A Internacional fascista: associação de
políticos de inclinação reacionária
unidos contra o Estado de direito democrático
A eleição de Lula em
2022 se processou em um momento crítico da democracia brasileira, que teria
desaparecido debaixo do eventual segundo mandato do populismo reacionário de
Jair Bolsonaro. Por isso mesmo, recorreu à formação de uma frente ampla que
contou com a apoio de antigos adversários, formada desde a esquerda até
segmentos da centro-direita, unidos pelo reconhecimento da ameaça comum.
Ainda assim, sua
vitória foi contestada pelos derrotados, que tentaram dois golpes de Estado –
primeiro, gorado ainda ovo, para ficar no poder; o segundo, tentado, para a ele
retornar. Mas a derrota de Jair Bolsonaro, seguida da perda de seus direitos políticos,
não pôs um paradeiro em um populismo extremista, que luta por obstruir
politicamente a ação da Justiça que pode condená-lo à pena de prisão e mantê-lo
politicamente vivo. Ameaça de dupla face, interna e externa.
No plano externo, seu
trabalho de subversão democrática é ativamente apoiado por uma verdadeira
Internacional fascista. Trata-se de uma associação internacional de políticos
de inclinação reacionária e unidos contra o Estado de direito democrático, tais
como o ex-presidente americano Donald Trump; o primeiro-ministro de Israel,
Benjamin Netanyahu; o primeiro-ministro da Hungria e seu atual ditador, Viktor
Orbán; o presidente da Rússia, Vladimir Putin; o atual presidente da Argentina,
Javier Milei; empresários como Elon Musk; intelectuais como Steve Bannon,
Alexander Dugin e os já falecidos Alain Finkelstein e Olavo de Carvalho.
São políticos,
empresários e ativistas de grande poder político e econômico, com ramificações
em quase todos os países da Europa e da América, que agem de forma
estreitamente solidária, como um partido populista global, que vemos todos os
dias se visitando, se apoiando e confraternizando.
A Internacional
fascista age de forma descentralizada, mas concertada, para a tomada do poder e
o maior ou menor desmonte das democracias liberais representativas, apoiando
candidatos extremistas como Jair Bolsonaro (Brasil), Marine Le Pen (França),
José Antonio Kast (Chile), Giorgia Meloni (Itália), Santiago Abascal (Espanha),
André Ventura (Portugal).
Propaga ideologias
extremistas de caráter reacionário, que submetem o Estado laico à religião,
e/ou libertariano, que desmontam os benefícios sociais que permitem ao cidadão
sobreviver sem se submeter às redes de proteção da família patriarcal e da
igreja. Trocam tecnologias comunicacionais, doutrinárias, eleitorais, e
provavelmente financiamento. Subvertem os regimes democráticos pela promoção da
chamada “guerra cultural” (na verdade, uma “guerra santa”), para criminosamente
espalhar o pânico moral pela desinformação, pela fraude, pelo estímulo
constante ao desrespeito às leis e às autoridades instituídas.
No plano interno, um
dos principais desafios para a frente ampla para a preservação da democracia
passa por lidar com a manipulação que ocorre principalmente através das redes
sociais, onde o anonimato facilita a disseminação de discursos extremistas. A extrema
direita não vive sem a mobilização e radicalização do eleitorado conservador
pela criação de ameaças inexistentes, levantando os interditos informacionais e
jurídicos a ela opostos pelo ordenamento jurídico para garantir que o grosso do
debate público se processe dentro de limites de racionalidade e moderação.
Trata-se de um
trabalho que tem na manipulação da percepção pública sua ferramenta principal.
Este método caracteriza-se pela fabricação de crises e pela propagação por meio
das redes sociais de teorias da conspiração, visando radicalizar o eleitorado
conservador contra a ordem democrática, pela propagação da desconfiança
generalizada de que vive, na verdade, sob uma ditadura comunista.
A radicalização é
levada pelo negacionismo a todos os aspectos da vida social: comida, marca de
sapato, destino de férias, cor do esmalte. O sistema eleitoral é fraudulento, a
comida pode estar envenenada, a vacina tem um chip que muda a orientação sexual.
Tal ambiente de medo e incerteza é fértil para as verdades fabricadas que se
tornam instrumentos de mobilização política.
O trabalho de
subversão democrática continua pelo negacionismo histórico, voltado para
atribuir os crimes do nazismo e do fascismo à esquerda (o que não impede os
extremistas de apoiarem suas revivências hoje na Alemanha e na Itália) e
reabilitar os regimes autoritários do passado como modelo de “democracia”
alternativa. As ditaduras militares do Brasil, da Argentina e do Chile; o
salazarismo em Portugal e o franquismo na Espanha; o regime oligárquico
escravista e racista nos Estados Unidos; o feudalismo cristão na Europa
oriental passam a ser apresentados como modelos de bom governo, e seus
excessos, justificados pela necessidade de combater o comunismo que, hoje,
voltaria a ameaçar “o povo”.
Levantam-se os
interditos históricos para que se possam restabelecer regimes similares,
adaptados às contingências do presente.
A pedra de toque do
trabalho de subversão reside, como se sabe, nas redes sociais. Por isso, é
essencial que seu funcionamento permaneça desregulado, à margem da lei. Somente
debaixo da irresponsabilidade criminal e civil do anonimato, vedados pela Constituição
da República, é possível praticar pelas redes sociais os atos que, proibidos
nas mídias físicas, protegem o debate público tanto quanto possível das
falsidades e negacionismos indispensáveis à radicalização do eleitorado de
direita. Ataques coordenados e campanhas difamatórias contra figuras públicas e
instituições, quase sempre originados de contas falsas, distorcem a realidade
para representá-la como injusta, inflar a percepção de um consenso popular e
levar ao apoio de candidatos que se apresentam como defensores do povo e
apresentam o combate ao regime democrático e sua derrubada como ações de
legítima defesa.
A resistência à
regulamentação das redes sociais pelo Legislativo e a condenação da ação
substitutiva do Judiciário, a título de “ativismo judicial”, bem como a
desobediência continuada às leis e decisões judiciais, são justificadas pelos
extremistas de direita como defesa da “liberdade” entendida à moda libertariana
ou anárquica de liberdade absoluta. A defesa da liberdade irrestrita de opinião
garante a impunidade dos criminosos para que prossigam sem repressão seu
trabalho de subversão e derrubada da República.
Trata-se de maximizar
a liberdade de expressão como licença para a prática impune de crimes de
calúnia, difamação, injúria, ameaça, estelionato, incitação ao crime, incitação
ao golpe de Estado, falso testemunho, racismo, antissemitismo, homofobia/transfobia,
divulgação de fato inverídico etc. Trata-se de um conceito desconhecido na
ordem jurídica, porque afronta o princípio da efetividade da jurisdição e, por
extensão, a soberania do Estado.
Tudo pesado, o que se
percebe é que o trabalho de defesa da democracia exige bem mais do que apenas
frente eleitoral voltada para a derrota do candidato fascista à presidência, e
que sustenta o atual governo da República. A preservação da democracia brasileira,
diante do avanço de movimentos autoritários, transcende as questões eleitorais
e torna-se um confronto ideológico e legal contínuo.
Daí que a frente ampla
precisa se converter em uma permanente frente democrática organizada como
movimento político e social, à maneira do antigo MDB durante o regime militar.
A frente democrática
se constrói em torno do consenso mínimo básico de defesa da democracia liberal
identificada com a Constituição de 1988. A luta contra a retórica que abusa do
conceito de liberdade de expressão para encobrir atividades ilícitas é essencial.
Argumentos que propõem uma liberdade irrestrita de opinião, permitindo
discursos que incitam ao ódio e à violência, representam uma distorção perigosa
das liberdades fundamentais e são projetados para sabotar a essência da ordem
jurídica democrática.
Neste cenário de
subversão contínua, a criação de uma “Internacional Democrática” torna-se uma
necessidade urgente. Esta aliança global entre governos democráticos visa
estreitar os vínculos de solidariedade, trocar experiências e tecnologias de
combate à desinformação, e pressionar conjuntamente pela regulamentação das
redes sociais, assegurando sua submissão ao ordenamento jurídico de cada
Estado-nação.
Esse esforço coletivo
é essencial para restabelecer o primado da soberania jurídica, crucial para a
manutenção da ordem democrática e para combater eficazmente os avanços da
Internacional Fascista, organizada hoje de modo muito mais eficiente. Para
isso, porém, é preciso derrubar os muros que nos separam dos demais moderados,
de direita e esquerda, frequentemente separados pelo narcisismo de diferenças
que, por maiores que tenham sido no passado, hoje se tornaram pequenas.
Fonte: Por Christian
Edward Cyril Lynch, em A Terra é Redonda
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