quinta-feira, 30 de maio de 2024

Pesquisadora pede cuidado para evitar momento 'inoportuno' para parceria entre Brasil e Equador

Há pouco mais de um mês, forças policiais do Equador invadiram a embaixada mexicana em Quito, ação que levou ao anúncio da suspensão das relações diplomáticas do México com o país sul-americano.

A professora da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e especialista em política da América Latina Renata Álvares Gaspar ressaltou em entrevista aos jornalistas Melina Saad e Marcelo Castilho, do podcast Mundioka, que houve "clara violação do direito internacional por parte do Estado equatoriano ao permitir a invasão" da Embaixada do México, que visava a retirada do ex-vice-presidente Jorge Glas.

A discussão se estendeu também à proposta do Senado brasileiro de criação de um grupo de trabalho envolvendo parlamentares dos dois países. A senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS) detalhou à Sputnik Brasil a iniciativa de estabelecer o Grupo de Amizade Brasil-Equador.

Thronicke, escolhida para liderar esse projeto, destacou a importância das relações internacionais e os motivos que levaram à escolha do Equador como parceiro. "A escolha do Equador para esse grupo de trabalho não foi aleatória."

"Foi fruto de um diálogo construtivo com o embaixador equatoriano, onde identificamos a necessidade de fortalecer os laços entre nossos países", disse Thronicke.

A professora Renata Álvares Gaspar destaca a importância da comunicação e da oportunidade na criação de tais comissões, mas ressalta que ações inoportunas podem aumentar a tensão nas relações internacionais. "Nas relações internacionais e também no direito internacional, a forma de comunicar diz muito."

"Você fazer determinados grupos, criar determinados grupos, em determinados momentos que são inoportunos, pode gerar mais tensão e aumentar o burburinho em relação à ordem internacional", afirmou Gaspar.

·        O grupo entre Brasil e Equador

O grupo chefiado por Thronicke visa a incentivar e desenvolver relações entre o Poder Legislativo dos dois países. A cooperação deve ocorrer por meio de visitas, conferências, estudos e encontros de diversas naturezas. Os parlamentos também podem realizar permutas de publicações e trabalhos sobre matérias e experiências legislativas.

A senadora ressaltou à Sputnik Brasil que, embora seja comum que países estabeleçam grupos de amizade, ela ficou surpresa ao perceber que ainda não existia um grupo dedicado à relação entre o Brasil e o Equador, especialmente considerando a história bilateral entre eles. "Foi uma honra ser convidada para estabelecer esse grupo tão importante para as relações internacionais."

Sobre o momento delicado enfrentado pelo Equador, a senadora expressou preocupação com os conflitos internos, mas reforçou a importância de manter a diplomacia e evitar interferências externas. "É fundamental respeitar a soberania de cada país e buscar soluções pacíficas para os conflitos."

Questionada sobre as metas do grupo, ela enfatiza o objetivo de promover a cooperação em diversas áreas, desde políticas e jurídicas até sociais, culturais e econômicas. Ela citou exemplos de iniciativas semelhantes em outros contextos, como o Mercosul, e ressaltou a importância de incluir o cidadão comum nessas discussões.

"É essencial que as relações internacionais não se limitem apenas aos aspectos diplomáticos e comerciais, mas que também tragam benefícios tangíveis para a população", afirmou. "No caso do Brasil e do Equador, isso pode incluir iniciativas para facilitar o turismo entre os dois países, promovendo intercâmbios culturais e econômicos", exemplificou.

Thronicke também defende o papel dos parlamentares em situações de crise, como o conflito na embaixada. Ela enfatiza a importância da prudência e da não intervenção, e que é necessário entender as complexidades de uma situação antes de emitir opiniões ou tomar medidas.

"A diplomacia deve prevalecer em momentos de crise, e é por isso que devemos agir com cautela e respeitar a soberania de outros países. […] estou confiante de que o Grupo de Amizade Brasil-Equador contribuirá para fortalecer os laços entre nossas nações e promover a cooperação mútua em benefício de nossos cidadãos."

·        O que aconteceu em Quito, no Equador?

Em janeiro deste ano, atos de violência generalizada por parte de criminosos marcaram o dia a dia dos equatorianos, sobretudo na capital, Quito. Em 5 de abril, o presidente do Equador, Daniel Noboa, determinou a invasão da Embaixada do México, onde as autoridades buscavam o ex-vice-presidente Jorge Glas, que havia solicitado asilo ali.

Sobre a política de segurança adotada por Noboa, que decretou estado de exceção envolvendo o destacamento das Forças Armadas e da Polícia Nacional, a professora Renata Álvares Gaspar ressalta preocupação. Ela enfatiza que medidas unilaterais de militarização não são soluções eficazes para problemas econômicos e sociais, que são os verdadeiros motores da violência.

"O real problema no Equador, como em outros lugares, é econômico. Um problema econômico você não vai resolver com política de segurança pública. Ou seja, ele [Noboa] está transferindo para a segurança pública um problema que é de natureza econômica."

Ao discutir a corrupção como tema recorrente na política latino-americana, a professora aponta para a complexidade desse fenômeno. Segundo ela, a corrupção muitas vezes é utilizada como um bode expiatório para justificar problemas estruturais mais profundos, como a falta de políticas públicas eficazes e a má gestão dos recursos estatais.

"Essa ideia assola a América Latina, de que a democracia não funciona, então a gente precisa de alguém que seja bom e que vai melhorar a vida da gente. Nem que pra isso ele bata na gente, ou talvez ele mate alguns de nós. Porque ele é tão bom que sabe, inclusive, quem merece viver e quem merece morrer."

Sobre o futuro do Equador, Gaspar enfatiza a necessidade de pensar uma agenda que priorize políticas econômicas e sociais inclusivas, buscando a estabilidade macroeconômica aliada ao desenvolvimento social. Segundo ela, é importante um Estado atuante, mas não militarizado, que promova a distribuição equitativa de recursos e o investimento tanto interno quanto externo.

"A gente vai construindo acordos, construindo pontes, com base em um cenário. Se o cenário muda, a gente primeiro precisa avaliar esse cenário para dar continuidade às ações sob pena de determinadas ações serem mais maléficas do que benéficas, em termos de construção de acordo, em termos diplomáticos. Quando a gente fala de diplomacia, estamos falando de construção de ponte, para a construção da paz."

 

¨      Chefe da Aliança Bolivariana: hiperimperialismo só tem 'força militar e guerras para fazer negócios'

Completamente avesso à manutenção da lógica de exploração do modelo imperialista, Jorge Arreaza, o secretário-executivo da Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América – Tratado de Comércio dos Povos (ALBA-TCP), compartilhou os objetivos do programa Alternativa Social Global em entrevista exclusiva à Sputnik.

O secretário-executivo da ALBA-TCP, Jorge Arreaza falou à Sputnik sobre estratégias para implementar a agenda proposta pelo bloco e como fortalecer a cooperação entre os países-membros e outras organizações internacionais em um cenário de declínio do imperialismo. Para ele, uma tendência que já deu origem a acordos que apoiam a construção de um sistema multilateral em diversas áreas.

Há vários anos que o imperialismo entrou em uma fase de declínio, um processo que Arreaza descreve como "imparável". Neste contexto, os movimentos sociais e as pessoas têm sentido a necessidade de chegar a acordos que permitam a construção de uma sociedade pós-imperialista.

"É uma necessidade que surge do íntimo do povo", disse Arreaza, destacando que essa proposta levada a cabo pela ALBA-TCP procura proteger os direitos sociais de todos e estabelecer uma "agenda mínima comum" em diversas áreas como política, economia, educação, saúde e ambiente.

No documento apresentado pela ALBA-TCP, o conceito de "hiperimperialismo" é utilizado para descrever o declínio produtivo e financeiro, bem como a dependência da força militar por esse modelo que, destaca Arreaza, "não é apenas dos Estados Unidos, são da rede de corporações do mundo ocidental, por assim dizer, que controlam as economias, a política, as esferas militares e sociais nos nossos países ou nos países ocidentais", apontou o secretário.

"O dólar está sendo superado, está em vias de ser superado, igualado também por outras moedas e outras forças financeiras do mundo. O que resta ao imperialismo? Guerras para tomar territórios, recursos naturais, para demonstrar poder", acrescentou.

Para Arreaza, a importância do financiamento da Alternativa Social Global, baseia-se na necessidade de uma melhor distribuição de recursos para garantir os direitos sociais.

"Se conseguíssemos, por exemplo, renegociar todas as dívidas externas, que também foram quase impostas pelos bancos internacionais, pelo Fundo Monetário Internacional [FMI], se conseguíssemos compensar, reparar o que o sistema econômico fez ao povo, bem, haveria força suficiente para podermos avançar nestas outras áreas dos direitos sociais, na cultura, na educação, na saúde, na habitação e na alimentação", destacou ele.

No entanto, o secretário também acredita que alguns dispositivos internacionais, apesar das invasões e agressões dos países ocidentais e do permanente desrespeito às resoluções do Conselho de Segurança (CSNU) e da própria Assembleia Geral das Nações Unidas (AGNU), precisam ser fortalecidos e repensados segundo o atual contexto das relações internacionais.

"Embora as Nações Unidas neste momento estejam enfraquecidas pelo imperialismo, acredito que o papel da comunidade internacional e dos países da ALBA deveria ser o de fortalecer as Nações Unidas, de expandir o poder do Sul Global, que no Conselho de Segurança as vozes do 'nosso Sul' possam entrar, que pensemos no sistema de votação nas Nações Unidas, e não no poder do veto", destacou.

Diante deste desafio de governança global e para garantir o cumprimento desses objetivos centrais, a ALBA-TCP decidiu que os governos dos seus países-membros devem assumir essa agenda como parte das suas próprias políticas, assim como refletir as preocupações referentes à inteligência artificial (IA) e seu uso destrutivo.

"Há uma preocupação real e latente [...] sobre o desenvolvimento ilimitado destas novas tecnologias que podem destruir a própria humanidade", disse ele.

A próxima reunião da ALBA, marcada para julho deste ano, coincide com o nascimento de Simón Bolívar, e será crucial para definir e começar a apresentar o documento da Alternativa Social Global perante a ONU e outros fóruns internacionais. Arreaza expressou a esperança de que a Venezuela possa em breve aderir ao BRICS, expandindo assim a influência do povo da América Latina.

¨      Chanceler do Equador diz que país está pronto para retomar diálogo com o México

A ministra das Relações Exteriores do Equador, Gabriela Sommerfeld, disse mais cedo à Associated Press que o país está pronto para retomar o diálogo com o México, suspenso depois que a polícia invadiu a embaixada mexicana na capital equatoriana, Quito.

Ela afirmou, entretanto, que "a única coisa que não é negociável" é a rendição do ex-vice-presidente Jorge Glas, condenado em dois casos de corrupção e com nova investigação aberta por desvio de fundos públicos. Ele serviu no governo do ex-presidente Rafael Correa entre 2013 e 2017.

O México impôs como condição que qualquer reaproximação com o Equador seja feita após a entrega de Glas a esse país, para que o asilo concedido pouco antes de sua captura se torne efetivo. A ministra das Relações Exteriores do México, Alicia Bárcena, informou que pediu apoio à embaixada suíça em Quito para visitar Glas na prisão e interceder junto às autoridades equatorianas para que ele pudesse ser entregue ao México.

Na semana passada, a Corte Internacional de Justiça (CIJ), principal instância judicial das Nações Unidas, rejeitou o pedido apresentado pelo México de medidas provisórias urgentes contra o Equador pela invasão de sua embaixada.

O tribunal anunciou que não encontrou base legal para impor medidas contra o Equador pelo ataque.

"O tribunal considera por unanimidade que as circunstâncias, tal como agora apresentadas […], não são tais que exijam o exercício do seu poder nos termos do artigo 41 do Estatuto para indicar medidas provisórias", declarou na sexta-feira (25) o presidente do tribunal, Nawaf Salam, citado pela ordem judicial.

O governo mexicano expressou satisfação com a decisão da CIJ sobre a inviolabilidade de uma missão diplomática, apesar da recusa de impor as medidas provisórias solicitadas contra o Equador.

"O governo do México se sente muito satisfeito com a decisão. Em primeiro lugar, os juízes da Corte Internacional de Justiça ratificaram e expressaram que a inviolabilidade da missão diplomática é uma pedra angular das relações entre os países", disse o consultor jurídico mexicano Alejandro Celorio em um comunicado divulgado pelo Ministério das Relações Exteriores.

·        Entenda o caso

Na madrugada do dia 5 para 6 de abril, um grupo de agentes equatorianos entrou à força na sede diplomática mexicana em Quito, onde estava o ex-vice-presidente Jorge Glas como asilado político.

Glas, de 54 anos, está detido em uma prisão de segurança máxima na cidade de Guayaquil depois de ter sido preso em 5 de abril na embaixada mexicana em Quito.

A tomada da embaixada no início de abril foi duramente criticada pela comunidade internacional e levou o governo mexicano a abrir uma ação no Tribunal de Haia. Pouco depois, o Equador abriu outro processo contra o México, acusando-o de interferir em seus assuntos internos.

 

 

Fonte: Sputnik Brasil

 

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