terça-feira, 28 de maio de 2024

Como consumo de produtos preferidos pelos argentinos, como carne, mate e leite, mudou desde a posse de Milei

Argentina atravessa atualmente, segundo seu próprio governo, "o maior ajuste da história".

Um dos efeitos mais visíveis do processo é a redução do consumo de três dos alimentos mais emblemáticos do país: a carne, o leite e a erva-mate.

Assim que chegou à presidência da Argentina, em dezembro de 2023, o economista "libertárioJavier Milei ligou – metaforicamente falando – a famosa motosserra que o acompanhou em alguns atos de campanha.

Nos três primeiros meses de governo, o presidente reduziu os gastos públicos em 13% do Produto Interno Bruto (PIB), o que diminuiu de imediato o enorme déficit fiscal enfrentado pelo país.

O governo afirma que "não existem antecedentes mundiais" de um ajuste desta magnitude em tão pouco tempo. E a medida serviu para reduzir um dos maiores flagelos da Argentina: sua inflação – a mais alta do mundo, próxima de 290% ao ano.

Em março, os aumentos de preços caíram pelo terceiro mês consecutivo e, confirmando a maioria dos prognósticos privados e oficiais, os números de abril mostraram nova queda da inflação, que passou a ser de um dígito por mês. É um sinal de que as medidas tomadas pelo governo parecem estar funcionando.

Mas existe o outro lado da moeda: uma fortíssima recessão, que foi agravada por muitas das medidas tomadas por Milei, como a desvalorização da moeda local pela metade, a drástica redução das taxas de juros e, principalmente, a contenção dos aumentos dos salários e aposentadorias, que foram mantidos abaixo da taxa de inflação.

O Fundo Monetário Internacional (FMI) havia previsto crescimento de 2,8% para o país em 2024, mas reverteu suas expectativas após os anúncios do novo presidente. O órgão agora estima que a economia argentina sofrerá retração de 2,8% este ano, para crescer novamente em 5% em 2025.

A desregulamentação de diversos setores econômicos e a "acomodação dos preços", que haviam ficado defasados durante os governos kirchneristas, fizeram com que os valores de muitos bens e serviços disparassem. Estes aumentos pressionaram ainda mais o bolso dos argentinos, que já recebiam um dos salários mais baixos da América Latina.

Um relatório do Centro de Pesquisa e Formação da Central de Trabalhadores da Argentina (Cifra-CTA, na sigla em espanhol), publicado em abril, indicou que o poder aquisitivo do salário mínimo caiu em um terço (34,1%) desde a posse de Milei.

Com isso, o consumo de massa despencou. Março registrou o quarto mês consecutivo de queda, com redução de 19% sobre o mesmo mês do ano passado, segundo a consultoria Focus Market.

E o sinal mais claro desta crise pode ser observado na queda das vendas de três dos produtos mais consumidos pelos argentinos.

·        Leite – queda no 1º trimestre: 18,7%

A Argentina é um país pecuarista. Por isso, o leite e seus derivados – incluindo o tão popular doce de leite – não podem faltar na mesa dos argentinos.

Mas o preço do leite mais que dobrou em apenas três meses. O aumento foi de 123% entre dezembro e março, segundo o Instituto Nacional de Estatística e Censos da República Argentina (Indec). Com isso, muitas pessoas simplesmente precisaram deixar de consumir laticínios, como queijo, iogurte e manteiga.

Um relatório do Observatório da Cadeia Láctea Argentina (OCLA), com base em dados do painel das indústrias lácteas, demonstra que a queda do volume de venda de laticínios no mercado interno foi de 18,7% nos três primeiros meses do ano, em comparação com o mesmo período de 2023.

Paradoxalmente, depois de muitos anos em crise, a situação dos produtores de leite melhorou nos últimos tempos com a exportação de leite em pó, o principal produto da indústria para o mercado externo.

Sua cotação internacional é de mais de US$ 3,2 mil (cerca de R$ 16,4 mil) por tonelada. Este valor fez com que o preço de referência pago aos pecuaristas pelo leite em nível nacional aumentasse em mais de 300% em um ano, segundo o OCLA. Este índice é mais alto que a inflação anual da Argentina, de 288%.

O organismo estima ainda que, no primeiro trimestre, as exportações de laticínios aumentaram em 6,4% em relação ao mesmo período do ano passado. Elas representam 30% de todo o leite produzido no país.

Enquanto muitos empresários leiteiros observam com preocupação a crise do mercado interno, uma pesquisa realizada em março pela associação rural Consórcios Regionais de Experimentação Agrícola (CREA) demonstrou que a maioria deles mantém otimismo sobre o futuro dos seus negócios – 73% deles são da opinião de que os resultados econômicos irão melhorar até o ano que vem.

·        Carne – queda no 1º trimestre: 17,6%

A Argentina é famosa pela qualidade da sua carne. Qualquer pessoa que já tenha visitado o país sabe que o "bife" e o "assado" fazem parte habitual da alimentação dos argentinos.

Mas, este ano, muitas pessoas precisaram abandonar o tradicional churrasco de domingo.

Segundo a Câmara da Indústria e Comércio de Carnes e Derivados da República Argentina (Ciccra), o consumo de carne bovina per capita no país caiu de 50,5 kg em março de 2023 para 42,6 kg em março deste ano – uma redução de 18,5%.

No acumulado do primeiro trimestre, a queda do consumo foi de 17,6%. Segundo a Ciccra, este foi o "registro mais baixo das últimas três décadas".

Mas, como no caso do leite, nem tudo foi prejuízo para o setor. A redução do consumo interno foi compensada por um forte aumento das exportações, que representam cerca de 30% da produção total.

Um relatório da Ciccra indica que, nos primeiros três meses do ano, as exportações aumentaram em 22,9%, em relação ao mesmo período de 2023. E fontes do Instituto de Promoção da Carne Bovina Argentina informaram que 80% dessa carne foi vendida para a China.

·        Erva-mate – queda no 1º trimestre: 9,2%

chimarrão é uma parte tão essencial dos costumes argentinos que a demanda de erva-mate é considerada estável – ou seja, mesmo quando os preços aumentam, as pessoas continuam comprando a erva, sem substituí-la por outros produtos.

É por isso que alguns consideram que queda das vendas de erva-mate é a evidência mais clara dos dramáticos efeitos dos ajustes para muitos argentinos.

O Instituto Nacional da Erva-Mate (INYM, na sigla em espanhol), que é um organismo não governamental, revelou que, em março, a quantidade de erva-mate destinada ao mercado interno caiu em 30%, em relação a 2023.

Considerando-se todo o primeiro trimestre, a retração foi de 9,2% sobre o mesmo período do ano passado.

A maioria dos participantes do setor atribui a queda à perda de poder aquisitivo das famílias com menos recursos. Um trabalho da Universidade Di Tella indicou que mais de 3 milhões de argentinos caíram abaixo da linha da pobreza no primeiro trimestre deste ano.

Mas o INYM destaca que a baixa também pode ter ocorrido porque muitos supermercados e comércios compraram grandes quantidades de erva-mate no final de 2023. Eles aumentaram seus estoques prevendo o possível aumento da cotação do dólar após a posse de Milei, o que encareceria o produto.

O organismo também informou que houve um forte aumento das exportações de erva-mate no primeiro trimestre do ano, da ordem de 23%. As vendas para o mercado externo representam apenas 10% da produção.

No início de abril, o governo desregulamentou o mercado da erva-mate, eliminando o poder do INYM de fixar preços de referência. A intenção é incentivar a concorrência para baixar os preços internos.

Mas os críticos advertem que esta medida pode ter efeito totalmente contrário, já que apenas uma dezena de grandes empresas concentra 70% da preparação da erva-mate no país. E, sem os preços de referência, elas poderão usar seu poder de mercado para controlar tanto o preço de venda ao consumidor, quanto o valor pago aos produtores agrícolas.

¨      Milei promete reduzir impostos se projetos de lei que enviou ao Congresso forem aprovados

O presidente da Argentina, Javier Milei, prometeu neste sábado (25) reduzir a carga tributária em troca da aprovação pelo Senado de sua polêmica Lei de Bases e o pacote fiscal. Ele pretendia usar o evento como marco para as mudanças que pretende implantar no país, mas o atraso na votação do texto no Senado o obrigou a recuar.

"Aproveitaremos também, uma vez aprovada a Lei de Bases e o pacote fiscal, para avançar na redução significativa de impostos", disse neste sábado, no Dia da Pátria, na cidade de Córdoba, que comemora o 25 de maio de 1810, início do processo de independência da Coroa espanhola.

Milei usou tom conciliador para buscar acordo com os governadores das 23 jurisdições do país e anunciou ainda que após a aprovação de seus projetos no Congresso, criará um Conselho de Maio, composto por representantes de diferentes setores, para trabalhar no "Pacto de Maio", que ele propôs em 1º de março no Parlamento argentino. Na ocasião ele pediu aos governadores para que fundassem um pacto de dez princípios com a condição de que as Bases Legais e os Pontos de Partida para a Liberdade dos Argentinos fossem aprovados no Congresso.

A Lei Bases e Pontos de Partida para a Liberdade dos Argentinos, mais conhecida como "lei bases' ou 'lei omnibus", propõe ampla reforma do Estado com desregulamentações em diversas áreas. Os regulamentos conferem poderes legislativos ao presidente, permitem a privatização de empresas públicas e introduzem numerosas reformas de longo alcance e de natureza regressiva, tais como uma reforma laboral, fiscal.

Os projetos estão em debate no plenário das comissões do Senado e foram aprovados na Câmara dos Deputados em 30 de abril.

A lenta tramitação no Senado mostra a resistência do Congresso em aprovar as propostas de Milei.

"Não pode haver causa legítima para se opor à sagrada tarefa de reconstruir a nação. Não há especulação nem ambição que justifique o empobrecimento de nossa nação", argumentou o líder ultraliberal na busca pelos apoios políticos.

Um dos impostos a serem baixados seria o Para uma Argentina Inclusiva e Solidária (PAÍS), criado em 2019 sob a administração do governo do peronista de Alberto Fernández (2019-2023) para taxar a compra de moeda estrangeira.

 

Fonte: BBC News Mundo/Sputnik Brasil

 

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