sábado, 29 de junho de 2024

Mercado de Carbono não é ‘salvação’ da Amazônia

O mercado de carbono é um tema complexo que suscita debates intensos sobre sua eficácia e equidade. Enquanto alguns argumentam que pode ser uma ferramenta útil na luta contra as mudanças climáticas, chamamos atenção para as preocupações sobre sua implementação e impactos, especialmente para aqueles que dependem da terra para subsistência.

Estes projetos geram créditos de carbono, representando a quantidade de CO2 que é removida da atmosfera ou evitada de ser emitida devido à preservação das florestas. Os créditos de carbono podem então ser comprados e vendidos no mercado, permitindo que as partes interessadas compensem suas emissões de carbono e alcancem metas de neutralidade de carbono.

Em teoria, o mercado de carbono funciona atribuindo um valor econômico ao carbono emitido na atmosfera, incentivando empresas e países a reduzirem suas emissões. Isso é frequentemente feito por meio de um sistema de “cap and trade” (limitação e comércio), em que um limite máximo de emissões é estabelecido e as empresas podem comprar e vender permissões de emissão dentro desse limite.

Para a socióloga Márcia Maria de Oliveira, professora da Universidade Federal de Roraima e assessora da REPAM-Brasil, “o comércio de emissões para o dióxido de carbono tem funcionado como uma espécie de mitigação pelos danos ambientais. É como uma autorização prévia para a destruição ambiental. Contraditoriamente, nos últimos anos, grandes empresas ligadas ao agronegócio têm se despontado no mercado de carbono. Ironicamente, o modelo de produção do agronegócio é um dos modelos que mais produz emissão de carbono, com destaque para a criação de gado em confinamento. Nesse sentido, há muita hipocrisia na regulação do mercado de carbono. As grandes fazendas são pagas para poluir sob a roupagem da proteção de pequenas áreas ‘protegidas’ em grandes faixas de território desmatado para grandes plantios de monocultura, altamente prejudicial para o bioma”.

Para Lindomar Padilha, indigenista e pesquisador, os mercados de carbono na região da Amazônia são mercados ligados aos mecanismos de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal (REDD+), que atuam no sentido de apropriação dos territórios de comunidades tradicionais. Ou seja, o Estado negocia diretamente com as empresas de conglomerados empresariais. Quando o Estado faz isso, por exemplo, no caso dos territórios indígenas, a mensagem transmitida é que eles não pertencem à própria comunidade indígena, mas ao governo brasileiro. Portanto, essas terras na verdade são usadas como garantia aos bancos internacionais que vão fazer esses investimentos.

“Essas terras são dadas como garantia. Nós estamos falando de uma hipoteca, o governo brasileiro está hipotecado a partir das comunidades, estamos falando de um mercado que tem o princípio da preservação e a conservação ambiental, mas não se trata disso. Nós não podemos aceitar essa grande mentira”, ressalta Lindomar.

O mecanismo de REDD+ jurisdicional é uma abordagem que se diz inovadora para enfrentar a perda de florestas tropicais, como a Amazônia, ao mesmo tempo em que busca reduzir as emissões de gases de efeito estufa. Este sistema opera dentro do contexto do Acordo de Paris e é uma das ferramentas mais proeminentes para a conservação de florestas e mitigação das mudanças climáticas.

O Mercado de Carbono, em vez de promover diretamente a conservação e a redução do desmatamento, muitas vezes direciona recursos financeiros para projetos de compensação de emissões em outras partes do mundo. Isso pode desviar a atenção e os investimentos necessários para proteger a Amazônia, deixando-a vulnerável ao desmatamento e à degradação, “em um permanente contexto de continuidade da colonialidade com novos métodos de exploração neoextrativistas, fantasiados de benefícios para os territórios. Nessa perspectiva, o mercado de carbono representa uma afronta aos ambientalistas, aos indigenistas e a todos os defensores/as dos direitos humanos na Amazônia. O mercado de carbono por si, não tem conseguido acabar com o desmatamento e nem promover a reposição florestal. Ao contrário, tem deixado em posição de conforto as empresas que mais poluem o planeta”, pontua Márcia Oliveira.

Em alguns casos, o crédito de carbono pode permitir que empresas continuem desmatando a Amazônia, desde que compensem suas emissões através da compra de créditos de carbono. Isso cria uma perigosa dinâmica em que o lucro financeiro se sobrepõe à conservação ambiental, resultando na destruição contínua de ecossistemas preciosos.

“O mercado de carbono tem atualizado os mecanismos de colonização da Amazônia. Baseado no sistema da exploração dos recursos naturais, o mercado de carbono funciona como um método de extrativismo predatório no qual todos os recursos são submetidos à exploração de pessoas ou empresas que lucram com os bens da natureza sem se importar com os prejuízos do modelo de exploração”, explica Márcia Oliveira.

Muitos projetos de crédito de carbono na Amazônia envolvem a aquisição de terras de comunidades indígenas para implementar projetos de reflorestamento ou conservação. Isso pode levar ao deslocamento forçado dessas comunidades, violando seus direitos territoriais e culturais, além de aumentar sua vulnerabilidade social e econômica.

O crédito de carbono trata os sintomas, mas não as causas subjacentes do desmatamento na Amazônia, como a expansão agrícola, a mineração ilegal e a pecuária extensiva. Enquanto as raízes desses problemas persistirem, o crédito de carbono pode fornecer apenas soluções superficiais e temporárias, incapazes de resolver os desafios estruturais enfrentados pela região.

Algumas empresas podem utilizar projetos de crédito de carbono na Amazônia como uma forma de “lavagem verde” (greenwashing), apresentando-se como ambientalmente responsáveis enquanto continuam suas práticas prejudiciais ao meio ambiente. Isso mina a integridade do sistema de crédito de carbono e compromete seus objetivos originais de redução efetiva das emissões de gases de efeito estufa.

“E o mais grave disso tudo é que são empresas que têm enriquecido novamente com um projeto que não resultou em nenhum benefício para as populações que realmente protegem as florestas – os povos indígenas e as comunidades tradicionais, que convivem com a floresta numa relação de cuidado e reciprocidade, segundo a perspectiva da Encíclica Laudato Sí do Papa Francisco ‘tudo interligado, como se fôssemos um’. Entretanto, os povos e comunidades que realmente protegem as florestas vivem à margem das grandes economias. Ao contrário daqueles que lucram com a ‘economia verde’, os povos e comunidades tradicionais são as principais vítimas dos mecanismos de exploração, desmatamento, envenenamento e contaminação das águas, da terra e do ar”, conclui a assessora da REPAM-Brasil.

A falsa sensação de segurança de que a compensação pode oferecer uma abordagem eficaz para reduzir as emissões de carbono, além de impedir que verdadeiras soluções sejam implementadas, coloca em risco a Amazônia e o equilíbrio climático mundial.

 

¨      Em marcha, indígenas do Levante pela Terra denunciam favorecimento do agronegócio em detrimento às demarcações

Em marcha na tarde desta quarta-feira (26), cerca de 200 indígenas mobilizados pela segunda edição do “Levante pela Terra” denunciaram o valor destinado o agronegócio por meio do Plano Safra 2024/2025 – mais de 500 bilhões de reais – enquanto valores ínfimos são destinados à demarcação de terras indígenas pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva. A manifestação reúne indígenas dos povos Kaingang, Xokleng, Guarani Kaiowá, Guarani Nhandeva, Guarani Mbya, Huni Kuin e Tukano.

Durante os atos, explicam de forma pedagógica, em faixas e cartazes, a diferença no montante destinado pelo Governo Federal ao Plano Safra 24/25, que tem o agronegócio como o principal beneficiado, e o montante destinado às demarcações: “Povos Indígenas R$ 0,000006; Agronegócio R$ 600.000.000.000,00”.

“Indígenas denunciam o valor destinado o agronegócio por meio do Plano Safra 2024/2025, enquanto valores ínfimos são destinados à demarcação de terras indígenas”

O objetivo da manifestação é deixar um recado dos povos indígenas: “o governo Lula prevê liberar mais de R$ 500 bilhões, a metade de R$ 1 trilhão, para o agronegócio financiar o desmatamento e o envenenamento dos alimentos que a população brasileira e a população mundial consomem. Enquanto que para os povos indígenas, tem só uns tostões, e as demarcações de terra, homologações e portarias declaratórias seguem todas travadas”, denuncia Kretã Kaingang, um dos coordenadores do Levante pela Terra e um dos fundadores da primeira edição do Levante, em 2021.

“Para o agronegócio, meio trilhão, para os povos indígenas, nem um tostão. Essa é a diferença, a diferença do modelo que o governo trata os povos indígenas no Brasil”, denuncia Kretã.

“Para o agronegócio, meio trilhão, para os povos indígenas, nem um tostão”

Em manifestação em frente ao Ministério da Agricultura, Luis Salvador Kaingang, cacique da Terra Indígena (TI) Rio dos Índios, se manifestou contra o favorecimento do governo federal ao agronegócio. “Chega de exportação genocida, chega desse agronegócio que envenena nossa Mãe Terra, porque nós precisamos de vida”.

Com cantos, danças e cartazes, os povos protestam também contra a paralização nas demarcações e contra a Lei 14.701/2023, que fixa tanto o marco temporal como outras normas de impedimento à demarcação de terras indígenas. Em uma das faixas, o apelo ao Supremo Tribunal Federal (STF) foi claro: “STF: a Lei 14.701 é inconstitucional! Nossos territórios são sagrados”.

“Chega de exportação genocida, chega desse agronegócio que envenena nossa Mãe Terra, porque nós precisamos de vida”

A Lei 14.701 ignora a decisão dada pelo STF em setembro do ano passado. Na ocasião, a Corte afastou a tese do marco temporal como critério para demarcação das terras indígenas. Mesmo assim, o Congresso Nacional promulgou a lei no final do ano passado em uma disputa de força com a Suprema Corte.

Simão Guarani Kaiowá, liderança da Aty Guasu, destacou as razões pelas quais as lideranças decidiram organizar a segunda edição do Levante pela Terra: “Estamos aqui para defender o nosso direito e a nossa terra. Até o momento, a gente não recebeu nenhuma resposta do que foi prometida pelo governo federal, por isso chamamos o acampamento de Levante pela Terra”.

“Estamos aqui para defender o nosso direito e a nossa terra”

O Congresso Nacional também foi alvo das denúncias durante a manifestação. “Estão brincando com os nossos direitos, todas as políticas contrárias aos povos indígenas fazem ali naquela casa, no Congresso Nacional, onde invasores nos julgam com as leis que eles criaram, como a Lei 14.701”, denuncia Nhepan Gakran, liderança do povo Xokleng.

Apontando para as Casas Legislativas, Nhepan completa: “esse Congresso não tem moral nenhuma para falar e julgar os direitos dos povos indígenas, porque são todos invasores e cada vez mais promovem a destruição da nossa cultura, promovem a destruição do nosso território, das nossas vidas”.

“Esse Congresso não tem moral nenhuma para falar e julgar os direitos dos povos indígenas, porque são todos invasores e cada vez mais promovem a destruição”

Simultânea à manifestação na Esplanada dos Ministérios na capital federal, uma delegação de 25 lideranças acompanhou a sessão do Supremo Tribunal Federal, no plenário da casa. Na oportunidade, o ministro Luís Roberto Barroso, na presidência da Corte, destacou a presença dos indígenas na sessão, ao mesmo tempo que saudou o Levante pela Terra. Na avaliação dos indígenas, se fazer presente nas sessões da Suprema Corte “é uma forma, mesmo que silenciosa, de dizer aos ministros que estamos aqui”.

“Se fazer presente nas sessões da Suprema Corte é uma forma, mesmo que silenciosa, de dizer aos ministros que estamos aqui”

De volta ao acampamento, instalado no Complexo Cultural Funarte, em Brasília (DF), os organizadores do Levante pela Terra avaliam realizar novas manifestações ainda nesta semana, “quem sabe uma vigília amanhã, quinta-feira [27/6], na Praça dos Três Poderes, para cobrar a inconstitucionalidade da Lei 14.701”, apontam.

As manifestações integram a programação do Levante pela Terra, que ocorre entre os dias 24 e 28 de junho. Até sexta-feira (28), são aguardados no acampamento mais de 500 indígenas dos mais diversos povos do Brasil.

“Para o agronegócio, meio trilhão, para os povos indígenas, nem um tostão”, denuncia Levante pela Terra.

 

Fonte: Rede Eclesial Pan-Amazônica/Cimi

 

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