sexta-feira, 28 de junho de 2024


Caso Bruno e Dom: 5 homens viram novos réus por ocultação de cadáver

A Justiça Federal do Amazonas tornou réus, no último dia 10 de junho, mais cinco homens acusados de participar do duplo assassinato de Bruno Pereira e Dom Phillips, ocorrido em 5 de junho de 2022. Francisco Conceição de Freitas, Eliclei Costa de Oliveira, Amarílio de Freitas Oliveira, Otávio da Costa de Oliveira e Edivaldo da Costa de Oliveira vão responder pela ocultação dos cadáveres do indigenista brasileiro e do jornalista britânico. Os quatro últimos também responderão por corrupção de menor, por terem obrigado um adolescente a participar do crime.

Os novos réus poderão aguardar o julgamento em liberdade, ao contrário de Amarildo da Costa Oliveira, o “Pelado”, Jefferson da Silva Lima, o “Pelado da Dinha”, e Oseney da Costa de Oliveira, o “Dos Santos”, os primeiros acusados pelo duplo homicídio qualificado e ocultação de cadáver e que estão presos em penitenciárias federais de segurança máxima. “Pelado” e Jefferson são réus confessos. 

A denúncia, apresentada pelo Ministério Público Federal (MPF) no dia 10 de abril, virou a ação penal pública n.º 1001112-50.2022.4.01.3201. A Justiça Federal acatou a denúncia sem julgar o mérito, mas entendeu que há indícios suficientes para tornar os cinco homens novos réus da trama brutal. O crime de ocultação de cadáveres tem pena prevista de um a três anos e multa.

Bruno e Dom foram mortos nas proximidades da Terra Indígena Vale do Javari, em Atalaia do Norte (a 1.136 quilômetros de Manaus). Na região fica a segunda maior a Terra Indígena (TI) do Brasil, atrás apenas da TI Yanomami, em Roraima e Amazonas. Na região, vivem mais de 6.317 indígenas de sete povos contatados (Kanamari, Kulina, Marubo, Matís, Matsés e Tsohom-Dyapá, este de recente contato, e um grupo de Korubo) e ao menos 16 referências a grupos isolados e não contatados. Outro grupo de indígenas Korubo permanece em isolamento voluntário.

O indigenista ajudava os indígenas da TI Vale do Javari a criarem grupos de vigilância contra os invasores de suas terras. Por meio de câmeras e uso de equipamentos de georreferenciamento, ele ensinava os povos originários a localizarem pescadores ilegais, garimpeiros, madeireiros, o que o tornou alvo dos predadores da floresta.

Indiciados

Em janeiro deste ano, a Polícia Federal prendeu no município de Tabatinga (distante 1.106 quilômetros da capital) o pescador Jânio Freitas de Souza, acusado de participação no homicídio e na ocultação dos corpos. Ele foi a última pessoa que conversou com Bruno e Dom antes da emboscada.

Jânio Souza foi apontado pela PF como “o informante e aliado do mandante dos homicídios”, Rubem Dário da Silva Villar, o “Colômbia”, que está preso em Manaus por falsificação de documentos de identidade, bem como também por ser chefe de uma organização criminosa transnacional armada, em outro inquérito que apurou pesca ilegal e contrabando. A principal linha de investigação da Polícia Federal foi a de que o assassinato foi um crime premeditado.

Souza e “Colômbia” foram indiciados pelos crimes em 31 de maio de 2023. Uma quebra de sigilo telefônico revelou que entre 1º de junho de 2021 e 6 de junho de 2022 – um dia após o assassinato de Bruno Pereira e Dom Phillips -, que “Colômbia” e Jânio trocaram 419 ligações telefônicas. O conteúdo das conversas segue sob sigilo. Na fase inicial das investigações, Jânio havia dito em mais de uma ocasião que conhecia “Colômbia” apenas de vista.

Em entrevista à Amazônia Real, Souza se identificou como presidente da Associação dos Produtores Rurais da Comunidade São Rafael e disse que só foi apresentado ao jornalista inglês naquele dia. Mas admitiu a prática de pesca ilegal dentro da TI Vale do Javari. “A gente mata peixe ilegal, não vou mentir, a gente pesca aí na frente. Mas tem gente que passa também para a área indígena e quem pega a culpa somos nós aqui da comunidade. Foi o que eu disse pra ele (Dom)”,

Júri popular 

Em outubro do ano passado, o juiz  federal Wendelson Pereira Pessoa, da Comarca de Tabatinga, decidiu que “Pelado”, “Dos Santos”, e “Pelado da Dinha”, vão a júri popular. Na decisão, à qual a Amazônia Real teve acesso, o juiz ressaltou ter baseado sua decisão em laudos periciais, a maioria feitos pela Polícia Federal (PF), que indicam a “materialidade dos homicídios e das ocultações de cadáveres”. Um dos laudos, inclusive, indica como tudo ocorreu: 

1. Emboscada das vítimas sobre embarcação, na margem direita do rio Itaquai, sentido Atalaia do Norte;

2. Ocultação dos pertences das vítimas em área de igapó, atrás da residência de um dos suspeitos e à margem esquerda do rio Itaquai, sentido Atalaia do Norte:

3. Afundamento da embarcação das vítimas à margem esquerda do rio Itaquai, sentido Atalaia do Norte, próximo da comunidade Cachoeira;

4. Transporte dos corpos das vítimas para o local de queima, às margens do igarapé Preguiça, localizado atrás da comunidade São Gabriel:

5. Transporte dos corpos para inumação, às margens do igarapé Preguiça, localizado atrás da comunidade São Gabriel;

6. Ocultação de instrumentos possivelmente utilizados na queima e no enterramento dos corpos, atrás da comunidade São Gabriel.

O documento de sentença de pronúncia é rico em detalhes da confissão dos réus. Durante um interrogatório, Amarildo disse que a decisão de matar o indigenista Bruno Pereira decorreu do fato de a vítima ter tirado uma fotografia sua e de sua embarcação, afirmando que aquela era “a embarcação do invasor”. O jornalista britânico Dom Phillips teria morrido por estar junto do indigenista, que já era visado pelos pescadores de Atalaia do Norte (AM), conforme a Amazônia Real relatou em diversas reportagens durante a cobertura do caso. 

O documento traz ainda o diálogo entre os réus confessos, quando Amarildo chamou o colega para cometer o crime. “Bora, ‘Chico’ (Jefferson), é hoje que eu vou me vingar desse cara”, disse referindo-se ao indigenista. Na confissão, os réus disseram que levaram aproximadamente quatro horas para escavar o terreno e enterrar os corpos do jornalista e do indigenista.

Tese da defesa

Os advogados dos réus vão adotar a tese de “legítima defesa”, alegando que reagiram a um ataque iniciado por Bruno Pereira. Em entrevista à Amazônia Real, o advogado Américo Leal afirmou: “Parece que já está fechado que o Bruno e o Dom estavam num barco, quando o Amarildo que é o ‘Pelado’ estava no outro. Então nessa troca de tiros é muito difícil para quem não domina o equilíbrio do barco tentar disparar e acertar o alvo do outro lado lá”. 

Leal, que já defendeu os assassinos de Dorothy Stang, a missionária norte-americana morta em 2005 no Anapu (PA), se juntou à defesa dos três primeiros réus, banca comandada pela advogada Goreth Rubim. O advogado explicou que só depois de o caso ser levado ao tribunal do júri é que a defesa poderá se deter sobre “todas as provas das quais a acusação se serviu e se serve”.

As testemunhas, ainda segundo o advogado dos réus, vão ajudar a elucidar as circunstâncias da morte de Bruno e Dom. O julgamento do trio ainda não foi marcado. “Agora, o que aconteceu pós-fato, ocultação de cadáver e essas outras coisas, as pessoas que participaram, elas vão responder tão somente por este crime. É isso”, completou Leal.

A Amazônia Real procurou também o advogado de acusação, contratado pela família de Dom Phillips, mas ele preferiu não se manifestar no momento sobre a inclusão de cinco novos réus no caso.

A saudade e o legado

Neste mês, quando o crime completou dois anos, a viúva do jornalista britânico, a estilista com foco em sustentabilidade e empreendedora Alessandra Sampaio, visitou o Vale do Javari, para lançar o Instituto Dom Phillips. A ideia é manter o legado do marido vivo.

O projeto de Alessandra girará em torno de uma plataforma digital de conteúdos educativos que podem ajudar os povos indígenas e outras comunidades tradicionais, como ribeirinhos e quilombolas, a continuarem preservando a floresta. “A gente entende que há muito conhecimento nesses territórios, inclusive seguindo um pouco os passos do Dom, que estava fazendo o livro dele How to Save the Amazon: Ask the People Who Know [Como salvar a Amazônia: pergunte a quem sabe, em tradução livre] que entendia que as pessoas têm muita sabedoria, muito conhecimento dentro dos territórios e que é desconhecido esse conteúdo tão importante sobre a Amazônia”, disse.

Alessandra disse ainda que a ideia também é reverberar o conhecimento para o mundo, por meio da plataforma digital, mas também se fazer presente no dia a dia, dentro dos territórios. “A gente entende que é importante estar ali, nesse contato corpo a corpo, assim como Dom fazia para a pesquisa do livro dele, nas matérias que ele fazia, ele estava sempre em contato com o território, com os povos do território e é isso que a gente quer fazer”, disse Alessandra.

Projeto Bruno e Dom

Um ano depois dos assassinatos de Bruno e Dom, um consórcio internacional coordenado pela Forbidden Stories reuniu mais de 50 jornalistas de 16 organizações de mídia para produzir reportagens especiais sobre a Amazônia. O projeto internacional tem o foco de continuar as investigações de jornalistas assassinados durante o exercício da profissão. A Amazônia Real foi o único veículo da região Norte do Brasil a ser convidado para o projeto.

A agência publicou três reportagens: “A Fome pelo ouro do rio Madeira”, mostrando a atuação de garimpeiros ilegais; “Os Guerreiros do Médio Javari”, sobre a atuação do grupo Guerreiros da Floresta, formado por indígenas Kanamari, que atuam na vigilância do próprio território no Vale do Javari; e por fim a reportagem “Uma BR-319 no meio do caminho”, mostrando os desafios e riscos de asfaltamento da BR-319, que liga Manaus a Porto Velho.


Levante pela Terra cobra a retomada das demarcações e a inconstitucionalidade da Lei 14.701

Indígenas realizam a segunda edição do Levante pela Terra essa semana entre os dias 24 e 28 de junho. Instalado no Complexo Cultural Funarte, em Brasília (DF), o acampamento espera receber cerca de 500 indígenas dos mais diversos povos do Brasil até a sexta-feira (28).

Com os motes “Não Existe Democracia Sem Demarcação dos Territórios” e “Sem Demarcação não há Exportação”, a retomada das demarcações das terras indígenas e a declaração de inconstitucionalidade da Lei 14.701/2023, que fixa tanto o marco temporal como outras normas de impedimento à demarcação de terras indígenas, estão entre as pautas elencadas pelos indígenas. Até o momento, a mobilização reúne indígenas dos povos Kaingang, Xokleng, Guarani kaiowá, Guarani Nhandeva, Guarani Mbya, Huni Kuin e Tukano.

“Não existe democracia sem demarcação dos territórios”

“O objetivo da manifestação é deixar um recado dos povos indígenas ao Estado brasileiro. Nossa luta é incansável contra a Lei 14.701, que está travada no Supremo Tribunal Federal”, afirma Kretã Kaingang, um dos coordenadores do Levante pela Terra.

Durante a plenária de abertura, realizada na tarde de segunda (24), lideranças e organizações indígenas e indigenistas rememoraram a primeira edição do evento, em 2021. A mobilização teve uma importância histórica para derrubada da tese do marco temporal, confirmada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em setembro do ano passado.

“O objetivo da manifestação é deixar um recado dos povos indígenas ao Estado brasileiro, nossa luta é incansável contra a Lei 14.701”

“Há nesse momento, no Congresso Nacional, trâmites de leis anti-indígenas da bancada ruralista, e nós enquanto raízes dessa terra devemos nos posicionar”, completa Kretã Kaingang, que também foi um dos fundadores da primeira edição do Levante.

O Levante evidencia a luta indígena, mesmo diante das inúmeras tentativas de retrocesso promovidas pelo Congresso Nacional. “Para nós mulheres indígenas, estarmos aqui para dizer que não dá mais pra ficar de braços cruzados. Cadê a democracia desse país que não respeita os nossos direitos? Ou vocês cumprem o dever de vocês ou o Brasil vai parar. Nós não vamos engolir essa lei que vocês estão inventando”, cobra Ângela Kaingang, em diálogo com representantes do Estado brasileiro, no acampamento.

“Há nesse momento, no Congresso Nacional, trâmites de leis anti-indígenas da bancada ruralista, e nós enquanto raízes dessa terra devemos nos posicionar”

“Estamos aqui para defender o nosso direito e a nossa terra. Até o momento, a gente não recebeu nenhuma resposta do que foi prometida pelo governo federal, por isso chamamos o acampamento de Levante pela Terra”, explica Simão Guarani Kaiowá liderança da Aty Guasu.

A mobilização, deste ano, segundo Luis Ventura, secretário executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), “é absolutamente fundamental para derrubada da Lei 14.701. Enquanto ela estiver em vigência, será um empecilho enorme pra demarcação das terras indígenas”, considerou o secretário.

“O Levante evidencia a luta indígena, mesmo diante das inúmeras tentativas de retrocesso promovidas pelo Congresso Nacional”

A manhã do segundo dia do Levante pela Terra foi dedicada à análise de conjuntura da política indigenista no Brasil. Os desafios enfrentados pelos povos indígenas com a vigência da Lei 14.701, conhecida como “Lei do Marco Temporal”, foram levantados como uma das principais preocupações.

A lei, que possui a tese do marco temporal como uma das principais ameaças aos direitos dos povos indígenas, ignora a decisão dada pelo STF em setembro do ano passado. Na ocasião, a Suprema Corte afastou a tese do marco temporal como critério para demarcação das terras indígenas. Mesmo assim, o Congresso Nacional promulgou a lei no final do ano passado em uma disputa de força com o STF.

“A Suprema Corte já afastou a tese do marco temporal como critério para demarcação das terras indígenas”

Para os indígenas, a declaração da inconstitucionalidade da Lei pelo STF é urgente e de caráter emergencial. “Nós estamos aqui pra enfrentar essa lei. Vamos mostrar que somos indígenas de resistência”, afirmou Simão Guarani Kaiowá, coordenador da Aty Guasu.

Ao longo da semana, como parte da programação do Levante pela Terra 2024, estão previstas plenárias, atos e marchas em Brasília. A diversidade dos cantos, danças e ritos sagrados animam a luta e a força dos povos originários.

Aos que desejam contribuir com a luta dos povos indígenas, a organização do Levante está com uma campanha de arrecadação de recursos e doações na página oficial do Levante Pela Terra @levantesbrasil no Instagram. Para maiores informações acesse a publicação na página.


Fonte: Amazônia Real/Cimi


 

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