Por que as pessoas estão pagando para
jantar com desconhecidos
Nos últimos meses, o
gestor de performance Vinícius Ogawa, de 37 anos, adotou um hábito diferente
nas noites de quartas e sextas-feiras: ele saiu para jantar com desconhecidos
em restaurantes em São Paulo.
Nesses encontros, ele
não escolheu as companhias e muito menos os locais dos jantares.
"Se tornou o meu
momento de socializar. Sempre foi uma surpresa a cada vez, com novas pessoas e
novas histórias", diz Vinícius à BBC News Brasil.
Ele se interessou pela
ideia após ver um anúncio nas redes sociais. "Gosto muito de novas
experiências, de conhecer pessoas e de comer. Por isso me inscrevi".
Nesses encontros com
desconhecidos, o primeiro passo é se apresentar, contar contar sobre a
profissão, idade, onde mora e qualquer outra informação que considerar
relevante à primeira vista.
Vinícius diz ter ido a
41 jantares desse tipo nos últimos meses. “Virou o meu ritual”, comenta.
Essa proposta de
jantar com desconhecidos é oferecida por duas plataformas que começaram a
funcionar no Brasil recentemente: a TimeLeft, que nasceu em Portugal e chegou
ao país em março; e a brasileira Confra, criada em julho passado.
Disponíveis somente em
grandes cidades, elas costumam se vender como alternativas contra a “solidão
urbana”.
"Participe de um
jantar com seis desconhecidos, ou melhor, seis amigos que você ainda não
conhece", anuncia a Confra.
"Criamos
oportunidades para a magia dos encontros casuais. As conversas que teria
perdido. As pessoas que não teria conhecido. Momentos seguros para interagir
com pessoas à sua volta. Para que possa estar mais envolvido no mundo em que
vive”, anuncia a Timeleft.
As plataformas
oferecem jantares uma vez por semana: às quartas-feiras, na Timeleft, às
sextas, na Confra.
As duas plataformas
estão presentes em São Paulo, Rio de Janeiro, Campinas e Belo Horizonte. A
Timeleft também está em outras quatro cidades: Porto Alegre, Curitiba, Brasília
e Salvador.
As empresas dizem que
planejam expandir o número de cidades brasileiras nos próximos meses.
• Um jantar com desconhecidos
Os grupos de
desconhecidos nos jantares são definidos com base em afinidades, por meio das
respostas que os usuários da plataforma dão a um questionário sobre gostos
pessoais.
Os dados são cruzados
por um algoritmo que conecta os seis desconhecidos em um local escolhido
conforme aquilo que a plataforma acredita que se enquadra mais para aquele
grupo.
A reportagem
acompanhou um desses jantares em um restaurante em São Paulo. O nome do lugar
foi divulgado somente no dia da experiência.
No restaurante,
localizado em Pinheiros, área nobre da capital paulista, havia quatro mesas
destinadas à experiência, cada uma com lugares para seis pessoas – algumas não
compareceram.
A Confra não costuma
passar informações prévias sobre os participantes do jantar. Já a Timeleft
encaminha dados como signos e profissões.
Ao chegar ao
estabelecimento, bastava dizer que estava participando do jantar com
desconhecidos e passar o número da mesa, que havia sido informado pela
plataforma junto com o nome do restaurante.
Para segurança dos
usuários, as plataformas dizem que escolhem restaurantes com boas avaliações e
que há comunicação com os estabelecimentos para que fiquem alertas caso haja
qualquer tipo de problema entre os participantes.
Há orientações de
segurança que costumam ser passadas sobre o jantar, como informar a amigos ou
familiares sobre o encontro, manter bebidas e pertences sempre à vista e não
transferir dinheiro ou divulgar detalhes financeiros a qualquer pessoa.
As idades entre os
participantes do jantar em São Paulo eram próximas, uma média de três anos de
diferença. De modo geral, a maior parte dos usuários, segundo as plataformas,
têm idades entre 25 e 50 anos.
As mulheres eram
maioria nas mesas do restaurante em Pinheiros, mas havia uma mesa mista.
A Confra diz que a
maioria do seu público (de 60% a 65%) é feminino. Na Timeleft, homens e
mulheres representam quase a mesma proporção, segundo a empresa.
Ao longo da noite,
alguns grupos faziam mais barulho, enquanto outros eram mais comedidos. Algumas
mesas se juntaram para interagir.
Entre aqueles que
estavam no jantar, alguns já tinham participado anteriormente e haviam se
tornado assinantes.
Os clientes podem
optar por participar de um jantar apenas — por R$ 29,90 na Confra e R$ 39,90 na
Timeleft — ou adquirir uma assinatura — os valores e número de jantares variam
conforme o pacote contratado.
Os gastos no
restaurante não estão incluídos. Tudo que for consumido deve ser pago por cada
participante.
Durante o jantar do
qual a reportagem participou, os desconhecidos se mostraram curiosos para saber
mais sobre seus companheiros de mesa.
Os assuntos foram
variados, de viagens e baladas em São Paulo a dilemas da maternidade e
relacionamentos abusivos. Alguns falavam muito sobre si, enquanto outros
preferiam escutar sobre os outros.
Quando um comentário
ou piada causou certo desconforto em algum convidado, outro tentou contornar o
clima e mudar de assunto, e a noite seguiu.
Para facilitar a
interação na mesa, as plataformas oferecem jogos de perguntas sobre diferentes
temas, alguns mais leves ou cômicos e outros mais sérios, como questões
sociais. Mas a conversa também pode fluir naturalmente, sem precisar recorrer a
isso.
O saldo da experiência
costuma levar em conta fatores como a afinidade entre os participantes, a
qualidade do restaurante e o quanto a pessoa estava disposta a se entregar à
experiência.
Após o jantar, os
participantes recebem das plataformas sugestões de lugares, como uma balada ou
um bar, para estender a noite.
Nem todos seguem para
o local, alguns preferem encerrar a experiência no restaurante.
No jantar acompanhado
pela reportagem, a maioria foi para a balada recomendada pela plataforma horas
antes, mas a indicação não agradou, principalmente porque o grupo achou os
preços das bebidas caros.
• ‘Tentativa de buscar novos ares’
Criada pelo francês
Maxime Barbier, a Timeleft estima ter feito mais de 10 mil jantares com mais de
60 mil participantes em todo o mundo.
No Brasil, a
plataforma calcula mais de 9 mil participantes em mais de dois meses de
operação.
Para Jean Bortoleto,
gerente da empresa no país, um dos pontos positivos por aqui é que “brasileiros
são pessoas festivas, de mente aberta, interessadas em conhecer e conversar com
estranhos”.
Já a Confra foi
lançada em São Paulo por Lucas Tugas e Guilherme Ovalle, ambos de 23 anos, em
julho do ano passado. A empresa diz que quase 10 mil pessoas já participaram de
seus jantares desde então.
Tugas, que é formado
em publicidade, diz que teve a ideia da plataforma após trabalhar por um
período no restaurante do pai e notar que muitas pessoas iam comer sozinhas.
“Nosso objetivo é usar
a tecnologia para conectar pessoas”, afirma.
O interesse em sair
para jantar com estranhos é um reflexo da epidemia de solidão que se tornou uma
marca da sociedade atual, diz a psicanalista Carol Tilkian, que pesquisa sobre
relacionamentos.
“Participar desses
jantares é uma tentativa de buscar novos ares com pessoas diferentes”, pontua
Tilkian.
Ela frisa que hoje
existem muitos contatos superficiais entre as pessoas por meio das redes
sociais, mas poucos vínculos fortes.
“A gente não tem a
sensação de que há pessoas com quem podemos contar nos momentos mais
vulneráveis”, afirma.
• Quem participa desses jantares?
Entre os usuários
dessas plataformas há pessoas que se mudaram recentemente para uma cidade e
querem fazer amizades e viajantes que estão de passagem.
Ou ainda pessoas que
terminaram um relacionamento recentemente e querem começar um novo ciclo de
vida.
E também quem tem
dificuldade de socializar, o que especialistas dizem que se tornou
especialmente comum após o período do isolamento da pandemia.
Existem ainda, é
claro, as pessoas que estão solteiras e que acreditam que essa é uma boa
oportunidade de conhecer alguém.
Os participantes
contam que não é incomum que casais se formem nas mesas — seja somente naquela
noite ou algo mais duradouro.
Vinícius Ogawa, que já
foi a dezenas desses jantares, namora há um mês com uma mulher que conheceu em
uma dessas experiências. "Nos conhecemos no meu 33º jantar", diz.
Ele afirma que não foi
aos jantares com a expectativa de encontrar uma namorada, mas também não
descartava a possibilidade.
Nascido em São Paulo,
Vinícius viveu por alguns anos em Fortaleza, no Ceará, e voltou para a capital
paulista pouco antes da pandemia.
Ele afirma que o seu
principal objetivo nos jantares era conhecer novas pessoas no mundo
pós-pandêmico.
"O primeiro
jantar foi estranho, porque era tudo muito novo, as pessoas, incluindo eu, não
sabiam como funcionava, por isso foi tudo meio travado. Mas pensei: bem, ao
menos conheci cinco pessoas", diz.
"As coisas foram
melhorando (nos jantares seguintes) e nunca mais parei."
Ele diz ter feito
amizades que levou para a vida em alguns desses encontros.
“Lógico, não serão
todos os jantares em que vai conhecer pessoas que vão virar amigas. Mas essa é
a mágica, ir sem expectativas e se surpreender com o que vier”, afirma.
Após frequentar os
encontros às cegas quase semanalmente, ele suspendeu a ida aos jantares há
cerca de 15 dias. "Estou em um relacionamento e hoje ela é minha
prioridade", argumenta.
Mas ele afirma que
logo voltará a frequentar os jantares para fazer novas amizades. "O meu
objetivo é conhecer pessoas e restaurantes", diz.
O cansaço com os
aplicativos de encontros e relacionamentos pode ser um dos motivos por trás da
busca por essas plataformas de jantares, diz Tilkian
“A dinâmica desses
jantares pode trazer uma proposta de ter um mínimo de tempo de qualidade e
conversa. Porque uma dificuldade tanto em aplicativos como em grupos de amigos
é que as conversas podem ser rasas”, afirma a psicanalista.
Mas também há muita
gente que quer apenas fazer amigos, sem segundas intenções.
“Às vezes, você está
conversando com um amigo, com quem tem intimidade, e ele está no celular
respondendo coisas do trabalho. Já esse jantar com estranhos pode ser um tempo
de qualidade para conversar", afirma Tilkian.
A bancária Marilza
Bertagnoli, de 53 anos, queria ampliar o círculo de amizade após se separar. O
filho dela, que mora no Rio de Janeiro, comentou sobre as plataformas de
jantares com desconhecidos.
“A experiência foi
sensacional. Muito melhor do que eu esperava. Eram duas mesas, com pessoas de
idades compatíveis com a minha”, diz Marilza, que mora em Porto Alegre.
“As pessoas foram de
peito aberto. Com os mesmos objetivos: fazer amigos e se divertir. Sem
preconceitos, apenas dispostos a boas amizades.”
• ‘Eu quase fugi do jantar’
Marilza planeja ir a
novos jantares. Apesar de ter gostado, a bancária sabe que nem todas as
experiências podem ser positivas, porque já ouviu relatos ruins.
“Disseram, por
exemplo, que colocaram uma menina de 35 anos com cinquentões. E a menina logo
foi embora. Também me falaram de jantares em que as interações foram
superficiais”, comenta.
Os casos de pessoas
que não gostaram da experiência com desconhecidos não são incomuns.
Nas redes sociais, há
pessoas que relatam problemas como falta de afinidades com os companheiros de
mesa ou descontentamento com o restaurante selecionado pela plataforma.
As plataformas dizem
que estão atentas aos comentários negativos e que tentam aperfeiçoar as
escolhas dos restaurantes e dos companheiros de mesa.
A hipnoterapeuta
Andreza Soares, de 52 anos, quase fugiu de um jantar em um restaurante
vegetariano no Rio de Janeiro.
"Esperava
socializar, porque moro no Rio de Janeiro e não tenho um círculo social. Sinto
falta de encontrar pessoas. Fiquei muito tempo presa em casa por causa da
pandemia, me separei em 2018, então, não tenho muitos amigos”, conta.
Ela diz que queria
encontrar um “círculo social com pessoas espiritualizadas” que gostassem de
meditação.
“A gente responde a um
questionário para participar do jantar. Jurava que colocariam pessoas
semelhantes.”
Ela ficou em uma mesa
somente com mulheres e comenta que não gostou dos assuntos abordados no jantar,
como o uso de vibradores ou o consumo de bebida alcoólica.
“Não respeitaram o
fato de eu ser vegana e a outra menina comigo ser vegetariana", reclama.
"Quando elas
chegaram no restaurante, falaram: que absurdo, eu queria uma picanha sangrando.
Uma falta de respeito. Não deixavam ninguém falar. Eram mulheres sem noção, que
não tinham nada a ver comigo.”
Andreza define o
jantar como um “fiasco” do qual queria sair correndo o quanto antes.
“Assim que acabei de
comer, dei uma desculpa e fui embora. Depois, elas fizeram um grupo no
WhatsApp, e eu saí”, diz.
Ela afirma que estava
aberta a conhecer novas pessoas, mas não esperava encontrar mulheres tão
diferentes dela.
“Acho que a plataforma
é meio ‘bugada’ mesmo. Senão não teriam mandado carnívoras para um restaurante
vegetariano. E esse foi um dos motivos de ter sido um fracasso”, diz.
Ela não pretende
repetir a experiência. "Vou conhecer pessoas no método tradicional
mesmo."
Fonte: BBC News Brasil
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