quarta-feira, 5 de junho de 2024

Cartéis, imigração ilegal, feminicídio e violência: os desafios da nova presidente do México

Claudia Sheinbaum sucederá Andrés Manuel López Obrador como presidente do México, sendo a primeira mulher a assumir o cargo no país.

Ex-prefeita da Cidade do México, ela tem histórico no enfrentamento às mudanças climáticas e continua o legado político contra políticas neoliberais iniciado pela família. Além disso, Sheinbaum é a primeira pessoa de ascendência judaica no cargo e teve a maior votação da história do país, com mais de 58%, superando o recorde anterior, de AMLO, eleito em 2018 com 53,2%.

As eleições foram marcadas por alta violência, com ao menos 37 candidatos a cargos políticos assassinados desde o início do ano, conforme levantamento da organização independente Laboratorio Electoral. O Instituto Nacional Eleitoral (INE) também teve que remarcar o prazo para a contagem três vezes.

Em entrevista aos jornalistas Melina Saad e Marcelo Castilho, do podcast Mundioka, o pesquisador associado do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP-UERJ) e especialista em defesa e segurança pública Gilberto Vianna afirma que o tráfico de drogas se tornou "um agente político primordial no México".

"Combater os cartéis é algo extremamente complicado. […] o trânsito do tráfico de drogas emprega milhares de pessoas e tem sido um fator importante na política mexicana."

·        Eleições do México marcadas pela violência

Apenas no segundo fim de semana de maio, 14 pessoas foram assassinadas, incluindo cinco membros da equipe de campanha de Nicolás Noriega, que concorria à prefeitura de Mapastepec e ficou ferido em um ataque a seu carro.

Vianna espera que Sheinbaum melhore a política de combate à violência. "Espero que Claudia tenha essa conscientização sobre a questão da morte de mulheres, não só pelos cartéis, mas também em contextos domésticos," afirmou. "Isso exige uma política social robusta, que Obrador começou a implementar, apesar das dificuldades."

Apesar da proposta de reforma constitucional defendida por Obrador, Vianna afirma que o "Congresso mexicano é bem ativo e se opôs fortemente a essas ideias".

"Mesmo com apoio populista, uma reforma constitucional radical é improvável, especialmente considerando a proximidade e a influência dos Estados Unidos," disse. Ele acredita que Sheinbaum pode continuar com programas sociais, mas a implementação de mudanças constitucionais profundas será um desafio.

O professor de relações internacionais da Universidade Anhembi Morumbi João Estevam também entende que a eleição representa uma continuidade das políticas de López Obrador, com foco em um modelo neodesenvolvimentista, que busca fortalecer a indústria nacional e promover parcerias público-privadas.

No entanto, os desafios na segurança pública são latentes. Durante a administração anterior, a violência no México aumentou, com promessas de desmilitarização da segurança interna não sendo cumpridas.

Além disso, a política externa será um campo de tensão e cooperação, especialmente em relação aos EUA. O professor sugere que Sheinbaum deve continuar a estratégia do antecessor de criticar a construção de muros na fronteira, ao mesmo tempo que busca parcerias para lidar com a migração ilegal, problema crítico nas fronteiras do México.

·        Qual é a situação atual do México?

A próxima presidente enfrentará desafios econômicos e de segurança que o país vive. A imigração será tema central na relação com Washington, com o México registrando recorde de detenções de imigrantes.

"Pessoas são exploradas por grupos de coiotes ligados ao narcotráfico. A extradição agrada aos americanos, mas o México acaba pagando a conta."

Entre os desafios da presidente também há a luta contra os cartéis de drogas, a criminalidade e a militarização crescente da sociedade mexicana. "É muito difícil que Claudia consiga vencer o tráfico de drogas", pondera Vianna. "O México está se tornando uma sociedade extremamente militarizada."

A vitória de Sheinbaum já recebeu reconhecimentos internacionais, inclusive de líderes como o presidente russo, Vladimir Putin, e o brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva.

Vianna pondera que, embora Obrador não tenha investido em uma aproximação com o BRICS, Sheinbaum pode adotar uma política pragmática, equilibrando as relações com os americanos e o grupo, especialmente à luz das próximas eleições americanas.

"Putin foi direto na aproximação com o México, e a China também se mostrou favorável. No entanto, Obrador rejeitou a adesão ao BRICS, e se Sheinbaum seguir a mesma linha, pode manter uma postura pragmática, equilibrando as relações com ambos os blocos", afirma.

Para Estevam, a natureza dessas relações dependerá fortemente do resultado do pleito norte-americano de novembro. "Para um novo governo Biden, é bem provável que haja mais pontos de acordo," comentou, enquanto uma presidência republicana poderia trazer mais tensões, especialmente em relação à política migratória.

Enfrentando um déficit fiscal de 6%, o maior em 25 anos, o México de Sheinbaum tem enfrentado limitações devido a políticas econômicas passadas e crises recorrentes, segundo Estevam.

"Uma delas é a própria estrutura produtiva do México, que cada vez mais a gente tem visto um processo de desnacionalização das indústrias mexicanas."

·        Como está a violência no México?

"O México tem, em média, dez mulheres sendo assassinadas por dia", afirma Vianna. "A questão do feminicídio é uma realidade brutal que as duas candidatas mencionaram em suas campanhas", completa.

O pesquisador comenta o contexto machista da sociedade mexicana, "apesar de ter figuras históricas femininas relevantes, como Frida Kahlo", e a influência dos cartéis de drogas. "Os próprios cartéis reforçam essa dinâmica de domínio masculino, uma imposição quase patriarcal."

Para ele, a violência eleitoral no México é uma questão persistente, exacerbada pelo controle territorial dos narcotraficantes. Ele destaca que a luta pelo controle político é frequentemente financiada pelos cartéis, resultando em assassinatos de candidatos e no enfraquecimento do sistema democrático.

"Os cartéis dominam territórios e influenciam diretamente as eleições. Isso enfraquece a democracia e é uma prática comum no México."

Vianna traça paralelos entre a situação no México e no Rio de Janeiro, onde milícias e grupos criminosos também exercem controle sobre áreas específicas e influenciam as eleições.

"No Rio de Janeiro temos currais eleitorais controlados por chefes de área, quadrilhas, comandos ou milícias," comentou. "Essa situação é semelhante ao México, embora em uma escala diferente."

Segundo ele, o uso das Forças Armadas para combater o tráfico de drogas está longe da solução. "Quando se coloca o Exército para combater o tráfico, há risco de corrupção dentro das Forças Armadas", afirma.

O especialista explica que alguns militares acabam se corrompendo e se envolvendo com o tráfico, como ocorreu com o cartel dos Los Zetas, formado por ex-militares. "Colocar as Forças Armadas, que são para defesa, para resolver questões internas como o tráfico, é muito complexo."

Para o pesquisador, a eleição de Sheinbaum pode repercutir na América Latina e no Brasil devido à dinâmica global entre esquerda e direita. A vitória de uma líder de esquerda, diz, pode fortalecer movimentos similares em outros países, incluindo o Brasil.

"Ela pode ter uma aproximação maior com o governo de Lula, consolidando uma posição mais estável e fortalecendo partidos de esquerda em futuras eleições", sugere. "No entanto, o cenário global está muito dividido, e a política populista de ambos os lados pode levar a resultados imprevisíveis."

·        Qual o partido de Claudia Sheinbaum?

A recém eleita presidente do México, Claudia Sheinbaum, é filiada ao Movimento Regeneração Nacional (MRN), conhecido também como Morena.

A candidatura representa uma coalizão dos partidos MRN, Partido do Trabalho (PT) e Partido Verde Ecologista do México (PVEM). A reeleição não é permitida no México, o que obrigou a saída de AMLO do poder.

Sheinbaum derrotou Xóchitl Gálvez, que representava uma coalizão de oposição formada por Partido Revolucionário Institucional (PRI), Partido de Ação Nacional (PAN) e Partido da Revolução Democrática (PRD). Em sua plataforma de "quarta transformação", ela promete continuidade às políticas de Obrador.

Apesar das relações econômicas estreitas com os EUA e alguns países da América Central e do Caribe, o México mantém distância considerável dos países da América do Sul, incluindo o Brasil. "A relação com os vizinhos da América do Sul, me parece que não são tão estreitas, particularmente entre Brasil e México", explica.

Ele sugere que a continuidade da esquerda no poder poderia, potencialmente, fortalecer essas relações, em especial em áreas de interesse comum, como a pauta ambiental.

Estevam também ressalta que a trajetória política da presidente não se apoia fortemente na tradição judaica, da qual faz parte. "Ela ainda não teve uma posição muito forte a respeito do conflito israelo-palestino", diz, sugerindo que o foco de sua política externa deve permanecer moderado e em consonância com as prioridades internas do México.

¨      Em telefonema, Lula parabeniza a presidente eleita no México e anuncia desejo de visitar o país

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva ligou na tarde desta segunda-feira (3) para a presidente eleita pelo México, Claudia Sheinbaum, para felicitá-la pela vitória nas eleições, de acordo com informações da Secretaria de Comunicação Social (Secom) da Presidência da República.

Mais cedo, Lula já tinha se manifestado nas redes sociais sobre a sucessora política de Andrés Manuel López Obrador, também primeira mulher a presidir o país norte-americano.

"Estou muito feliz com a vitória dela, porque ela representa o meu grande companheiro López Obrador, que fez um governo extraordinário, e, portanto, acho que o México estará garantido democraticamente no mandato dela", disse o presidente.

Sheinbaum agradeceu pelo telefonema nas redes sociais:

"Agradeço ao presidente Lula o seu apelo ao reconhecimento do triunfo do nosso movimento. O México e o Brasil são grandes nações unidas por uma visão e valores comuns. Reafirmamos nossa amizade e vontade de continuar construindo um futuro compartilhado", declarou ela em uma postagem na sua conta da plataforma X (antigo Twitter).

Candidata da coalizão governista liderada pelo Movimento de Regeneração Nacional (Morena), ela ganhou com 60,7% dos votos.

Em encontro com o presidente da Croácia, Zoran Milanović, no Palácio do Planalto, em Brasília, Lula anunciou que pretende visitar o México:

"Pretendo fazer alguma visita de agradecimento ao López Obrador pelo carinho que ele teve comigo quando eu não era presidente ainda, e também pela possibilidade que o Brasil quer ter de aumentar muito o comércio com o México. Somos as duas maiores economias do continente. Portanto, nós ainda temos pouco fluxo no comércio. Poderíamos ter muito mais, […] mais empresários investindo no Brasil e no México, e mais empresários brasileiros investindo no México para que as suas economias cresçam", disse Lula.

Também nesta segunda-feira, o Itamaraty informou que o governo mexicano concedeu agrément ao embaixador Nedilson Ricardo Jorge para representar o Brasil no México. Ele é o atual cônsul-geral do Brasil em Montreal, no Canadá.

Em 2 de junho foram realizadas eleições de presidente, vice-presidente, senadores, deputados, nove governadores, a chefia do governo da capital e 80% das quase 2.500 prefeituras mexicanas para o período de 2024 a 2030.

 

Fonte: Sputnik Brasil

 

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