quinta-feira, 27 de junho de 2024

Caso Assange mostra que 'todos os cidadãos do planeta' podem ser perseguidos pelos EUA, diz analista

A "caçada" ao jornalista australiano Julian Assange pelo governo dos EUA demonstra o vasto poder da hegemonia ocidental norte-americana ao abrigo de leis impositivas como a de espionagem, disse à Sputnik o jornalista independente Steve Poikonen.

A última década assistiu a uma série de revelações sobre o funcionamento interno do governo dos EUA que chocaram o mundo.

O fundador do Wikileaks, Julian Assange, publicou uma série de documentos vazados que implicaram os Estados Unidos em tudo, desde intromissão em política exterior até vigilância de aliados e adversários. Ele foi auxiliado nos seus esforços pela denunciante do Exército dos EUA, Chelsea Manning, que expôs graves violações do direito internacional no Iraque e no Afeganistão, e Edward Snowden, um contratado da Agência de Segurança Nacional (NSA) que revelou as amplas capacidades de espionagem da agência de segurança.

A influência global dos EUA foi um elemento comum entre cada uma das revelações. Vários governos ao longo da história violaram os direitos de seus cidadãos, mas poucas potências globais alguma vez possuíram a capacidade de submeter o planeta inteiro à sua vontade. Na década de 2010, os Estados Unidos tinham se tornado uma dessas potências, com poder político, tecnológico e econômico que poderia ser imposto a qualquer pessoa em qualquer lugar do mundo.

"Parece que agora estão dizendo que todos os cidadãos do planeta são suscetíveis de ser acusados ao abrigo da Lei de Espionagem dos EUA", disse o jornalista independente Steve Poikonen à Sputnik.

Poikonen esteve entre os vários colaboradores da Sputnik que opinaram sobre as notícias do acordo judicial de Assange com o Departamento de Justiça de Joe Biden na terça-feira (25), questionando as implicações do acordo, mesmo quando os defensores da liberdade de imprensa em todo o mundo celebram a libertação do antigo prisioneiro político dos EUA.

"O que achei mais surpreendente em tudo isso é a forma como o acordo judicial foi redigido, principalmente porque é uma acusação que historicamente só vimos contra prestadores de serviços ou funcionários do governo", disse Poikonen que apresenta o noticiário online AM Wake Up. "O argumento que a acusação dos EUA defendia o tempo todo era de que 'Julian Assange não é jornalista'".

"Se eles o estão acusando como cidadão particular por mau uso de informações confidenciais, e isso é algo que antes eles só podiam fazer em relação a um funcionário ou um prestador de serviços, então isso não colocará todos nós ainda mais na berlinda, do que já estávamos antes?"

"Ele nunca deveria ter sido acusado", insistiu o cartunista e colunista sindicalizado Ted Rall sobre a luta de 12 anos de Assange contra o governo dos EUA. "Ele nunca cometeu um crime. Ele nunca foi cidadão norte-americano e, portanto, não estava sujeito à lei norte-americana. A Lei de Espionagem é repugnante e provavelmente inconstitucional e não deveria estar nos livros, e certamente nunca deveria ser aplicada a jornalistas."

A perseguição de Assange pelos Estados Unidos foi frequentemente justificada sob o pretexto de que a sua atividade colocava em perigo a vida de cidadãos ou militares norte-americanos. Alegações semelhantes foram feitas décadas antes contra Daniel Ellsberg, que o ex-secretário de Estado Henry Kissinger apelidou de "o homem mais perigoso da América [do Norte]" depois de vazar documentos do Pentágono. O Congresso dos EUA aprovou legislação que torna crime revelar a identidade de funcionários da CIA depois que o ex-chefe da agência George H.W. Bush culpou o denunciante Philip Agee pelo assassinato de um oficial por militantes na Grécia.

Mas nunca surgiram quaisquer detalhes concretos sobre alguém que tenha sido alvo, ou mesmo colocado sob ameaça, pelo jornalista Julian Assange. Pelo contrário, Assange trabalhou meticulosamente com fontes e meios de comunicação parceiros para redigir informações que não pudessem pôr em perigo ou exposto qualquer pessoa referenciada nos documentos vazados.

"Esta ideia de que Julian Assange estava colocando vidas em perigo, etc., é completamente fabricada para dar uma roupagem de respeitabilidade à guerra que tem sido conduzida pelo governo dos EUA contra este homem que, aliás, foi libertado não porque de repente Joe Biden tenha decidido agir com base na essência da bondade humana", disse a economista Radhika Desai.

Desai criticou duramente os principais meios de comunicação que muitas vezes desempenharam um papel na difamação de Assange, ao mesmo tempo que produziam jornalismo baseado no seu trabalho.

"A história [do Washington Post] é completamente hipócrita", disse ela sobre um artigo no jornal de Washington DC que relatava que "as opiniões estavam divididas" sobre a libertação de Assange da prisão. "As únicas pessoas que criticam Julian Assange são o governo dos EUA e todos os grandes meios de comunicação que parecem estar seguindo as suas sugestões por qualquer razão que não lhes é conhecida."

"É também uma ironia que os jornais que agora relatam a sua marcha em direção à liberdade [...] tenham publicado exatamente as coisas das quais ele foi acusado, os mesmos segredos de segurança nacional que ele foi acusado de ter exposto", disse o apresentador Wilmer Leon.

"Isso fede demais", concordou o autor e acadêmico Gerald Horne. "Presumo que seja uma referência velada a órgãos [de imprensa] como o The New York Times, por exemplo, o The Guardian [...]. A reputação do sr. Assange foi arrastada pela lama. Ele sofreu indevidamente e lhe desejo apenas o melhor."

"É óbvio para mim que os anos de confinamento de tortura sob segurança máxima e condições de confinamento solitário quebraram Julian Assange", lamentou o analista de segurança Mark Sleboda. "O Julian Assange que foi para a [prisão] de Belmarsh nunca teria alegado ou aceitado a culpa, ou qualquer jurisdição de qualquer tribunal ou grande júri dos EUA sobre ele."

"Resta saber se o destroçado Julian Assange pode de alguma forma ressurgir como uma fênix das cinzas e retomar a luta contra a hegemonia que o perseguiu e raptou durante grande parte da última década", disse ele.

Mas Desai insistiu que as gerações futuras darão o devido valor ao grande sacrifício feito pelo jornalista para informar o mundo sobre os abusos governamentais.

"Ao lado de Chelsea Manning e Edward Snowden, Julian Assange é um dos heróis do nosso tempo. Eles são um pequeno grupo de pessoas que falaram a verdade ao poder e acreditaram na verdade, lutaram pela verdade, sacrificaram-se pela verdade."

"Vai ser um pouco nojento e desanimador ver Julian ter que se declarar culpado de um crime que não cometeu naquele tribunal federal em Saipan, mas é incrível vê-lo sair daquela prisão horrível e a caminho de sua casa na Austrália para se reunir com sua esposa e filhos", disse Rall. "É uma ótima notícia."

 

¨      Assange: a história oculta. Por Antonio Martins

Prometeu mitológico roubou dos deuses o fogo do conhecimento e o entregou aos homens. Como castigo, foi acorrentado a uma rocha, com suas entranhas devoradas, eternidade afora, por uma águia; para regenerarem no dia seguinte e serem novamente destroçadas. Julian Assange, o fundador do Wikileaks, já não mofa na prisão de segurança máxima de Belmarsh, a “Guantánamo britânica”. Está próximo de um acordo que pode deixá-lo em liberdade. Mas os deuses malditos do século XXI alcançaram, por enquanto, uma vitória superior. Ninguém ousou tanto quanto Assange no esforço para fazer da internet uma ferramenta de democracia participativa e radical. Uma década e meia após o início de seu calvário, a grande rede está convertida, no Ocidente, no oposto do que ele e seus pares desejaram. Controle permanente sobre as populações. Captura da riqueza e da criatividade sociais por um punhado de transnacionais. Ferramenta para a disseminação de fake news e a devastação do espaço público e da política. Compreender como tudo se deu – e como os fatos essenciais têm sido ocultados, nas últimas horas – é chave para pensar uma reviravolta.

Muito antes de ser forçado ao exílio na exígua embaixada do Equador em Londres (em 2012) e encarcerado em Belmarch (em 2019), Julian Assange havia se tornado uma personalidade internacional. Divulgados pelo Wikileaks, os documentos secretos sobre a guerra no Afeganistão, o emblemático vídeo em que soldados norte-americanos no Iraque zombam dos civis que matarão segundos depois e os despachos constrangedores de diplomatas dos EUA, expondo como esperam que seus pares de outros países sejam subalternos, circulavam o mundo. Mas quem projetou Assange foram seus inimigos. Em 2006, quando surgiu, o Wikileaks tinha por projeto o anonimato.

O mundo e a internet eram distintos. Desde a virada do século, as ruas assistiam a uma onda de mobilizações contra as instituições neoliberais. Ela começara em Seattle (em 1999) e chegara ao ápice no início de 2003, quando 36 milhões protestaram contra a invasão do Iraque pelos EUA. Os Fóruns Sociais Mundiais esboçavam alternativas. A internet era marcada por cooperação, decentralização, diversidade e desafio aos poderes estabelecidos. Anos antes, o estouro da “bolha ponto com” havia imposto prejuízos multimilionários aos capitalistas que tentavam colonizá-la. O ressurgimento apoiava-se em outra lógica. A explosão dos blogs – milhões deles, em todo o mundo – rompia o paradigma da “comunicação de massas” e desafiava o controle de décadas exercido pelas mídias de mercado sobre a narração e interpretação dos fatos. Um dissidente digital, Aaron Swartz, ajudara a criar uma nova ferramenta tecnológica – o RSS – para integrar a nascente comunicação compartilhada e propunha a quebra da propriedade intelectual, para propiciar a livre circulação de conhecimentos e ideias

A Wikipedia – hoje a principal herança daquele período de intensa criação – nascera poucos anos antes, em 2001. O Facebook restringia-se a poucos campi universitários norte-americanos. O Youtube recém nascera, e não fora abocanhado pelo Google. Não havia Twitter. A grande crise capitalista do século só eclodiria três anos mais tarde e o sistema não investira ainda, com a virulência atual, contra os direitos sociais e as bases da democracia. Por isso, os partidos de ultradireita que hoje povoam a cena política na Europa e Américas ou inexistiam, ou eram grupúsculos sem expressão.

Foi a esse ambiente que Assange, um australiano de 35 anos que estudara Física e Matemática antes de se envolver com as cenas hacker e cypherpunk, desejou dar um aporte. O Wikileaks foi concebido como um espaço colaborativo para a denúncia das misérias do poder. Sua face externa era um site onde se publicavam informações raramente presentes nas mídias convencionais. Mas em seu âmago havia um conjunto de ferramentas que asseguravam anonimato a quem se dispusesse a expor fatos sensíveis. Em sua lógica estava a noção de que, em sociedades complexas, as ações antissociais dos poderosos são executadas em sigilo – mas geram, em seus preparativos, informação que, se compartilhada, pode evitar o dano.

O Wikileaks dispunha-se a receber, curar, editar e difundir esta informação. A tarefa implicava alguma complexidade. Para evitar a divulgação de falsas informações, grupos temáticos que se comunicavam à distância por meio de fóruns, filtravam as denúncias recebidas. Uma equipe de meia dúzia de editores, chefiada por Assange, tomava as decisões finais e dava forma definitiva ao que seria publicado. Este grupo também estabelecia contatos e acordos com mídias de grande circulação que poderiam ampliar a repercussão do material.

Em muito pouco tempo, a nova ferramenta mostrou que tinha algum papel a cumprir. Entre 2006 e 2010, o Wikileaks publicou informação relevante sobre temas como os embustes da Igreja da Cientologia, as relações pessoais e políticas esdrúxulas de Sarah Palin, candidata de ultradireita (em 2008) à vice-presidência dos EUA, a tentativa de ocultar os vazamentos de minerais tóxicos nas lavras mantidas pela transnacional suíço-britânica Transfigura, na Costa do Marfim, ou os procedimentos brutais adotados contra os prisioneiros de Guantánamo. Mas tudo passou a um patamar muito distinto a partir de 2010, quando a popularidade do site levou-o a receber e publicar material altamente comprometedor acerca das guerras que Washington promovia. Deve-se a um soldado norte-americano revoltado e deprimido com a obrigação de participar da guerra – Bradley Manning, que depois transitaria de gênero e passaria a se chamar Chelsea – grande parte das revelações.

Um primeiro vazamento, em abril, tornou público o vídeo (Assassinatos Colaterais) da execução gratuita, por soldados norte-americanos a bordo de um helicóptero, de 12 pessoas em Bagdá (inclusive dois repórteres da Reuters). Um segundo lote revelou, em julho, que centenas de civis afegãos haviam sido mortos, entre 2004 e 2009, em operações de guerra jamais reveladas à opinião pública. Em muitos casos, motociclistas desarmados foram alvejados sumariamente, porque soldados norte-americanos julgaram tratar-se de homens-bomba. Havia uma unidade militar encarregada de capturar ou assassinar supostos líderes do Talibã, sem julgamento. Crescia a cada dia o uso de aviões não-pilotados (teleguiados a partir a partir de uma base em Nevada) para matar militantes talibãs. Porém, os Estados Unidos estavam cada vez mais próximos de perder a guerra.

No período seguinte, a ação demolidora do Wikileaks contra os malfeitos os grande poderes do mundo pareceria fulminante e avassaladora. Uma parte relevante do noticiário internacional era ocupada por ela. Em agosto de 2010, o Departamento de Estado dos EUA sobressaltava-se com os efeitos demolidores, para as relações geopolíticas do país, da arrogância revelada nas mensagens de diplomatas e outros agentes. Em janeiro de 2011, Assange encontrava-se com Rudolf Elmer, ex-diretor de banco suíço, e recebia os dados que abririam caminho para séries de revelações sobre a fortuna escondida por governantes, banqueiros, executivos e empresários em paraísos fiscais. A partir de 2012 veio à luz que as agências de espionagem dos EUA utilizavam-se dos próprios computadores, celulares e aparelhos de TV dos cidadãos para vigiá-los. E o Wikileaks foi adiante, revelando casos sobre países específicos. No Brasil, por exemplo, agências norte-americanas haviam invadido sistematicamente as comunicações da presidenta Dilma Roussef, além de espionar os três principais responsáveis pela política externa dos governos Lula 1 e 2 e tentar sabotá-los. Na Alemanha, a primeira ministra Angela Merkel fora a vítima; na ONU, o secretário-geral, Ban Ki-Mon. Na virada entre as décadas 2010 e 20, uma nova tecnologia, a internet, parecia tirar o sono dos poderosos

A reação veio em duas formas: ação brutal contra Assange e o Wikileaks; e, ainda mais importante, um enorme impulso dos Estados capitalistas centrais a uma regressão oligopolística que mudou a face da grande rede.

O homem que revelou os segredos da grande superpotência global foi progressivamente calado. A partir de dezembro de 2010, uma acusação falsa de estupro, mais tarde desmascarada como farsa, forçou-o a deixar a Suécia, onde vivia, e refugiar-se na Inglaterra. Mas Londres passou a persegui-lo também, forçando-o, em junho de 2012 a buscar refúgio na embaixada do Equador, onde os presidentes Evo Morales e Rafael Correa o abrigaram. Condições em certo sentido piores que as de uma prisão começaram a abalar a saúde física e mental de Assange. Por mais de 7 anos, ele permaneceu confinado num conjunto de salas de cerca de 100m², onde improvisava quarto e banheiro e compartilhava o espaço com todo o serviço político e diplomático do embaixador e demais funcionários. Mesmo nestas condições ásperas continuou a editar o Wikileaks, embora de forma limitada. As denúncias sobre as ações contra Dilma, Angela Merkel e a interceptação constante da internet pela CIA, por meio de múltiplos canais, são todas deste período

Só a morte ou o calabouço pareciam capazes de calar Assange por completo. Em 2017, a CIA, sob direção de Mike Pompeo, considerou assassiná-lo, mas recuou antes de executar o projeto. Em 2019, um novo presidente do Equador, Lenin Moreno, cedeu a pressões políticas e favores pessoais de Washington e cancelou a concessão de asilo. Em 11 de abril daquele ano, a polícia de Londres entrou na embaixada, arrancou o criador do Wikileaks à força e o conduziu a Belmarsh, de onde ele saiu apenas nesta segunda-feira (24/6), cinco anos e dois meses depois. Lá, inúmeros depoimentos – inclusive o de Nils Melzer, relator especial da ONU – consideraram as condições que lhe foram impostas equivalentes à de tortura.

Não foi apenas o Wikileaks que refluiu, desde a efervescência de 2010. Uma enchente de dinheiro e poder afogou a rebeldia da internet. Ela tornou-se mais massiva do que nunca: no Brasil, por exemplo, 84% da população tinham acesso à rede ao final de 2023. Mas ficaram para trás, ao menos por enquanto, os sonhos de uma rede baseada na colaboração, no compartilhamento, na troca de conhecimentos, informação, cultura e ideias. Quatro grandes corporações – Alphabet (Google, Gmail, Youtube e dezenas de serviços menores), Meta (Facebook, Instagram e Whatsapp), Microsoft e Amazon – distribuem, segundo seus algorítimos e lógicas, a imensa maioria dos conteúdos. Uma parcela majoritária dos usuários crê que internet é sinônimo das redes sociais que utiliza. A captura de dados, a vigilância e a quebra da intimidade são cada vez mais onipresentes.

Esta regressão e o sufocamento do Wikileaks são, de algum modo, parte do mesmo processo. Nós últimos 15 anos, estabeleceu-se uma parceria estreita entre as chamadas Big Techs e os Estados mais poderosos do Ocidente – em especial os EUA. É uma relação de duas mãos. Em 2013, revelações espetaculares de Edward Snowden, um ex-agente da CIA que se tornou dissidente político, expuseram a colaboração das grandes corporações que controlam a internet com os serviços secretos norte-americanos. Por meio do PRISM, um vasto programa de vigilância, estes serviços capturam e armazenam a imensa massa de dados coletada pelas Big Techs, que têm ciência da vigilância e consentem com ela.

Os Estados, em contrapartida, foram coniventes com a oligopolização da internet. Sua inação permitiu que empresas muito capitalizadas dominassem e mercantilizassem ferramentas cruciais da rede, como os serviços de busca e as plataformas de distribuição de conteúdos. Em busca do lucro, as corporações aliaram-se a parcerias com ações políticas da ultradireita. É fartamente conhecida a colaboração que o Facebook/Meta estabeleceu com a Cambridge Analytica e as manipulações eleitorais que favoreceram Trump, Bolsonaro ou o Brexit. Esta associação perdura até hoje — e se expressa, por exemplo, no fato de o Google/Youtube responderem, no Brasil, por 70% do faturamento dos sites neofascistas.

Os olhos permaneceram fechados inclusive quando as Big Techs difundiram, sem nenhuma avaliação prévia das consequências, tecnologias que hoje mostram-se nocivas à saúde infantil – como as que promovem interação aditiva com as telas. E o controle pode tornar-se ainda mais férreo se as novas técnicas de inteligência artificial generativa permitirem a estas corporações apropriar-se de todo o conteúdo disponível na rede, lançando mão do que Noam Chomsky chamou de “máquinas extremamente sofisticadas de plágio”. É o que já sugerem novos sistemas de busca turbinados por robôs, como os adotados por Google e Microsoft.

No momento em que este texto é finalizado, Julian Assange parece estar a poucas horas de livrar-se em definitivo do cárcere. Um juiz federal norte-americano, com fórum no arquipélago das Marianas do Norte, controlado pelos EUA, deverá referendar o acordo estabelecido entre ele e o Departamento de Justiça do país. Segundo o compromisso, o fundador do Wikileaks se declarará culpado da acusação mais leve lançada contra ele. A formalidade levará o juiz a condená-lo a 62 meses de prisão. Por já ter cumprido este período em Belmarsh, ele será libertado.

A mídia comercial cobre em minúcias cada detalhe do acordo e de seu cumprimento, para ocultar o essencial: Assange estará livre; a internet, que ele quis transformar em instrumento de liberdade, não.

Seu retorno faz justiça a um lutador essencial e alimenta uma réstia de esperança. Nas crises civilizatórias, as saídas surgem, às vezes, de onde não se espera. A internet foi arma de guerra nuclear e instrumento de especulação financeira, antes de se converter (por algum tempo…) em ferramenta para transformar a comunicação humana. A luta por seu sentido está viva, como argumentam alguns de nossos textos mais recentes. A presença de Assange entre nós amplia este combate. Mas ele será muito mais difícil se não estivermos despertos para o que se passou nos últimos 15 anos.

 

Fonte: Sputnik Brasil/Outras Palavras

 

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