Prioridade para a diplomacia chinesa: especialista
aponta 'envergadura internacional' do Brasil
Em 2024, quando as
relações diplomáticas entre Brasil e China completam 50 anos e chega a duas
décadas de existência uma das principais comissões responsáveis por estreitar a
cooperação entre os países, o governo brasileiro trouxe como meta potencializar
ainda mais as parcerias. Desde a quinta (23), Celso Amorim cumpre extensa
agenda em Pequim.
Ainda era ditadura
militar quando, em meio à tentativa do governo brasileiro de se tornar menos
dependente dos Estados Unidos, fiador do regime autoritário no país, foram
estabelecidas as relações diplomáticas entre Brasil e China, em 1974.
No mesmo ano, foram
abertas as embaixadas em Brasília e Pequim. A parceria crescia a passos largos,
até que em 2004, no primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva,
foi instalada a Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação
(Cosban), que reúne ministérios dos dois países nas mais diversas áreas e acaba
de completar duas décadas de atividades.
Tudo isso levou a
China a se tornar o maior parceiro comercial do Brasil ainda em 2009 e, desde
então, uma das principais fontes de investimento externo.
No ano em que as
relações diplomáticas entre Pequim e Brasília completam 50 anos, o governo
brasileiro colocou como meta potencializar os laços econômicos, políticos e
culturais. Em meio às comemorações da data, o assessor especial da Presidência
da República e ex-chanceler brasileiro, Celso Amorim, realiza desde a última
quinta-feira (23) uma extensa agenda oficial na China, que já trouxe frutos: a
assinatura de um documento conjunto com seis pontos para a desescalada na
Ucrânia, em resposta à conferência de paz que será realizada na Suíça sem a
presença da Rússia.
O professor de
relações internacionais da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e
especialista em assuntos ligados a Pequim Marcos Cordeiro Pires lembrou à
Sputnik Brasil que o país é uma prioridade para a diplomacia chinesa, o que,
segundo ele, mostra o tamanho da "envergadura internacional que muitos
brasileiros sequer percebem".
Um dos organismos
bilaterais que concentram boa parte dos esforços de cooperação entre Brasil e
China é justamente a Cosban, que, segundo o especialista, engloba pastas como
Fazenda, Relações Exteriores, Ciência e Tecnologia, Defesa e Agricultura.
"São pautas que
são importantes para caminhar o planejamento da cooperação desses dois países
que firmaram a parceria estratégica em 1993 e que aprofundaram essa questão em
2012, quando ocorreu aqui no Brasil a Rio+20 [Conferência das Nações Unidas sobre
Desenvolvimento Sustentável]. A gente pode fazer menção […] à cooperação em
nível comercial, à superação de barreiras comerciais, à parte de licenciamento
de frigoríficos ou a todas as questões fitossanitárias", exemplifica o
especialista.
Apesar disso, o
professor cita que há um desafio importante a ser superado: a falta de
continuidade das reuniões na comissão. "Não há uma definição de que esses
encontros vão ocorrer, por exemplo, de maneira anual, e isso depende muito da
predisposição de cada governo. É claro que no Itamaraty as comissões que lidam
diretamente com as contrapartes chinesas são permanentes, porém as reuniões de
cúpula, como será quando o vice-presidente Geraldo Alckmin for para a China, no
dia 1º de junho, são muito importantes [na esteira dos 20 anos da
Cosban]", acrescenta.
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Qual é a relação que existe entre a China e
o Brasil?
Só no ano passado, as
exportações brasileiras para a China atingiram US$ 104 bilhões (R$ 537,4
bilhões), o quarto recorde consecutivo e valor que representa, a nível de
comparação, quase a metade do Produto Interno Bruto (PIB) de países como
Portugal e Grécia. Para além da questão comercial, o professor Marcos Cordeiro
lembra que o Brasil possui pautas ainda mais ambiciosas com o país.
"É o caso das
obras do novo Programa de Aceleração do Crescimento [PAC], em que o governo
traça diversas diretrizes e que poderiam depender muito, por exemplo, da
parceria com os chineses. Também há a questão da energia limpa e a própria
reindustrialização brasileira, que é uma questão bastante polêmica,
principalmente com relação aos carros elétricos, pelos norte-americanos. Essa é
uma temática significativa que pode caminhar aqui não só na produção dos
veículos, mas desenvolvimento de baterias inclusive com a própria exploração em
larga escala das reservas de lítio no Brasil ou outros minerais críticos",
resume.
O especialista ainda
pontua a agenda ligada ao meio ambiente, diante das mudanças climáticas e
eventos extremos. "Eu imagino que a tragédia no Rio Grande do Sul pode
chamar atenção para a busca de um diálogo mais aprofundado entre Brasil e China
na questão relacionada à descarbonização e em questões relacionadas a problemas
de segurança não tradicionais, como, por exemplo, resgate, tragédia, como
articular defesa civil, troca de experiência nessa área", explica, ao
enfatizar que os principais anúncios do ano com relação à cooperação
China-Brasil devem ficar para novembro, durante visita oficial do presidente Xi
Jinping, quando também participará do G20.
Já o professor de
relações internacionais e da pós-graduação em ciências sociais da Unesp Luis
Antonio Paulino destaca à Sputnik Brasil que a cooperação técnica em ciência e
tecnologia é uma das áreas que mais tem avançado na parceria entre os dois
países.
"O Brasil tem
programas e acordos de cooperação com a China na área espacial, tecnologia de
informação e comunicação, biotecnologia, nanotecnologia, astronomia, ciências
agrárias, parques tecnológicos, Antártica, educação e cultura, esportes e defesa",
argumenta, ao pontuar ainda o setor do agronegócio, com a ampliação de
frigoríficos para a venda de carne no país que pode dobrar o volume das
exportações brasileiras para o país asiático.
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Qual o motivo da tensão entre EUA e China?
Diante da perda de espaço
e relevância dos Estados Unidos em todo o globo e o crescimento da influência
chinesa, os dois países vivem quase uma nova edição da Guerra Fria que se
intensifica ao longo dos anos.
E as eleições
norte-americanas, aponta o professor de relações internacionais, podem
interferir inclusive nas relações entre Brasil e China, que no ano passado
fizeram a primeira transação completa em moeda local para empresas brasileiras.
"Sabemos que é uma questão muito interessante e, recentemente, o candidato
a presidente Donald Trump disse que vai agir com todo o rigor contra países que
adotarem políticas de desdolarização", enfatiza Marcos Cordeiro Pires.
"O único consenso
bipartidário que existe hoje nos Estados Unidos é contra a China. É adoção de
todas essas medidas. E dentro dessa fluidez do cenário internacional, a gente
deveria esperar o que poderia ser a eleição de Donald Trump, porque seria, de
fato, um divisor de águas e que isso poderia ter um impacto maior na relação
entre o Brasil e China do que atualmente coloca [...]. Algo que seria desejável
para o Brasil, mas a pressão norte-americana é muito forte, por exemplo, a
assinatura do Memorandum de Entendimento do Belt and Road [Cinturão e Rota].
Poderia ser anunciado pelo Xi Jinping, mas a gente sabe que esse é um tema que
é bastante sensível", declarou.
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Relações estremecidas entre China e
Argentina podem beneficiar o Brasil
Pela primeira vez na
história, em 2022 os investimentos chineses tiveram uma virada de chave na
América do Sul quando a Argentina desbancou o Brasil e se tornou a
"queridinha" de Pequim no continente — na época, o montante destinado
a Buenos Aires ficou em US$ 1,34 bilhão (R$ 6,92 bilhões), enquanto para
Brasília foi de US$ 1,3 bilhão (R$ 6,7 bilhões). Porém, com a início do governo
Javier Milei no país vizinho no fim do ano passado, cuja estratégia é se
aproximar dos Estados Unidos e menos dos chineses, pode fazer o jogo virar
novamente.
"Então, acho que
o que poderia ocorrer com a política que considero desastrada do governo atual
na Argentina é que alguns desses investimentos acabem sendo deslocados aqui do
Brasil. E, de novo, a gente deveria prestar atenção no tamanho das oportunidades
que o Brasil pode criar, por exemplo, para investimento chinês em
infraestrutura. Nós temos a questão do PAC, que é uma carteira de projetos
muito grande, que não envolve apenas estradas, ferrovias, mas também a própria
urbanização. A crise no Rio Grande do Sul, a crise climática impactou nas
cidades fundamentalmente, da forma como as cidades são construídas. E você tem
no novo PAC um capítulo que vai colocar as cidades mais resilientes. E a China
tem muita expertise nessa área e que poderia utilizar", pontua.
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'Chamar a atenção da comunidade
internacional'
Por fim, um dos
últimos pontos que voltou a marcar a estreita relação diplomática entre China e
Brasil foi a divulgação do documento com pontos em comum defendidos pelos
países com relação ao conflito ucraniano durante a visita de Celso Amorim.
"É uma resposta à
conferência de mais de 50 países [que acontece em junho] em que a Rússia não
foi convidada. Então, é muito difícil imaginar que dê para fazer uma reunião
sobre paz na Ucrânia sem ter como contrapartida a presença da opinião russa nessas
discussões. E vale lembrar que no começo do ano passado, logo após o Lula
assumir, ele já defendia uma negociação de paz e recusou, por exemplo, vender
ou repassar tanques ou munições de tanques alemães do tipo Leopard",
enfatizou Cordeiro.
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Ao tentar conter
comércio chinês, EUA dizem que 'aliança contra China traz oportunidades ao
Brasil'
A China é o maior
parceiro econômico do Brasil há mais de uma década. No ano passado, o comércio
bilateral rendeu US$ 159,5 bilhões (R$ 817 bilhões), mais que o dobro dos US$
74,5 bilhões (R$ 380 bilhões) em transações brasileiras com os Estados Unidos. Sem
ter como competir, os norte-americanos estão alertando sobre o comércio com
Pequim.
Este ano, Brasil e
Estados Unidos comemoram 200 anos de relações diplomáticas, e a Câmara de
Comércio dos EUA, citada pela Folha de S.Paulo, diz que planeja investir na
relação de estabilidade e diversificação de produtos para se contrapor ao peso
crescente da China no país.
Enquanto 70% das
exportações brasileiras para a China se concentram em apenas três produtos
(petróleo bruto, minério de ferro e soja), a pauta comercial com os EUA é mais
diversificada e inclui 49 grupos de produtos que constituem a mesma proporção
de vendas externas, relata a mídia.
No entanto, apesar da
perspectiva positiva apresentada, as relações entre Brasil e EUA também são
influenciadas pelas disputas geopolíticas em nível global. Neste contexto, os
acenos do governo brasileiro a Pequim e uma maior proximidade com o Sul Global
são percebidos por alguns como um posicionamento contra Washington.
Ainda assim, há quem
defenda que, mesmo com um viés político, a economia e as trocas comerciais
podem não ser afetadas.
"Existem algumas
orientações e relações básicas de política externa que não mudam muito de
governo para governo nem são diretamente afetadas pela política interna. EUA e
Brasil têm muitas afinidades culturais, investimento mútuo nas economias um do outro,
uma grande e crescente população brasileira nos EUA, laços comerciais
significativos e posições comuns sobre muitas questões", ressaltou o
cientista político Anthony W. Pereira, professor da Universidade Internacional
da Flórida, ouvido pela Folha.
Há também quem
acredite que as recentes tarifas aplicadas pela administração Biden sobre
produtos chineses, ação que impulsionou uma guerra comercial, de fato, entre os
dois países, será uma boa oportunidade para o Brasil.
Para Simon Rosenberg,
estrategista do Partido Democrata, ouvido pelo jornal Valor Econômico, as novas
medidas de Biden representaram um movimento mais agudo do que os EUA estão
acostumados a fazer em questões de comércio exterior.
"Estive envolvido
em todos os contratos de livre-comércio que temos hoje, e o governo Biden está
indo atrás de uma estratégia diferente. Isso representa uma oportunidade para o
Brasil, porque estamos indo de uma era econômica para outra", afirmou.
Já o estrategista do
Partido Republicano, Scott Jennings, admite que há um sentimento anti-China, o
qual Washington pode explorar com o Brasil.
"Para nossos
aliados no Ocidente, há muitas oportunidades, e vocês vão encontrar pessoas que
concordam em ambos os partidos. Há um desejo de lutar contra a China e
encontrar outros países como o Brasil para estar do lado dos EUA. A aliança
contra a China traz, para todos vocês, enormes oportunidades", afirmou.
Não só no âmbito
político e econômico, mas também no militar, os Estados Unidos parecem estar
fazendo uma campanha contra a presença chinesa na América Latina.
A chefe do Comando Sul
dos EUA, Laura Richardson, comentou na sexta-feira (24), após exercícios de
guerra no Panamá no qual cerca de 20 países latino-americanos participaram, que
os "inimigos da democracia" estão "tentando substituir o sistema
de governo" na região, conforme noticiado.
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EUA falam de
'inimigos' na América Latina que estão 'tentando substituir a democracia'
A chefe do Comando Sul
dos EUA comentou exercícios de guerra no Panamá, onde participaram militares de
vários países da América Latina.
Os
"inimigos" da "democracia" na região estão tentando
substituir esse sistema de governo, que Washington afirma defender, por regimes
autocráticos, afirmou na sexta-feira (24) a chefe do Comando Sul dos EUA aos
comandantes dos Exércitos de cerca de 20 países latino-americanos.
"Nossos inimigos
acordam todos os dias tentando nos substituir, tentando substituir a
democracia, mas a equipe da democracia que estou vendo é muito mais forte do
que nossos inimigos autocráticos", disse Laura Richardson, sem mencionar
nenhum país, citada pela agência francesa AFP.
Suas observações foram
feitas no final de exercícios de guerra na Cidade do Panamá com militares de
vários países da região, incluindo Colômbia, El Salvador, Guatemala, Honduras,
México, Peru e os próprios Estados Unidos.
A democracia, disse
ela, "é uma equipe poderosa que trabalha em todos os setores para garantir
um Hemisfério Ocidental livre, seguro e próspero". Essa conduta, segundo
ela, foi demonstrada pelos participantes das manobras.
"Durante esse
exercício, eles competiram uns contra os outros, mas trabalharam juntos para
que, quando nos encontrarmos durante uma crise, e a crise vai acontecer, não
estejamos nos encontrando pela primeira vez", observou.
Fonte: Sputnik Brasil
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