos para ser o escolhido pela direita, ou
centro-direita, para enfrentar Lula (ou outro representante da centro-esquerda)
em 2026. O governador está fazendo o que o treinador Elba de Pádua Lima, o Tim,
dizia: “quem se desloca, recebe; quem pede tem preferência”. Tarcísio já se
deslocou e está usando a campanha à prefeitura de São Paulo, que só perde em
importância nacional para o governo do Estado de São Paulo, para aferir sua
“temperatura e pressão”. Com cautela para não se indispor com o centro, que é o
fiel da balança. Sempre. Inclusive em 2022.
O
presidente Lula colecionou duas derrotas dolorosas esta semana, quando a Câmara
rejeitou, por 314 votos a 126, o veto presidencial à aprovação do projeto que
vetava as chamadas “saidinhas” de condenados da prisão nos chamados indultos
coletivos de Natal e Ano Novo. O governo, que vem fazendo um extraordinário
mutirão de apoio à reconstrução do Rio Grande do Sul, subestimou a capacidade
de articulação da oposição bolsonarista. Liderada pela “bancada da bala”, que
brada que “bandido bom é bandido morto” [aquele que não dedura a banda podre da
polícia e da política em audiência com o juiz], não aceitou a ressalva de Lula
que dava margem para saída de presos em regime semiaberto para realizar visitas
familiares em datas comemorativas. Agora, condenados só podem deixar a prisão
apenas para fazer cursos, sejam profissionalizantes, de nível médio ou
superior. A articulação dos ministros da área política e dos direitos humanos
sofreu um “tratoraço” no Congresso.
Novas
emboscadas estão sendo armadas para esta semana e a vítima da hora pode ser o
projeto de tributação do ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Para impor uma
derrota a Lula, congressistas querem ampliar o leque de isenções e subsídios.
No passo que querem imprimir, vai ficando mais difícil baixar a carga
tributária, mediante a ampliação do leque de contribuintes mais ricos, em troca
da diminuição dos encargos tributários indiretos nos impostos sobre o consumo
que hoje recaem mais sobre os mais pobres.
O
resultado parcial das entregas do Imposto de Renda das pessoas físicas deste
ano (ainda falta completar a prestação de contas dos contribuintes gaúchos que
ganharam até o fim de agosto para recuperar documentos para se ajustar com o
Fisco federal) com 42,4 milhões de declarações até a meia noite de 31 de maio,
num aumento extraordinário de 2012% no número de declarantes, prova duas
coisas: 1- mesmo com a elevação do piso dos declarantes, ainda há espaço para
que Lula cumpra a promessa de isentar de IR na fonte os que ganham até R$ 5
mil; 2 – o fim dos privilégios para contribuintes de alta renda gerou uma
ampliação dos declarantes no topo da pirâmide da alta renda. Este, por sinal, é
o desenho correto da tributação – alcançar mais os que ganham mais.
Outro
dado que ficou claro esta semana é que o mercado de trabalho vai se recuperando
da longa depressão na crise causada pela recessão de 2015-2016. Quando o
mercado estava se recuperando, a pandemia de 2020-2021 jogou novamente o
desemprego nas alturas. Isto está sendo feito com a inflação em queda
consistente. Mas, na cartilha do Banco Central, o aumento dos empregados com
carteira assinada (que tende a melhorar as finanças do INSS, a principal causa
do déficit público no Brasil), é um pecado mortal, que deve ser combatido com
juro alto, que deprime o consumo e os investimentos. Ou seja, nosso Banco
Central prefere o círculo vicioso que eleva os juros e transfere renda para os
mais ricos da sociedade do que o círculo virtuoso do crescimento, que cria empregos
e melhora a redistribuição de renda no país.
• Os EUA com
um condenado à frente
Depois
que os 12 jurados do tribunal de Nova Iorque decidiram, por unanimidade, e - ao
todo - votaram 418 vezes pela condenação de Trump em 34 acusações (x12=418),
era de se esperar, como lembra o jornalista Ricardo Noblat em seu Blog no site
“Metrópoles”, que diminuíssem as chances de ele se eleger uma vez que se tornou
um criminoso – o primeiro ex-presidente dos Estados Unidos condenado por um ou
mais crimes.
Noblat
lembra que Trump tem um eleitorado fiel e que resiste a qualquer escândalo ou
acusação criminal, embora insuficiente para lhe assegurar a vitória. “Ele
precisará da ajuda de eleitores republicanos e independentes que dizem preferir
ter outro candidato à Casa Branca capaz de derrotar Biden. Como esses eleitores
irão se comportar?”. E recorda que há apenas um mês – mas antes da condenação
midiática - “na Pensilvânia, onde Trump venceu por 44.292 votos em 2016 e
perdeu por 80.555 em 2020, 158 mil eleitores registrados no Partido Republicano
votaram em Nikki Haley nas eleições primárias, apesar de a antiga embaixadora
dos Estados Unidos na ONU ter cancelado a sua candidatura dois meses antes. Há
rejeição a ser trabalhada.
O
meu amigo Noblat cita uma importante observação do diretor do Departamento de
Ciência Política da Universidade de Boise, no Idaho, Ross Burkhart, que explica
em entrevista ao site do jornal Público, de Lisboa: “Os 15% a 20% de eleitores
que não votaram em Trump nas eleições primárias estão agora no centro das
atenções, sendo pouco provável que esta condenação leve a maioria deles a mudar
de opinião”.
A
questão crucial é a capacidade dos dois candidatos em disputa nas eleições de 5
de novembro, o presidente Joe Biden e o ex-presidente conseguirem mobilizar
votos de uma fatia expressiva do eleitorado que não costuma comparecer às urnas
nem depositar o voto pelo correio. Na eleição de 2020, Biden aproveitou o
receio dos eleitores em serem contaminados pela Covid nas aglomerações de
novembro, para mobilizar os votos dos negros e dos chicanos e demais imigrantes
latino-americanos que não se sentiam representados por um candidato à reeleição
que, quando presidente, tentou barrar a entrada de mão de obra nos Estados
Unidos, erguendo um novo muro da vergonha na fronteira com o México.
Mais
do que isso, a adesão maciça dos supremacistas brancos, que se acentuou nesta
nova campanha, faz de Trump o porta-voz da Ku-klux-klan escondida na alma dos
racistas americanos. Para disfarçar o excesso de brancos em torno de suas
comemorações nas primárias (onde deu um passeio), requisitou congressista negro
para aparecer de papagaio de pirata e disfarçar um pouco o tom de sua campanha
– quase uma revanche dos Confederados estados do Sul, escravocrata, contra a
democracia dos nortistas.
Biden
precisa mobilizar novamente o eleitorado negro e os imigrantes que conseguiram
o “green-card”, mas têm amigos e parentes que podem ser banidos do território
americano se Trump voltar ao poder.
Noblat
observa um fato preocupante [que atribuo ao passado midiático de Trump a bordo
de seu “reality-shown” o “Aprendiz“, visto por espectadores mais jovens que
queriam conquistar espaço no mercado de trabalho]: “Até ser condenado, Trump
parecia estar conquistando o voto dos negros e dos mais jovens. Na verdade,
esses eleitores não fazem parte da base de apoio de Trump, e muitos apoiam
candidatos do Partido Democrata em eleições para o Senado. Alguns votaram em
Biden para presidente há quatro anos. Votariam de novo?”, indaga Noblat.
• O Fed no
alvo de Trump
Creio
que nos próximos seis meses, mesmo se fazendo de “vítima do sistema”, a
decência americana falará mais alto e haverá rejeição a um criminoso contumaz.
Se, apesar dos pesares, Trump for eleito, prevejo que um dos seus alvos
prediletos será, mais uma vez, o presidente do Federal Reserve Bank, Jerome
Powell, cujo mandato de quatro anos foi renovado em maio de 2022 até junho de
2026. Powell comandou o Banco Central americano quando Trump era presidente e
sofreu várias críticas contra o nível dos juros. Mas a crítica divergia do tom
de Lula contra o Banco Central de Roberto Campos Neto (não pelo tom, às vezes,
até mais truculento de Trump, mas pelos fins que estavam por trás dos meios -
as críticas). Lula olha para o endividamento das famílias e dos pequenos,
micros e médios empresários, assolados por altos juros – que têm como piso um
patamar de juros real (deduzido a inflação) de cinco a seis pontos no Brasil,
contra dois a três pontos nos Estados Unidos, que aqui impede a economia de
crescer mais. Lá, Trump sempre esteve preocupado em reerguer seu império
imobiliário em Nova Iorque e na Florida, que tiveram brutal desvalorização na
crise financeira mundial de setembro de 2008. Juros altos sempre foram inimigos
do crescimento.
Mas,
nada desestimula mais o mercado de imóveis que juros nas alturas. Sem baixar os
juros das hipotecas, o império de Trump não decola. E Powell sabe perfeitamente
que a origem da crise financeira mundial de 2008 foi a leniência das
autoridades de controle e regulação bancária na alavancagem das operações de
dupla e tripla hipoteca do mercado imobiliário. O castelo de cartas que ruiu e
levou à quebra do Leman Brothers ainda não foi reconstruído. Por isso, as
autoridades reguladoras redobraram os controles de supervisão sobre o mercado
de crédito bancário e de hipotecas. Trump já deu a entender, segundo “The New
York Times”, que os reguladores estarão na sua alça de mira. Uma verdadeira
confissão de querer voltar ao poder para agir em causa própria. Biden certamente
deve explorar esse ponto na campanha.
• Sinais que
vêm da África
O
Congresso Nacional Africano, o partido de Nelson Mandela, que lutou contra o
“apartheid” na África do Sul e dominou a cena política do país por mais de três
décadas, acaba de sofrer um duro revés: o CNP recebeu menos de 50% dos votos
pela primeira vez em 30 anos, colocando a nação num rumo desconhecido.
Os
elefantes têm uma prodigiosa memória e são capazes de fazer uma longa travessia
nos desertos do Sul do continente guiados por uma matriarca que guarda de
memória o trajeto rumo a fontes de água que conhecera há mais de 20 anos. E
todos se salvam.
Já
uma boa parte dos jovens eleitores de uma África do Sul integrada parece não
ligar para as cicatrizes da discriminação racial, que fazia com que mais de 80%
de negros fossem separados e dominados como cidadãos de segunda classe por uma
minoria étnica branca racista de origem anglo-holandesa. O ocaso do CNA na
África do Sul deveria servir para meditação no Brasil, para que as velhas
castas políticas captem as aspirações das novas gerações.
Fonte:
Por Gilberto Menezes Côrtes, no Jornal do Brasil
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