LEGADO
ANTI-AMBIENTAL: Governo Bolsonaro favoreceu desastre climático e agiu contra
consenso internacional
A
catástrofe das inundações no Rio Grande do Sul é mais um desastre ambiental
pelo qual o Brasil tem passado nos últimos anos. Seca na Amazônia, queimadas no
Pantanal, deslizamento de encostas no Rio de Janeiro, inundações na Bahia,
rompimento de barragens em Minas Gerais, e diversos outros desastres que
resultam em rios poluídos, temperaturas escaldantes, falta de água de
abastecimento, praias tomadas pelo mar, solos contaminados, fauna extinta etc.
Desde a década de 1980, quando o município de Cubatão passou a ser chamado de
“Vale da Morte”, o modelo de desenvolvimento desigual acumulado vem
transformando o esplendor da natureza dos biomas brasileiros em terra arrasada
e, agora, em cidades arrasadas, também.
Nesse
cenário de horrores, os mais atingidos são os mais vulneráveis: as classes
sociais mais pobres que invariavelmente habitam as áreas mais degradadas
ambientalmente e são afetadas por um conjunto de fatores crônicos.
O
acúmulo de calamidades que vem acontecendo no Brasil é indissociável do modelo
de desenvolvimento desigual que causa o fenômeno das mudanças climáticas.
Apesar dos avisos insistentemente divulgados por cientistas e ativistas
ambientais em âmbito nacional e internacional, o setor empresarial brasileiro
–nas cidades e no espaço rural– faz pouco pela sustentabilidade de suas
operações.
O
setor agrícola, em particular, parece ecoar a opinião do deputado gaúcho Alceu
Moreira (MDB/RS) ainda durante os piores dias da tragédia que arruinou seu
estado: mudanças climáticas são coisa de gente “ambientalóide esquerdopata”,
disse ele –numa designação, digamos, mais sofisticada do que aquela usada nos
anos 1980, quando o mesmo grupo de defensores do meio ambiente era chamado de
“ecochato”. O negacionismo climático –acompanhado de um movimento político que
rebaixa o ativismo contemporâneo a um mero “alarmismo”, “ambientalóide
esquerdopata”– é responsável pelo agravamento dos desastres naturais.
Nesse
contexto, o governo de Jair Bolsonaro (2018-2022), pode ser considerado o
exemplo mais bem acabado de negligência na proteção ambiental e flexibilização
para pior das possibilidades de aplicação das leis ambientais.
Seu
legado anti-ambiental inclui altas taxas de desflorestamento na Amazônia para
criar pastagens, o corte de 93% da verba para pesquisa de mitigação às mudanças
climáticas, o engavetamento da Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC)
e o descompasso da política doméstica ambiental em comparação à internacional.
Sua gestão foi um fator determinante para o agravamento das condições
climáticas no país.
No
governo Bolsonaro, a Amazônia teve o seu pior desmatamento desde 2006. Segundo
o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), a área desmatada na
Amazônia teve um aumento de 52,9% entre os anos de 2019 e 2021, sendo 13.235
km2 desmatados no bioma. As causas são inúmeras: o menosprezo do governo em
relação a ações de fiscalização e controle, o afastamento de servidores
ambientais e a censura de suas pesquisas, além da redução do orçamento dos
órgãos ambientais, que em 2021 foi o menor em 21 anos. Isso foi visto no Fundo
Amazônia, que teve sua autonomia diminuída e regras modificadas favorecendo,
direta ou indiretamente, ilícitos ambientais.
Além
da negligência do governo em relação às políticas ambientais, podemos destacar
o descaso do país em relação às ações de redução e prevenção climática. A NDC
(Contribuição Nacionalmente Determinada) apresentada em 2015 no Acordo de Paris
estabeleceu que o Brasil chegaria em 2030 emitindo 1,2 bilhão de toneladas
líquidas de CO2. No entanto, em 2020 ocorreu uma atualização da NDC em que, por
meio de uma base de cálculos diferentes, instituiu um aumento de emissão de 400
milhões de toneladas a mais do que a meta original de 2015.
Logo,
no contexto das enchentes no Rio Grande do Sul –o maior desastre ambiental já
ocorrido em solo brasileiro– e levando em conta o governo precedente, cabe
analisar como o país se posiciona no contexto internacional em relação a
iniciativas relacionadas a riscos ambientais. Para isso, o texto perpassa os
temas acerca do papel das Nações Unidas e adaptação às mudanças climáticas, o
regime ambiental internacional vigente, a posição da sociedade civil, ONGs e
instituições públicas brasileiras, os impactos prejudiciais à sociedade e a
economia política dos desastres ditos “naturais”.
Desta
forma, a seguir, pontuamos como o governo Bolsonaro se posicionou em
desconformidade com os compromissos já assumidos pelo governo brasileiro no
âmbito internacional.
• Governo Bolsonaro abandonou o Plano
Nacional de Adaptação (PNA) às Mudanças Climáticas
As
medidas adotadas no governo Bolsonaro contrastam com o estado de emergência
climática que perpassa a Terra e vão de encontro com o posicionamento da
Organização das Nações Unidas que advoga a importância de mitigar as mudanças
climáticas como também a necessidade de se adaptar a elas. Além disso, elas se
contrapõem com a cooperação internacional entre os países, que, em 2015,
estabeleceram no Acordo de Paris, ratificado pelo Brasil, a Meta Global de
Adaptação.
O
Brasil instituiu o Plano Nacional de Adaptação (PNA), em 2016, nos últimos dias
do governo Dilma Rousseff. No entanto, após o golpe que derrubou a presidenta,
não houve investimento na implementação do mesmo, em especial durante o governo
Bolsonaro. Seu Relatório Final de Monitoramento e Avaliação (2016-2020),
avaliando seu primeiro ciclo de execução, aponta a necessidade de ações mais
efetivas.
Entretanto,
o segundo ciclo de PNA foi abandonado na gestão do governo Bolsonaro, sendo uma
das ações que demonstram a transgressão do Brasil nas questões ambientais e
compromissos assumidos no âmbito internacional. A ministra do Meio Ambiente,
Marina Silva, na abertura da reunião do Grupo Técnico de Adaptação, em novembro
de 2023, reiterou como o país está atrasado no Plano de Nacional de Adaptação,
que só viu o início da elaboração do segundo ciclo do PNA no
atual governo do presidente Lula.
• Estudo “Brasil 2040” sobre impacto de
mudanças climáticas foi engavetado
Ainda
no governo Dilma Rousseff, sob coordenação da Secretaria de Assuntos
Estratégicos da Presidência da República (SAE-PR), foi preparado o estudo
“Brasil 2040“, com vistas a projetar os impactos das mudanças climáticas no
Brasil em diversos setores econômicos e sociais até o final do século XXI.
O
estudo, que foi ignorado pelo governo Bolsonaro, segue diretrizes
internacionais, especialmente em relação à modelagem climática e à análise dos
impactos das mudanças climáticas. Ele utiliza modelos climáticos globais,
adaptações locais e aborda estratégias de mitigação e adaptação, alinhando-se
com práticas e recomendações de organismos internacionais como o IPCC (Painel
Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas).
O
terceiro governo Lula, diante disso, está tendo a missão de reinserir o país
nesses regimes, seja por conta de uma tradição diplomática perdida na última
década ou pela urgência do tema para o Brasil. A COP 30, com sede em Belém, é
um símbolo dessa reconstrução diplomática.
• Órgãos do próprio governo não foram
ouvidos
Para
além de estudos e planos, o Brasil possui uma estrutura institucional
relacionada a alertas para questões climáticas que é invejável no contexto dos
países em desenvolvimento. Os principais centros institucionais, criados em
2012, são: o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais
(CEMADEN) –núcleo monitorador de áreas de risco a partir do gerenciamento de
informações vindas de radares meteorológicos, pluviômetros e previsões
climáticas–, e o Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil –atuante nos
Estados e municípios, o qual tem como intuito a redução da intensidade dos
desastres naturais a partir da prevenção, preparação para emergências,
mitigação e recuperação de áreas afetadas.
Embora
o Brasil possua órgãos de prevenção efetivos, compatíveis e alinhados às
diretrizes internacionais, eles não foram devidamente ouvidos pelas autoridades
em escala federal, estadual e municipal. Segundo Gustavo Fernandes, professor
de administração pública da FGV/EASP que concedeu uma entrevista à Folha de
S.Paulo, “o Brasil carece de uma autoridade climática, organizada pelo governo
federal, com orçamento para o processo de reparação para elaborar ações de
assistência social, policiamento mediante os saques, educação e
infraestrutura”.
Nessa
linha de pensamento, a falha não é das instituições responsáveis por monitorar
e emitir alertas, e sim da negligência por parte do governo. O Plano Nacional
de Proteção e Defesa Civil, previsto na lei 12.068 de 2012, nunca foi criado.
De acordo com o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional, sua
previsão de lançamento é para junho deste ano. É inadmissível que projetos de
escala nacional que visam mitigar os desastres naturais só avancem depois da
calamidade acontecer.
• Sociedade civil e ONGs não foram
ouvidas
A
urgência das ações de governos em favor de medidas de contenção de mudanças
climáticas e adaptação a elas é continuamente alertada por Organizações Não
Governamentais. No entanto, no governo Bolsonaro, não houve diálogo com a
sociedade civil e os alertas emitidos por essas representações da sociedade
foram ignorados Nesse sentido, o PNMC e o relatório “Brasil 2040: cenários e
alternativas de adaptação à mudança do clima” já alertavam o governo brasileiro
sobre a necessidade de ação urgente contra impactos causados pelos eventos
climáticos extremos. Segundo o Greenpeace, “o efeito surpresa” não pode ser
usado como desculpa para os desastres que vêm ocorrendo no Brasil e no mundo,
pois não estamos mais lidando com algo inesperado. Mortes em larga escala e perdas
materiais bilionárias são inevitáveis na nossa realidade, caso seja mantido o
descaso com o meio ambiente do governo “passa a boiada” de Bolsonaro e do
ministro do Meio Ambiente de então, Ricardo Salles; descaso esse que afetou
justamente um dos estados mais importantes na pecuária brasileira.
Durante
o evento “Vozes pela Justiça Climática: diálogos e contribuições para o Plano
Clima”, Marina Silva defendeu que, mais do que mitigar e adaptar, será
necessário transformar. É preciso que ocorra uma transformação do modelo de
desenvolvimento e do Plano Clima de modo a incluir as perspectivas mais
marginalizadas da sociedade, como o saber do povo indígena e o saber popular,
além do próprio saber científico.
• Gastos com desastres ambientais chega
a R$ 485 bilhões entre 2012 e 2023
As
consequências do despreparo climático são perigosas, custam caro, atrasam a
economia e acarretam imensos danos à infraestrutura e à sociedade. Segundo
dados do Painel de Recursos para Gestão de Riscos e de Desastres/TCU, o
investimento federal na contenção de desastres climáticos foi de R$ 4,9 bilhões
nos últimos dez anos, um valor consideravelmente inferior ao necessário para
atender às demandas do país.
De
outro lado, no mesmo recorte temporal, o Brasil gastou R$ 13 bilhões em reparos
emergenciais após tragédias ambientais –uma verba direcionada aos custos para
reconstrução de instituições, reerguimento comercial e turístico e auxílio
financeiro à população atingida. Considerando alguns fatores como o detrimento
de atividades econômicas, produções agro-culturais, pecuaristas e industriais,
além dos imóveis e edifícios afetados por catástrofes climáticas, o país teve
um prejuízo de R$ 485 bilhões entre 2012 e 2023.
• Conclusão
O
desastre do Rio Grande do Sul trouxe à tona a preocupação com as mudanças
climáticas e seus impactos. Como costuma acontecer no Brasil é necessário um
grande desastre para que forças políticas e econômicas se mobilizem. Embora
houvesse uma política Nacional de Mudança do Clima de Mitigação e Adaptação
Climáticas, o governo Temer foi claudicante e o de Bolsonaro deixou o assunto
engavetado, fato que contribuiu para a escala do desastre que ocorreu no
território gaúcho.
Como
é sinalizado no Relatório Final do
primeiro ciclo do PNA (2016-2022), é de ampla importância que o Estado
Brasileiro invista na redução das vulnerabilidades socioambientais, com uma
articulação interfederativa, além de contribuir para um aumento da resiliência
climática de forma mais concreta.
O
reforço do compromisso com o meio ambiente é de extrema importância para a
manutenção da imagem política do Brasil no engendro internacional. O abandono
às práticas ambientais displicentes que marcaram o governo Bolsonaro, atraindo
atenção negativa para a atuação brasileira no combate às mudanças climáticas,
parece ter se tornado uma prioridade no novo governo Lula.
Em
um encontro do Fórum Econômico Mundial, em janeiro de 2023, a ministra Marina
Silva destacou a agenda ambiental como uma urgência para o novo governo,
compreendendo o papel crucial do Brasil no contexto de preservação florestal e
do combate ao desmatamento.
O
resgate aos planos de cuidado ambiental, assim como a hospedagem da COP 30 do
Clima, em 2025 em Belém, também são marcas do atual posicionamento ambiental
internacional do país. Sendo assim, tal agenda também precisa ser aplicada aos
desastres climáticos internos do Brasil.
As
consequências climáticas alertadas ao longo dos últimos 50 anos chegaram e é
partindo desse incontornável fato que a mudança deve ocorrer em todas as
esferas da sociedade: uma classe política preocupada com a natureza, um setor
empresarial que sirva ao bem comum e um povo que saiba cuidar do seu redor.
Fonte: Le Monde
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