sábado, 1 de junho de 2024

Gerson Almeida: Lutas ambientais e produção científica

Por que as decisões sobre o clima não são cumpridas?

O órgão máximo junto às Nações Unidas para conter a emissão de gases do efeito estufa e evitar as mudanças climáticas é a Convenção das Partes (COP), que terá a seus 29°. edição no final deste ano. Mas esse assunto é discutido desde a Convenção de Estocolmo (1972), a primeira grande discussão global sobre o clima.

Ao longo dessas cinco décadas, um precioso conhecimento sobre a dinâmica das mudanças climáticas foi produzida – assim como previsões cada vez mais detalhadas de suas consequências sociais, econômicas e ambientais. A ocorrência desses eventos climáticos extremos em todos os continentes mostra a correção dos modelos desenvolvidos pelos pesquisadores do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC), a maior rede colaborativa de produção de conhecimento da atualidade. As lutas ambientais levadas a cabo pelos mais diferentes segmentos sociais, na defesa dos recursos naturais, contra a poluição do solo, da água e do ar, contra os agrotóxicos e todas as formas de emissão de CO² na atmosfera, têm sido fundamentais para a produção de alternativas .

A interação entre as lutas ambientais e a produção científica tem sido garantida para garantir os principais avanços nas COP's, como o Protocolo de Quioto (COP3/1997), que propôs metas de contenção das emissões de gases de efeito de estufa; a elaboração dos planos nacionais para adaptação e o Fundo para sua implantação nos países menos avançados (COP7/2001); a produção das “Intenções de Contribuições Nacionalmente Determinadas” (INDC), para limitar o aumento da temperatura terrestre em 1,5ºC acima dos níveis pré-industriais; a responsabilidade dos países desenvolvidos de aplicar US$ 100 bilhões/ano, a partir de 2020, para a mitigação e adaptação dos países mais vulneráveis ​​às mudanças climáticas (COP15/2019), são apenas alguns exemplos.

No entanto, o balanço da sua implantação é negativo, pois há uma acção sistemática dos principais países emissores de CO² para evitar que esses compromissos sejam de cumprimento obrigatório. Os Estados Unidos, por exemplo, abandonaram o Protocolo de Kyoto, em 2001, justificando que as metas condicionais comprometeriam seu desenvolvimento econômico e foram seguidas pelo Canadá. Nem o Acordo de Paris, que o substituiu em 2015, não vem sendo cumprido.

Enquanto países como os Estados Unidos estão firmemente contra a obrigação das metas de redução do CO ² , age de forma rigorosa contra qualquer descumprimento dos acordos feitos em outras instâncias do sistema internacional, como a OMC, o Banco Mundial e o FMI, apoiando a aplicação de duras avaliações. Na Organização Mundial do Comércio (OMC), por exemplo, o Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços (GATS) e o Acordo sobre Aspectos de Direito de Propriedade Intelectual relacionados ao Comércio (TRIPS), possuem instâncias de solução de controvérsias que são resolutivas sobre os signatários desses acordos.

Não é, portanto, estranho ao sistema de relações internacionais que os acordos firmados tenham poder vinculante. A decisão de proteger os interesses econômicos, comerciais e o pagamento das dívidas e desproteger as situações que são danos com a ocorrência de eventos climáticos extremos é restrição política.

A fratura produzida pelo neoliberalismo exige, simultaneamente, uma melhora na concentração de riqueza e nas mudanças climáticas. Ambas são construídas nas ações cotidianas de desregulamentação das normas de proteção dos setores sociais mais vulneráveis, do meio ambiente e da privatização dos serviços essenciais, tornando a questão social e a ambiental uma só luta. Isso fica explícito na maior tragédia climática do Brasil, potencializada pelo governador do Rio Grande do Sul, que alterou 500 itens do Código Ambiental Gaúcho e se envolveu na privatização dos serviços essenciais.

O prefeito de Porto Alegre, ciente de todas as necessidades de manutenção do sistema de proteção da cidade, preferiu estimular a ocupação das áreas até então protegidas e impermeabilizar os parques ao longo da orla do Guaíba, para o júbilo da construção civil. Não contente, sucateou as empresas essenciais, tornando-as ineficazes para o cumprimento adequado das suas tarefas no momento da crise. Esse é apenas um exemplo das consequências nefastas desse trabalho cotidiano de governos neoliberais em favor da concentração de renda, do afrouxamento das normas ambientais e do papel regulador do Estado.

A naturalização de uma sociedade na qual os (2020/2023), enquanto cinco bilhões de pessoas (60% da população mundial), tiveram seus ganhos minguados no mesmo período (Oxfam, relatório Desigualdade SA) e submete as pessoas ao sofrimento das inundações, às secas inclementes, ou aos incêndios furiosos? Ao combinar desigualdades obscenas, com mudanças climáticas aceleradas, esse modelo serve apenas aos interesses de 1% que estão sendo beneficiados e exclui os demais 99%, para os quais não há lugar disponível.

Lutar por ações efetivas contra as mudanças climáticas não é outra coisa, senão defender a civilização.

 

Fonte: A Terra é Redonda

 

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