GOOGLE
SUSTENTA SITES DE EXTREMA DIREITA QUE PROMOVEM DESINFORMAÇÃO, REVELA ESTUDO
AS RELAÇÕES
ENTRE AS PLATAFORMAS DO GOOGLE E A DESINFORMAÇÃO já são conhecidas há algum tempo,
mas um novo estudo publicado em
maio mostrou como a infraestrutura de anúncios automatizados do Google
viabiliza a existência de sites hiperpartidários e desinformativos ao garantir
a eles uma fonte de receita praticamente passiva, independente de relações com
anunciantes ou marcas.
Cerca
de 70% do financiamento de sites como Terra Brasil Notícias e Jornal da Cidade
online vem de publicidade programática, principalmente do Google AdSense.
Outras fontes de receita, como assinaturas e conteúdo pago, ficaram em segundo
plano, concluíram os pesquisadores Marcelo Alves dos Santos Junior, professor
do Departamento de Comunicação da Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro, e Bruno Washington Nichols, da Universidade Federal Fluminense.
O
estudo focou em 55 sites brasileiros compartilhados com frequência em grupos de
extrema direita no Telegram. Os pesquisadores fizeram uma análise desses sites
em busca de informações sobre financiamento, como programa de membros e
existência de um sistema de assinatura.
Para
analisar as fontes de receita publicitária, os autores extraíram rastreadores
de anúncios inseridos nesses sites. Além disso, analisaram informações obtidas
via Lei de Acesso à Informação para verificar se essas páginas receberam
recursos públicos federais e de parlamentares em 2023.
O
estudo identificou que houve apoio institucional na forma de assinaturas da
Revista Oeste e do site Brasil Paralelo pelos deputados federais delegado
Ramagem, do Partido Liberal, e do parlamentar cassado Deltan Dallagnol. Além
deles, o deputado federal João Maia, do Progressistas, declarou pagamentos em
2023 no valor total de R$ 28 mil para os sites A Trombeta News, Terra Brasil
Notícias e Diário do Brasil Notícias.
Entre
2021 e 2022, a Presidência da República pagou R$129, 3 mil aos sites Terra
Brasil Notícias, Diário do Poder, Diário do Brasil Notícias e Jovem Pan por
campanhas de vacinação contra a covid-19, de combate à dengue, doação de leite
e telessaúde.
Mas
as doações financeiras destes políticos não chegam aos pés do dinheiro que
entra graças à inserção de publicidades pelo Google. O Intercept Brasil falou
com Marcelo Alves, um dos autores da pesquisa, sobre o estudo e sobre a
importância de uma regulação que olhe não só para o conteúdo desinformativo,
mas também para a infraestrutura ao seu redor.
LEIA
A ENTREVISTA:
·
O estudo mostrou um
domínio da infraestrutura do Google enquanto fonte de receita para os sites que
vocês analisaram. Esse número te surpreendeu?
Marcelo
Alves – Esse é um achado que na verdade a gente
tinha quase enquanto premissa, porque todos os estudos internacionais chegam ao
mesmo resultado. Não somente quando se estuda desinformação, mas também quando
se estuda jornalismo. Então, não é um achado especificamente do campo dos
estudos de desinformação. Na minha perspectiva, está ligado com o modelo
histórico de dependência e de desenvolvimento da própria estrutura programática
de plataformas digitais na publicidade que era dominada pelo Google
fundamentalmente ali desde 2002 quando o modelo de Google
AdWords começa a se consolidar.
Desde
então o Google compra a DoubleClick, ali em 2007 compra o YouTube e passa
a construir um verdadeiro império de concentração tanto vertical quanto
horizontal da publicidade. Então, o Google tem hoje não somente o maior
inventário de espaços para inserção de anúncios, mas também o maior acervo de
anunciantes, de marcas.
·
No artigo, você aborda
como esses sites hiperpartidários que produzem desinformação imitam o
jornalismo. De que maneira eles se aproximam ou distanciam do jornalismo no que
diz respeito a financiamento?
Eu
tinha partido de uma hipótese no debate da bibliografia de desinformação que é
a hipótese da mimese jornalística. Ou seja, é um debate que surge ali mais ou
menos em 2017 de que esses sites passam a adotar a gramática, a estética, o
gênero, literalmente fazer uma cópia de um arcabouço ali estrutural, formal do
jornalismo, mas sem seguir os princípios, as práticas, as normas da profissão.
Mas
você tem uma forma de captura de receita por esses sites de desinformação que
diverge de forma muito significativa do jornalismo. Embora esse achado de que o
Google AdSense, que é a infraestrutura programática do Google, seja relevante
nas duas frentes, o modelo e a forma de captura de receita dessa
infraestrutura, ou seja, via Google, tem um peso muito diferente no
jornalismo e nesses sites de desinformação.
·
Em que sentido?
Nesses
sites de desinformação, de saída já se constrói um modelo de aquisição de
audiência e de captura de receita que ele não
implementa paywall porque a lógica é inteiramente construída em torno
de uma dinâmica de monetização pela economia de atenção. Quer dizer que esses
sites estão diretamente interessados em construir modelos de negócio que estão
relacionados com a quantidade de tráfego que eles conseguem gerar.
·
Em um artigo anterior, você
explorou o teor dos anúncios que apareciam no Terra Brasil Notícias e se
deparou com muitos de baixa qualidade, fazendo propaganda de remédios
milagrosos, sobre apostas e inclusive conteúdo fraudulento. Ou seja, é uma
desinformação que acaba por financiar a desinformação. Isso é por desenho ou
acidental?
Tem
uma dimensão que é: esses sites de desinformação, seja Terra Brasil Notícias ou
outros sites menores, também conseguem ser aprovados no sistema de governança
do Google e fazer parte da infraestrutura programática do Google para receber
anúncios de grande anunciantes. Então não quer dizer que eles só recebam
anúncios de baixa qualidade. Na verdade, até uma avaliação quantitativa que eu
fiz é que é quase meio a meio, eles conseguem receber muitos anúncios de
grandes anunciantes.
O
que leva a dois debates importantes. O primeiro é quais são as três funções da
infraestrutura programática para desinformação? E o primeiro argumento é: a
infraestrutura programática financia sites de desinformação. O Google financia
sites de desinformação.
Tem
um outro eixo que é a perda de controle sobre a qualidade dos anúncios que
tradicionalmente era feita por uma relação entre anunciantes e jornalistas e
agora passa a ser feita por um algoritmo do Google ou por um conjunto de
algoritmos do Google, ela facilita com que anúncios de baixa qualidade ou, em
última análise, fraudulentos cheguem a grandes audiências.
É
aí tem um outro lado que é mais pernicioso que é: esses anúncios de baixa
qualidade também aparecem no site de jornalísticos. Então você vai ver na
imprensa de qualidade do Brasil, geralmente no rodapé, anúncios da Taboola, da
OutBrain, que também são anúncios de muito baixa qualidade, nem sempre com
fraude, mas muitas vezes com clickbait [uso de termos ou títulos
sensacionalistas e exagerados para capturar a atenção do leitor] e que acabam
contribuindo para reduzir a credibilidade e a confiança do veículo de notícia.
·
Você também fez uma
análise do apoio institucional que aparece em segundo plano como fonte de
financiamento. Talvez porque só é possível rastrear o apoio de políticos
graças aos portais de transparência, mas não o de empresários. O que você pensa
sobre essa parte mais oculta dos financiadores?
Grande
parte desses atores se financiam de fato com mais verba publicitária e menos
verba institucional. Tem um lastro aí de pesquisa, de investigação
jornalística, que mostra em alguma medida como institutos liberais e
internacionais, principalmente dos Estados Unidos, financiaram alguns ativistas
de extrema direita no Brasil. Mas, de fato, é um tipo de aferição muito difícil
de se fazer. Embora parte de uma certa filantropia internacional mais ligada a
causas progressistas tenha demonstrativos de pagamento dos seus sites abertos,
a direita em grande medida não tem.
·
Falando em regulação,
o que você avalia que é necessário para que essa questão do financiamento seja
adequadamente endereçada? Já existe algum exemplo internacional que tratou
disso de maneira bem-sucedida?
Não
temos exemplos nem em nível internacional, porque esse assunto é extremamente
complexo do ponto de vista técnico. Até as formas como esse debate se dá
publicamente, muitas vezes, com uma série de vieses, alguns vícios de origem. E
aí é mesmo o Digital Services Act (DSA) na Europa constrói algumas
premissas de transparência que não vão muito nessa direção.
Na
prática, hoje você tem uma dependência infraestrutural do poder do Google que
diz: “Olha, essas são as regras para um site ser monetizado ou não. Se um site
minimamente cumprir essas regras eu aprovo”. Parte do que a gente tava tentando
mostrar nos estudos é que mesmo os sites que são flagrantemente
desinformacionais, ou de discurso de ódio, também são monetizados. Então, em
alguma medida, você precisa criar algum tipo de instrumento público tanto para
dar transparência quanto para certificar esses sites, garantir que esses sites,
dado algum critério de ofensividade, não poderiam voltar a ser monetizados.
·
E no Brasil?
A
Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República em alguma medida
tentou fazer isso lá com a IN04, que eu acho que ela começa a construir alguns
princípios, pelo menos na esfera pública para você pensar, qual o tipo de site,
qual o tipo de projeto de comunicação comunicacional e quais são os limites
para se receber verba programática do governo. Eu acho que tem um caminho ali
interessante.
·
Muito do debate sobre
desinformação foca no conteúdo e não na infraestrutura em torno dela. Você acha
que nós evoluímos nesse entendimento depois de 2022?
Eu
não sei se evoluiu, mas uma das minhas principais apostas é que você só
consegue debater a contento o problema da desinformação quando você começar a
debater a infraestrutura. E isso envolve debater, por exemplo, viéses
algorítmicos ou monetização. Eu, enquanto aposta, acho que não dá para
debater vieses algorítmicos, que esse não é um tipo de debate que vai para
frente enquanto policy . Porque eu acho que tem dois caminhos
ali: você dizer que a liberdade de expressão não é liberdade de alcance. Então
você pode falar, mas os algoritmos em alguma medida deveriam reduzir conteúdo
que seja ofensivo. Uma outra forma de você debater é, bom você pode falar o que
você quiser, mas algum tipo de conteúdo ali tem que haver algum tipo de
consenso social, de interesse público, ele não vai ser monetizado.
·
Mas mesmo essa
discussão sobre desmonetizar enfrenta obstáculos.
Tem
entraves, mas eu acho que em alguma medida é um debate que consegue deixar
algum tipo de lastro. Olha, a questão não é a conta. Não é derrubar a conta e a
pessoa ficar deplataformizada ad infinitum. A questão é que essa
pessoa infringiu alguns princípios básicos de cidadania e de direitos humanos e
essa conta não vai ter monetização. Eu acho que é possível construir algum tipo
de argumento que vá nessa direção, que é uma direção de tentar minimamente
trazer uma recompensa positiva para um conteúdo de qualidade. Em última
análise, o que a gente quer é isso.
Fonte:
Por Laís Martins, em The Intercept
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