Ocidente é um 'leão acuado' com a ascensão
do Sul Global, diz Pepe Escobar
Em entrevista ao
podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, o jornalista investigativo Pepe Escobar
fala sobre a ascensão do mundo multipolar, afirma que o BRICS espera um papel
mais ativo do Brasil e ressalta que os EUA e Israel praticam terrorismo de
Estado contra inimigos e também contra aliados, como a Alemanha.
O mundo mudou de eixo
e caminha cada vez mais rápido em direção à era do multilateralismo, mas essa
mudança será tudo, exceto pacífica. É o que afirma em entrevista especial ao
podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, o jornalista investigativo Pepe Escobar,
apresentador do podcast Pepe Café, que mora em Moscou e há pelo menos dez anos
vem debatendo a construção desse novo paradigma global.
Ele afirma que a hora
da mudança está chegando, mas adverte que "o contra-ataque do mundo antigo
vai ser cada vez mais brutal".
"Vai ser um
contra-ataque de guerra híbrida, de desestabilizações, de mais revoluções
coloridas e, eventualmente, até de guerra quente [confronto efetivo]. Então,
nós todos, da maioria global, como o ministro [das Relações Exteriores da
Rússia] Sergei Lavrov agora fala abertamente, nós temos que estar muito atentos
porque o império e as suas variações são um leão acuado, e eles ficam muito
mais perigosos em uma situação como essa", afirma Escobar.
Escobar aponta que há
elementos que permitem ser "cautelosamente otimista", como a expansão
do BRICS, o fato de o grupo ser presidido este ano pela Rússia e o alinhamento
entre Moscou e Pequim, as duas potências mundiais que, segundo ele, sabem
perfeitamente como esse jogo é pesado, mas que têm "capacidade de virar o
jogo". Porém, ele acrescenta que falta ao Brasil definir seu papel dentro
do grupo.
"E é algo que,
nessa minha estadia no Brasil, eu quero aprender qual vai ser o papel do Brasil
[no BRICS] […]. Eu vim tentar saber qual é realmente o papel do Brasil durante
o resto do governo Lula, evidentemente, e, em especial, o fato de como o Brasil
vai se alinhar como um dos líderes do BRICS e não estando a reboque, que no
momento é uma situação um pouco complicada. O Brasil não tem um papel definido
no BRICS, neste momento, de protagonista."
Ele afirma ter ouvido
de fontes importantes de dentro do BRICS "que esperam um papel mais ativo
do Brasil, que no momento não existe".
"E tem um
problema muito sério, […] o mais sério de todos, que é o banco do BRICS, o NDB
[Novo Banco de Desenvolvimento]. Dilma [Rousseff] é a presidente do NDB no
momento. O problema é que o mandato da presidente Dilma acaba no fim do ano. A
próxima presidência vai ser russa, mas os russos não podem esperar até o fim do
ano para começar medidas realmente sérias de reestruturar o NDB", explica.
"O que eu tenho
ouvido de outros membros do BRICS é que ela [Dilma Rousseff] poderia ter um
papel um pouco mais ativo e, por uma série de razões que nós desconhecemos,
também não está acontecendo", acrescenta.
Escobar cita como
exemplo o debate sobre a desdolarização nas transações entre membros do BRICS
que, em sua avaliação, não teve a sequência esperada.
"Como é que você
pode ter um banco de desenvolvimento de países do Sul Global utilizando a moeda
do inimigo? É impossível. Você tem que começar a mudar os estatutos [do NBD], e
isso é um negócio que vai demorar. Os únicos que têm o cacife na mesa para
fazer isso são os russos. Com a presidência, isso significa esperar até o ano
que vem. Mas eles não podem esperar este ano [passar], porque a cúpula deste
ano é em Kazan [na Rússia], em outubro, e eles têm que ter decisões
geoeconômicas hiperimportantes para o BRICS 10 [número de membros após a
expansão do grupo] e para aquela fila de 40 [países] que querem entrar no
BRICS. São mais de 40 já, eram 30 e poucos. Toda semana tem alguém que quer
entrar no BRICS."
·
Terrorismo de Estado é uma arma do Ocidente
Escobar critica a
forma como as notícias são veiculadas na mídia ocidental que, segundo ele,
trazem "camadas e camadas de propaganda" sob as quais "a
informação se dilui". Ele afirma que a nova geração, os mais jovens, já
perceberam isso e passaram a buscar informação em outros meios, sobretudo as
redes sociais.
"Eu vou dar um exemplo
prático, que é talvez o mais flagrante dos últimos meses. A verdadeira razão
por que o TikTok deve ser banido nos Estados Unidos, que jamais vai ser
admitido oficialmente, porque a garotada americana pega suas informações sobre
o genocídio na Palestina via TikTok e são praticamente todos
pró-Palestina", explica.
"O TikTok
destruiu o mito do sionismo nos Estados Unidos entre as jovens gerações. Esse é
um fenômeno tão complexo e tão aterrador para as elites, tão aterrador para,
por exemplo, o Congresso americano, que é totalmente dominado pelo lobby
israelense e pelo lobby sionista, que a reação deles é típica, sanções",
complementa.
Questionado sobre o
ataque massivo do Irã contra Israel e os impactos que o acirramento entre Teerã
e Tel Aviv pode ter, Escobar ressalta que o que o Irã fez foi "responder a
um terrorismo de Estado" perpetrado pelos israelenses.
"É […]
[terrorismo de Estado] Israel soltar mísseis em cima da residência do
embaixador iraniano em Damasco, que também é o prédio do consulado. Isso daí,
entre outras coisas, destruiu a Convenção de Viena, que regula a imunidade
diplomática no planeta inteiro. Além de ser um ataque terrorista contra um
terceiro Estado em um terceiro país. Você atacou não só o Irã, como atacou a
Síria. Você atacou a Síria e o Irã ao mesmo tempo. A ilegalidade, na verdade, é
dupla, e algo ainda mais importante, o alvo, que era um comandante do IRGC
[Corpo de Guardas da Revolução Islâmica] iraniano, que era o coordenador do Irã
com a Síria e o Líbano, estacionado em Damasco. Ele estava numa missão
diplomática. Então você atacou um diplomata também, ou seja, tudo o que eles infringiram
é um negócio completamente absurdo."
Escobar afirma que
Israel imaginou que o ataque ao consulado não resultaria em nada, uma vez que o
Irã estava há anos em uma doutrina que ele classifica como "paciência
estratégica". Porém, ele afirma que dessa vez Teerã respondeu com um
ataque em três níveis.
"Eles lançaram
uma série de drones, uma série de mísseis de cruzeiro e uma série de mísseis
balísticos. Eles saturaram as defesas aéreas de Israel, que são as mais
sofisticadas do mundo. Passaram [pela defesa israelense] alguns dos mísseis e
os mísseis balísticos. Praticamente todos chegaram ao alvo."
Ele diz que duas bases
israelenses localizadas no deserto de Neguev foram alvejadas, uma por cinco
mísseis balísticos, outra por quatro. Segundo Escobar, as bases, que ficaram
totalmente destruídas, eram estações de inteligência que monitoravam a área das
Colinas de Golã, "ocupadas ilegalmente por Israel".
"Por isso que
Israel não soltou uma imagem [do ataque às bases]. […] os israelenses ficaram
absolutamente petrificados, porque isso nunca aconteceu na história. Então essa
é a nova equação, e os próprios iranianos, na terminologia nova que eles inventaram,
falam abertamente: 'Olha, agora existe uma nova equação, a nova equação é muito
simples. Se vocês nos atacam, seja onde for, a gente vai responder na hora, em
segundos, minutos ou na hora, literalmente.'"
Escobar afirma que a
resposta de Teerã tinha como alvo Israel e os Estados Unidos, aliado
incondicional de Tel Aviv, e destaca que houve conversa diplomática direta
entre Teerã e Washington antes do ataque, o que é uma mudança, uma vez que as
tratativas entre as partes antes se davam "sempre por vias
interpostas".
"Duvido que isso
tenha saído [na mídia] no Brasil. William Burns, chefe da CIA [Agência Central
de Inteligência], pegou um avião e foi para Omã. […] chega lá em Omã e tem uma
delegação iraniana e o pessoal de Omã, os anfitriões. Sentam na mesma mesa,
Burns pergunta: 'E aí? A gente sabe que vocês vão ter que responder, o que
vocês querem fazer?' Os iranianos falam: 'Olha, nós vamos responder da nossa
maneira, mas não vamos atacar vocês, americanos, nem civis americanos nem bases
americanas.' Aí William Burns fala: 'Tudo bem, mas vocês sabem o que vão fazer
já?' A resposta iraniana foi: 'Bom, vai ser provavelmente um consulado ou uma
Embaixada israelense ou instalações militares de Israel.' Aí Burns de novo:
'Nenhum ataque a civil, não, só isso.' O que isso nos ensina? Que a CIA deu
passe verde para os iranianos responderem, contanto que fosse o que eles
estavam prometendo. Eles sabem que os iranianos são muito corretos, não mentem,
não faz parte do modelo mental persa mentir."
Escobar afirma que, ao
saber das tratativas, as relações entre Washington e Tel Aviv "começaram a
despencar", o que explica a situação do presidente dos EUA, Joe Biden,
"mendigar aos israelenses" que não respondam ao ataque iraniano.
Porém, ele afirma que
isso agrava a situação do primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu.
"A única coisa
que ele [Netanyahu] pensa é que se a guerra acaba ele vai para a cadeia.
Literalmente, estou resumindo ao máximo uma situação extremamente complexa, mas
a única coisa que o mantém fora da cadeia é o fato de que o país está em
guerra."
Escobar afirma ainda
que Israel não foi o único país ocidental a fazer terrorismo de Estado nos
últimos anos, e cita a entrevista dada pelo presidente russo, Vladimir Putin,
ao jornalista americano Tucker Carlson, na qual Putin, ao ser questionado sobre
a explosão do Nord Stream, disse ao entrevistador: "Vocês, [americanos],
que explodiram o Nord Stream."
"Porque esse é o
tabu supremo, pelo menos nos últimos dois anos. O grande tabu é o fato de que
os Estados Unidos praticaram um ato de terrorismo de Estado, não só contra a
Alemanha, seu principal aliado europeu, mas contra a União Europeia como um todo,
contra a Rússia via Gazprom e contra uma série de empresas europeias que operam
o consórcio Nord Stream. Ou seja, é um ato terrorista também em várias
gradações."
Ele sublinha que o
caso, que ele aponta como o maior furo investigativo do milênio, foi denunciado
pelo premiado jornalista investigativo Seymour Hersh, que tem seu trabalho
reconhecido há décadas. Porém, destaca que o furo de Hersh não teve o espaço
merecido na mídia americana, e que o jornalista se tornou vítima de uma
campanha de desqualificação.
"Ninguém nos
Estados Unidos o publica mais. Ele foi jogado para fora porque desmistifica e
vira de ponta-cabeça todas as mentiras do sistema."
Escobar acredita que o
ataque ao Nord Stream serviu para neutralizar a Alemanha, que Washington estava
percebendo como "uma potência industrial com aspirações globais".
"Isso [a ascensão
da Alemanha] é uma ameaça aos interesses do império, e ainda por cima com essa
relação próxima com a Rússia. Um monte de investimentos alemães na Rússia e
energia barata a rodo da Rússia para a Alemanha. Antes mesmo do bombardeio do
Nord Stream, já dava para perceber que a agenda era essa. E não deu outra.
Quando bombardearam o Nord Stream, essa bola já estava cantada. Os caras
fizeram isso mesmo, porque eles acham que não vai acontecer nada, como não
aconteceu até agora. E se acontecer, vai ser bem mais tarde", afirma o
jornalista.
¨ Putin: terrorismo continua sendo uma das maiores ameaças do
século XXI
O presidente russo
sublinhou a necessidade de encarar seriamente a luta contra o terrorismo,
depois que o atentado no Crocus City Hall, perto de Moscou, matou mais de uma
centena de pessoas.
O terrorismo continua
sendo uma das ameaças mais sérias do século XXI, seu objetivo é desestabilizar
a soberania dos países e incitar ao ódio interétnico e interreligioso, afirmou
na quarta-feira (24) o presidente da Rússia.
"Sem dúvida, o
terrorismo internacional continua sendo uma das ameaças mais graves do século
XXI", disse Vladimir Putin em uma mensagem de vídeo aos participantes da
12ª reunião internacional de responsáveis de segurança de vários países.
"O objetivo dos
ataques terroristas em diferentes regiões do mundo, por trás dos quais estão
não apenas grupos radicais, mas também serviços secretos de alguns países, é
minar as bases constitucionais e desestabilizar Estados soberanos, incitando ao
ódio interétnico e interreligioso", sublinhou o líder russo.
Nenhum dos
participantes do ataque terrorista no Crocus City Hall, perto de Moscou, deve
escapar de uma justa punição, de acordo com Putin.
Ele detalhou que os
serviços secretos e as agências policiais russas estão identificando os
participantes do ataque terrorista, incluindo os mandantes, patrocinadores e
organizadores.
"Nenhum deles
deve escapar de uma punição justa", advertiu.
"Gostaria de
deixar claro mais uma vez que a Rússia está pronta para uma estreita cooperação
com todos os parceiros interessados em garantir a segurança global e regional e
em formar uma nova ordem mundial multipolar que atenda aos interesses da maioria
dos países."
Ele expressou a
confiança de que a reunião de altos representantes em São Petersburgo
contribuiria para "fortalecer a cooperação em benefício de nossos países e
povos, no interesse da paz e da estabilidade no mundo", desejando sucesso
aos participantes.
¨ Rússia treina centenas de oficiais das forças da República
Centro-Africana
Centenas de oficiais
das Forças Armadas da República Centro-Africana estão atualmente em treinamento
na Rússia, disse o ministro da Defesa da RCA, Claude Rameaux Bireau.
"Nos últimos
cinco anos, os instrutores russos treinaram mais de 10 mil militares das Forças
Armadas da RCA e o processo de treinamento é qualitativamente diferente da
experiência de treinamento com outros parceiros", disse Rameaux Bireau em
entrevista à mídia russa RTVI.
"Atualmente,
centenas de oficiais das nossas forças armadas estão sendo treinados na
Federação da Rússia", afirmou.
O ministro acrescentou
que "este treino dá muita ênfase à prática e à preparação física".
"Além disso, instrutores russos acompanham os soldados em operações contra
grupos armados. Esta é uma experiência insubstituível que realmente permitiu
que as nossas Forças Armadas fossem eficazes no combate".
"Os instrutores
russos tornaram-se um componente muito importante, um elo importante no sistema
de segurança" da RCA. "E ainda temos muito trabalho a fazer com
eles", acrescentou.
O ministro acrescentou
que a RCA está "satisfeita com o trabalho dos instrutores russos" que
estão na República e que apoiam as Forças Armadas do país "em vários
domínios". Segundo Rameaux Bireau o governo está pronto para discutir os
termos da expansão da cooperação.
Fonte: Sputnik Brasil
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