Berenice
Bento: Palestinização do mundo
A
grande contribuição de Israel ao mundo globalizado têm sido suas tecnologias
produtoras da morte. Gás lacrimogênio com alto perigo de letalidade, controle
dos corpos por biometria, inteligências artificiais que produzem listas de
supostos terroristas, tecnologias combinadas a armas químicas já conhecidas
como o fósforo branco, além de técnicas exportadas por Israel com capacidade de
produzir corpos mutilados em série, com precisão cirúrgica e sem desperdício de
munição. Israel dá continuidade a uma tradição macabra de produção de armas que
visa à eficiência máxima: máximo de mortes, com o mínimo de erros e
desperdício, colocando-se em linha de continuidade com as pesquisas nazistas
que alcançaram seu ápice de eficiência com as câmaras de gás. Não são os bombardeios,
que destroem prédios inteiros e deixam milhares de corpos sob os escombros,
similares aos princípios que orientaram as câmaras de gás? Matar, sem saber se
são crianças, mulheres, bebês. Ser palestino já é a sentença de morte. Ao longo
de 76 anos, Israel foi aprimorando as técnicas de morte na guerra demográfica
contra o povo nativo.
Se,
para aqueles identificados com o ideário dos Direitos Humanos, as políticas de
morte implementadas por Israel são razões para se evocar leis e convenções
internacionais, para outros, no entanto, são os investimentos na indústria da
morte que colocam Israel como um referencial de desenvolvimento tecnológico a
ser seguido. Lembrem-se, a primeira viagem para o exterior realizada por
Bolsonaro foi para Israel em março de 2019, quando foram assinados Acordos de
cooperação em questões relacionadas à Defesa, com ênfase no intercâmbio de
tecnologias, treinamento e educação em questões militares. Os Acordos ainda
priorizavam a colaboração em sistemas e produtos de defesa. Imaginem que luxo:
além de roubo continuado de terras, os corpos palestinos também se tornaram os
laboratórios para a testagem de armas que, com a sua venda, tornam-se
responsáveis por parte considerável dos recursos do orçamento de Israel.
Antes
de 07 de outubro de 2023, Israel batia recordes em exportações de armas e
arrecadava mais de U$12,5 bilhões. Esse é um número sem precedentes e supera
até o de 2021, que já tinha sido um recorde de US$11,4 bilhões. Um dos produtos
de destaque no portfólio made in Israel (com sangue palestino)
são aqueles da Inteligência cibernética, usados principalmente para espionar
ativistas dos Direitos Humanos e jornalistas. Para acelerar continuamente suas
invenções, as universidades israelenses tornaram-se polos estratégicos na
pesquisa e produção das novas tecnologias da morte.
E
quando vemos quem são os principais clientes de Israel, passamos a entender a
ininteligível apologia ao genocídio cometido por Israel (transfigurado no
chamado “direito de defesa”). Há muitos interesses econômicos em jogo. Entre os
comerciantes fiéis das armas israelenses, destacam-se a Alemanha, outros países
europeus e países árabes como o Marrocos e a Arábia Saudita. Israel era, até 07
de outubro de 2023, o quarto maior fornecedor mundial de armamento.
A
influência de Israel na América Latina é cada vez mais visível, principalmente
no uso de armamentos e na formação dos soldados. Vimos o que aconteceu no Chile
em novembro de 2019, quando forças de segurança chilenas deixaram mais de 23
mortos, 2 mil feridos, sendo que desse total mais de 220 pessoas foram feridas nos olhos e dezenas de manifestantes perderam a visão parcialmente.
Eis o resultado dos Acordos firmados, em 2018, entre os governos de Netanyahu e
Piñera (ex-presidente do Chile), que tinham como objetivo oferecer treinamento
e doutrina militar, conforme afirmou o general israelense Yaacov Barak em
visita ao Chile em março daquele ano. Não esqueçamos que, naquele exato
momento, estava acontecendo a Marcha do Retorno em Gaza, onde novas técnicas de
mutilação dos corpos palestinos eram implementadas semanalmente.
A
técnica de mutilação dos corpos palestinos passou a ser adotada por Israel como
uma mediação entre o assassinato e a utilização de armas químicas, como o
fósforo branco. Durante a Marcha do Retorno, civis palestinos de Gaza que
protestaram contra o bloqueio e pelo direito de retorno para suas casas e
terras roubadas pelos sionistas em 1948 (direito assegurado pela Resolução da
ONU – Nº. 191. de 11 dezembro de 1948) foram mortos, feridos e mutilados.
Eu
posso imaginar os gerentes da morte, das fábricas de armas israelenses, virando
páginas e páginas de fotos com os rostos palestinos ensanguentados e depois,
cegos. “Vejam, podem comprar, nossos produtos têm garantia total!” Afinal, quem
são os inimigos? O Chile estava em guerra com outro país? No Chile, no Brasil,
e na Caxemira (Índia), os inimigos são aqueles que ousam ir às ruas contra a
violência institucional e por justiça social. É impossível, acredito, pensar a
nova fase do neoliberalismo contemporâneo, sem considerar a criminalização dos
movimentos sociais e sem o terror dos Estados contra os corpos subalternizados.
Torna-se impossível também não compreendermos o papel que Israel, como braço
tecnológico contemporâneo da morte, desempenha nesta fase. Não estou dizendo
aqui nenhuma novidade. Há décadas Israel exporta suas técnicas mortais. Foi
assim na Colômbia, na África do Sul. O neoliberalismo precisa do terror do
Estado, com a fachada de democracia, para reproduzir-se. “Como trabalhadores/as
ousam fazer greve ou demandar justiça social? Cegue-os!”
A
Índia mantém acordos de treinamento militar com Israel desde janeiro de 1992.
Em 2016, assinou um acordo de US$400 milhões. Em janeiro de 2018, o
primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, assinou mais 9 acordos de cooperação
relacionados à segurança cibernética e militar com o Estado sionista, o que
aumentou gradualmente seu relacionamento. E para quê? Assim como no Chile, em
Caxemira, tiros com pequenas bolas de chumbo são realizados, pelo menos desde
2010, quando o governo indiano preferiu usar armas com balas “não letais”
depois de matar mais de 100 pessoas durante uma manifestação contra o governo
indiano. Em 2016, a Associação de Pais de Desaparecidos da
Caxemira relatou que 80 pessoas foram mortas por causa das armas compradas
de Israel e cerca de 11 mil pessoas ficaram feridas nos olhos, causando
cegueira total ou parcial.
É
este o processo articulado globalmente em que a violência contra movimentos
sociais inspira-se diretamente na colonização israelense, que chamo de
palestinização do mundo, conferindo outros sentidos para a expressão utilizada
pela primeira vez pelo cineasta palestino Elia Suleiman. De certa forma, o que
estou propondo aqui aproxima-se daquilo que Achille Mbembe chama de
necropolítica. Segundo ele, a forma mais bem-sucedida de necropoder é a
ocupação colonial contemporânea da Palestina.
Sugiro
que o sucesso na produção e gestão da morte não ficou limitado à Palestina. Com
gradações distintas, foi o sucesso da brand Israel em matar,
mutilar, asfixiar, torturar, vigiar – que assegura a aliança global em defesa
do direito de Israel de matar, porque, ao fazer esta defesa, na verdade, o que
está circulando globalmente é o projeto não dito de os Estados-nações matarem
suas populações indesejadas. Mais que uma defesa do Israel, trata-se de uma
autodefesa. Marrocos, por exemplo, não está apenas sendo cúmplice com o
genocídio do povo palestino. Quer para si o mesmo direito em relação ao povo do
Saara do Ocidental. E, claro, tudo com a mais moderna tecnologia do mundo.
Soberania, portanto, confunde-se com direito legal e extralegal de matar e
transforma a noção de “comunidade internacional” em um conto político
ficcional. É este o papel central da Escola-Israel para o mundo neoliberal. O
terror global precisa de Israel.
Os
dividendos da chantagem sionista das acusações de antissemitismo a todos/as que
ousam denunciar seus crimes são divididos entre a Europa, os Estados Unidos e
outros países. Enganam-se quem acredita que a repressão brutal que estamos
testemunhando contra as manifestações pró-palestina nos Estados Unidos, na
Alemanha e na França são o resultado de algum tipo de consciência elevada sobre
a responsabilidade com os horrores cometidos contra as pessoas judiais no
passado, ou seja, algo próximo a uma política de reparação. O Estado Alemão
atualiza seu passado colonial e nazista na repressão contra os/as ativistas
pró-palestinos/as. Os palestinos de hoje são os judeus de ontem e os africanos
de antes de ontem. Com a diferença de que, agora, há uma tecnologia discursiva
poderosa: a acusação de antissemitismo. A instrumentalização do Holocausto e do
antissemitismo não se restringe a Israel; se fosse assim, não se sustentaria.
Israel
pode matar e exportar suas técnicas de morte porque foi construído como vítima
absoluta, a que tudo pode, que transcende os valores morais, tornando-se o
único referente do justo. E o neoliberalismo global tem se apropriado com
primor dos dividendos desse lugar de vítima absoluta. A lei, os tribunais, a
noção de crime não alcançam Israel. Ele torna-se um ser político substantivado,
sem relação ou obrigações com Acordos e leis internacionais. Pode atacar
embaixadas, matar, cometer genocídio. E para isso, precisa aprimorar
continuadamente suas técnicas de produção da morte que serão lucrativamente
exportadas e segue reiterando suas tecnologias discursivas (“Israel tem direito
de se defender”, “o mundo é antissemita, por isso odeia Israel”).
Há
outro sentido para o que estou chamando de “palestinização do mundo” expresso
nas multidões que ocupam as ruas para exigir o cessar-fogo, a responsabilização
de Israel por seus crimes e o direito do povo palestino à autodeterminação. Se
Israel é o laboratório da morte, há um contramovimento, inspirado na
resistência palestina, em que o desejo de vida pulsa e pulsa. Inspirados pelo
povo palestino, também estamos palestinizando o mundo, porque aprendemos que
luta e vida são sinônimos, são termos intercambiáveis. A questão palestina
tornou-se um fato social e político global, inescapável.
¨
Espanha: Palestina já
'detém de todos os privilégios' correspondentes a um Estado
O
Ministério das Relações Exteriores da Espanha enviou a primeira nota à
embaixada da Palestina em Madri em que informou que a local "goza de todos
os privilégios" correspondentes aos Estados, segundo a agência EFE,
citando fontes diplomáticas.
A
nota foi a "primeira comunicação" enviada à embaixada na Espanha após
as autoridades espanholas reconhecerem oficialmente o Estado Palestino em 28 de
maio.
"O
Ministério das Relações Exteriores informa que a embaixada (da Palestina) goza
de todos os privilégios e imunidades correspondentes aos Estados segundo o
direito internacional, em particular a Convenção de Viena sobre Relações
Diplomáticas e a Convenção de Viena sobre Relações Consulares", informaram
fontes diplomáticas à agência.
Na
última sexta-feira (31), o ministro das Relações Exteriores do país, José
Manuel Albares, declarou que as autoridades espanholas enviaram uma nota verbal
ao governo israelense rejeitando as acusações contra Madri, em meio às
restrições ao funcionamento do consulado do espanhol em Jerusalém.
Em
27 de maio, o Ministério das Relações Exteriores de Israel, em resposta à
decisão da Espanha de reconhecer o Estado Palestino, emitiu uma nota
diplomática ordenando ao consulado espanhol em Jerusalém que cessasse, a partir
de 1º de junho, a prestação de serviços aos palestinos da Cisjordânia.
A
Palestina também foi reconhecida como Estado em maio pela Noruega e Irlanda. O
Ministério das Relações Exteriores de Israel imediatamente retirou seus
embaixadores desses países para consultas e emitiu reprimendas aos embaixadores
desses países europeus em Israel.
Até
o fim de maio, a Palestina era reconhecida por nove países da União. Além da
Bulgária, a região possui o reconhecimento de Chipre, República Tcheca,
Hungria, Malta, Polônia, Romênia, Eslováquia e Suécia.
Fonte:
Blog da Boitempo/Sputnik Brasil
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