quarta-feira, 26 de junho de 2024

O drama dos moradores de Gaza: 'Tenho dinheiro no banco mas não consigo comprar pão para meus filhos'

"Há dias em que não consigo comprar pão para os meus filhos, embora haja pão disponível, e eu tenha dinheiro na minha conta bancária."

Mohamed al-Kloub, um palestino de Deir al Balah, em Gaza, diz que o dinheiro na sua conta bancária não vale nada se não puder sacar, uma vez que muitos estabelecimentos não aceitam transações eletrônicas.

O dinheiro em espécie se tornou bastante escasso em Gaza nos últimos meses, especialmente depois de Israel ter congelado os repasses da receita tributária palestina à Faixa de Gaza.

·        Crise de liquidez

Durante os primeiros meses da guerra em Gaza, à medida que o número de pessoas desalojadas aumentava, os moradores do território palestino faziam filas em frente aos caixas eletrônicos e aos bancos, na esperança de sacar algum dinheiro.

Alguns esperaram dias até chegar sua vez de efetuar o saque.

Com o passar do tempo, e o aumento do número de bancos destruídos nos combates, alguns civis foram expostos ao que a população de Gaza chama de "máfias de troca de dinheiro" — gangues que viram uma oportunidade de ganhar dinheiro em meio ao caos e ao pânico.

Em 24 de março, seis meses após o início da guerra, a Autoridade Monetária Palestina anunciou que "não era possível abrir as agências remanescentes em todas as províncias da Faixa de Gaza, devido aos contínuos bombardeios, à falta de energia e à difícil situação no local".

Isso resultou em uma crise de liquidez sem precedentes, com a maioria dos caixas eletrônicos sem funcionar também.

Em 11 de maio, a Autoridade Monetária Palestina lançou um serviço de pagamento eletrônico instantâneo, utilizando serviços bancários online, carteiras digitais e cartões de banco.

Mas a instabilidade da conexão de internet foi um problema significativo — e o serviço não foi amplamente adotado.

"Durante os oito meses de guerra, encontrei apenas um estabelecimento que aceitava transações eletrônicas — e isso acontece especialmente agora que os produtos estão sendo expostos e vendidos em "barraquinhas" nos campos, em vez de nas lojas", conta Mohamed.

·        A economia de Gaza

Para entender o que causou a atual crise financeira em Gaza, vale a pena conhecer mais de perto o sistema de financiamento no território palestino.

economia na região é gravemente afetada pelo bloqueio que foi imposto desde que o Hamas assumiu o controle total da Faixa de Gaza em 2007.

Israel diz que o bloqueio é necessário para impedir os ataques do grupo militante.

Os bancos na Faixa de Gaza são associados à Autoridade Monetária Palestina e ao governo palestino em Ramallah, ou são de propriedade privada e afiliados ao governo do Hamas.

A Autoridade Monetária Palestina foi estabelecida no âmbito do Protocolo de Paris, assinado em 1994, e consta em uma cláusula anexada aos Acordos de Oslo.

Este acordo colocou a economia palestina e suas transações financeiras sob a supervisão e controle direto do sistema bancário israelense.

Pelos termos do acordo, Israel arrecada impostos em nome da Autoridade Palestina e transfere o montante, mensalmente, para a Autoridade Monetária — após a aprovação e assinatura do Ministério das Finanças israelense, e depois da dedução de uma porcentagem.

Estes fundos, conhecidos como receitas fiscais ou tributárias, representam a maior parte das receitas financeiras da Autoridade Palestina — e uma parte dela é repassada à Faixa de Gaza.

Quando o Hamas assumiu o controle da Faixa de Gaza em 2007, milhares de trabalhadores civis em Gaza continuaram a receber seus salários da Autoridade Palestina. Eles eram transferidos por meio de bancos em Gaza afiliados à Autoridade Monetária.

O dinheiro também entrou em Gaza sob a forma de ajuda da UNRWA — a agência da ONU para refugiados palestinos — e do Catar, que era considerada a principal fonte de dólares em Gaza.

Ahmed Abu Qamar, pesquisador econômico palestino de Gaza, classifica estes fluxos de renda como as "rotas oficiais para o dinheiro".

Ele disse à BBC que também existem rotas não oficiais, a chamada "economia paralela", como a conversão de mercadorias em dinheiro.

Mas o dinheiro gerado por rotas não oficiais não aparece no ciclo monetário, nem na "oferta monetária", diz ele.

Ele destaca que todos os recursos financeiros de Gaza eram insuficientes para estabelecer um ciclo econômico saudável que permitiria a mais de dois milhões de cidadãos na Faixa de Gaza viver normalmente.

As três moedas utilizadas nas transações financeiras são:

- Shekel israelense: a moeda mais utilizada, servindo de base para as transações diárias.

- Dólar americano: usado em importações, transações comerciais internacionais e na compra de produtos de luxo, como carros.

- Dinar jordaniano: tradicionalmente usado para pagar dotes de casamento, comprar propriedades ou terrenos, e pagar mensalidades universitárias, por exemplo.

·        O impacto da guerra

Desde o início da guerra, as autoridades israelenses têm se recusado a repassar as receitas tributárias destinadas à Faixa de Gaza para a Autoridade Monetária Palestina.

Israel argumenta que este dinheiro ajuda a financiar o movimento do Hamas.

Em novembro de 2023, o Ministério das Finanças palestino anunciou que "o Ministério das Finanças israelense deduziu 600 milhões de shekels (R$ 870 milhões) das receitas tributárias mensais sob o pretexto de que parte deste montante inclui salários, alocações de funcionários e despesas para a Faixa de Gaza".

No início do ano, o Ministro das Finanças israelense, Bezalel Smotrich, ameaçou privar a Autoridade Palestina de todas as receitas tributárias se "um shekel" sequer entrasse em Gaza.

"Nem um único shekel vai entrar em Gaza", ele escreveu em uma publicação nas redes sociais em janeiro.

A oferta de dinheiro também foi reduzida por causa daqueles que estão saindo de Gaza — sob a forma de taxas pagas por indivíduos para escapar por meio da passagem de Rafah. Estas taxas de saída, que muitas vezes chegam a custar dezenas de milhares de dólares por pessoa, exauriram significativamente as reservas de dólares na Faixa de Gaza.

As cédulas danificadas também agravaram a escassez de dinheiro. Anteriormente, no âmbito de um acordo entre Palestina e Israel, as notas danificadas eram trocadas por novas. No entanto, desde o início da guerra, este processo foi interrompido, tornando essas cédulas inúteis, uma vez que os comerciantes se recusam a aceitá-las.

·        O mercado clandestino

Mohamed al-Kloub foi forçado a recorrer ao mercado clandestino, no qual "saca" dinheiro em uma loja, em troca de uma comissão que varia entre 10% e 20% — mas até mesmo esta opção está se tornando complicada, diz o funcionário Mahmoud Bakr al-Louh.

Nas fachadas de muitas das lojas que anteriormente prestavam este serviço de saque de dinheiro mediante o pagamento de comissões, há cartazes que informam "não há dinheiro". Aqueles que têm acesso a dinheiro em espécie "estão favorecendo seus amigos", diz Mahmoud.

Ahmed (nome fictício) conversou com a BBC sobre seu trabalho fornecendo dinheiro sob comissão.

Ele começou a prestar o serviço para compensar o prejuízo que sofreu ao sacar 40 mil shekels (R$ 58 mil) da sua conta.

Ele contou que teve que pagar uma taxa de 10%. Agora Ahmed deduz 13% de comissão em troca do fornecimento do seu dinheiro aos clientes.

Seus ganhos mal cobrem uma pequena parte de suas necessidades diárias. Mas os moradores de Gaza que recorrem ao mercado clandestino se queixam da "extorsão" que dificulta ainda mais seu sofrimento diário.

 

¨      Governo de Israel tem tentado moldar opinião pública dos EUA sobre a guerra em Gaza, diz mídia

Segundo uma investigação do britânico The Guardian, Tel Aviv relançou um programa para influenciar a opinião pública nos EUA e na Europa para "vencer a guerra pela história de Israel".

As autoridades de Israel estão financiando um programa para moldar a opinião pública nos EUA sobre a ação militar na Faixa de Gaza, visando especialmente as universidades americanas, escreveu na segunda-feira (24) o jornal britânico The Guardian.

Segundo o jornal, em novembro, Amichai Chikli, ministro da Diáspora, garantiu aos legisladores israelenses que há novos fundos no orçamento para uma "campanha de resposta" de Israel. Ela inclui 80 programas que já estão em andamento como parte de uma "campanha de relações públicas" a ser realizada pela Concert.

A Concert, diz o The Guardian, prevê um relançamento em grande escala de um programa do governo israelense destinado a promover as chamadas atividades de conscientização em massa voltadas principalmente para os EUA e a Europa. Ela é agora conhecida como Vozes de Israel (Voices of Israel, em inglês), e fez uma parceria com o Instituto para o Estudo do Antissemitismo Global e Política (ISGAP, na sigla em inglês), uma organização sem fins lucrativos sediada nos EUA.

"A última encarnação [do programa da Concert] faz parte de uma operação secreta do governo israelense para atacar os protestos estudantis, as organizações de direitos humanos e outras vozes dissidentes", afirmou o jornal.

Ele observa que, entre outubro e maio, Chikli gastou pelo menos 32 milhões de shekels israelenses (R$ 46,41 milhões) para se infiltrar no governo a fim de mudar o formato da opinião pública. Organizações ligadas à Vozes de Israel incluem CyberWell e o Conselho Nacional de Empoderamento Negro (NBEC, na sigla em inglês), que estão tentando aumentar o apoio a Israel nos EUA.

"O alvorecer da guerra de Gaza após os ataques terroristas do Hamas em 7 de outubro de 2023 provocou a terceira reinicialização da empresa apoiada pelo governo, que foi originalmente constituída por meio do agora rebaixado Ministério de Assuntos Estratégicos", explica a mídia britânica.

"A reformulação foi divulgada pela primeira vez por meio de um documento orçamentário pouco notado publicado pelo governo israelense em 1º de novembro, que observou que a Vozes [de Israel] congelaria todas as campanhas anteriores para apoiar atividades relacionadas a 'vencer a guerra pela história de Israel'", detalhou.

¨      Será Israel capaz de conduzir uma guerra total contra o movimento Hezbollah?

O premiê israelense, Benjamin Netanyahu, disse ao canal de TV Channel 14 que Tel Aviv está pronta para transferir algumas forças para o norte para enfrentar o grupo de resistência libanês Hezbollah. Será Tel Aviv capaz de travar uma guerra em duas frentes?

As Forças de Defesa de Israel (IDF) e os combatentes do Hezbollah têm efetuado ataques cada vez mais intensos através da fronteira sul do Líbano desde o início do conflito de Israel em Gaza, lançado após o ataque do movimento Hamas em 7 de outubro de 2023.

"De uma perspectiva israelense, seria muito difícil imaginar uma guerra em duas frentes, mesmo sabendo que no Gabinete de Guerra israelense, há muitos ministros dispostos a tentar abrir a segunda frente com o Hezbollah", disse à Sputnik Lorenzo Trombetta, acadêmico e analista baseado em Beirute especializado no Oriente Médio.

O Hezbollah tem repetidamente alertado que intensificará as ações militares, a menos que Israel pare de matar civis palestinos na Faixa de Gaza.

Na semana passada, o secretário-geral do Hezbollah, Seyyed Hassan, disse que o movimento tem uma força militar de 100.000 homens capazes de realizar ações militares contra Israel em todos os três domínios – terra, mar e ar, acrescentando no entanto que não quer uma guerra total com o país hebreu e apelou a um cessar-fogo completo e permanente em Gaza.

Embora admitindo que as capacidades militares de Israel são "muito fortes e muito elevadas", Trombetta expressou dúvidas sobre as chances de Tel Aviv de ter sucesso em uma guerra contra o Hezbollah.

"Tecnicamente falando, o Hezbollah tem drones e, principalmente, mostrou há pouco tempo, durante maio e junho, suas capacidades para lançar mísseis terra-ar que podem atingir ou combater não apenas drones israelenses, os Hermes 450 e Hermes 900, mas também caças israelenses", disse o especialista.

"Em segundo lugar, eles também mostraram nas últimas semanas a capacidade de atacar, de representar uma ameaça dentro dos territórios israelenses com drones armados, drones suicidas, outras armas aéreas que romperam o sistema Cúpula de Ferro em mais de uma ocasião, mesmo recentemente", continuou Trombetta.

O Instituto Israelense da Universidade Reichman para o Contraterrorismo assume que o Hezbollah poderia disparar até 3.000 mísseis por dia e sobrecarregar as defesas aéreas de Israel.

Os pesquisadores alertaram que os ataques intensivos esgotariam os estoques israelenses de mísseis terra-ar em apenas alguns dias de combate, expondo o país a novos ataques de mísseis e drones do Hezbollah. Eles argumentam que Tel Aviv não está preparada para uma guerra total com o movimento libanês.

"Devemos ter em conta também o fato de que, caso Israel lance uma guerra contra o Hezbollah no Líbano, é muito possível que o Irã e outros aliados na região ativem suas forças contra Israel e os interesses dos EUA", concluiu Trombetta.

 

Fonte: BBC Arabic/Sputnik Brasil

 

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