segunda-feira, 29 de abril de 2024

Microbiota intestinal influencia no bem-estar cardiovascular, aponta estudo

As bactérias que habitam o intestino têm se tornado um ponto crucial na investigação científica, se destacando por suas funções no metabolismo, na nutrição e na saúde geral. Novos trabalhos mostram que, além do explorado papel em doenças neurodegenerativas, a microbiota intestinal influencia em muitas outras questões, como sistema imunológico e bem-estar cardiovascular.

Uma recente pesquisa do Instituto de Tecnologia Technion, em Israel, trouxe à tona uma descoberta promissora que pode melhorar a abordagem às doenças inflamatórias intestinais (DII), como colite e doença de Crohn.

Ao longo dos milênios, a microbiota se tornou indispensável para o sistema imunológico. O intestino passa por diversas transformações estruturais, mecânicas e químicas, exigindo das bactérias uma adaptação dinâmica a esse ambiente em fluxo constante. Uma equipe liderada pela professora Naama Geva-Zatorsky, da Faculdade de Medicina Ruth e Bruce Rappaport, tem se dedicado a investigar essa questão, em trabalho de equipe.

"A pesquisa oferece uma visão crítica sobre as intrincadas interações entre as bactérias intestinais e o sistema imunológico na doença inflamatória intestinal. Nossa explicação é que a mesma flexibilidade genômica desenvolvida ao longo da evolução proporciona às bactérias plasticidade funcional, ajudando a se adaptarem às doenças intestinais", frisou Geva-Zatorsky. "Isso abre portas para intervenções direcionadas destinadas a restaurar o equilíbrio da microbiota intestinal em pacientes com DII."

O estudo, que foi uma colaboração entre cientistas dos Estados Unidos, Espanha e Israel, se concentrou nas bactérias Bacteroidales, algumas das mais abundantes no microbioma intestinal humano. Ao examinar mais de 2 mil pessoas saudáveis e doentes e conduzir ensaios pré-clínicos, os cientistas identificaram padrões distintos de inversões de DNA associados à saúde e à doença.

Essas inversões reversíveis do DNA conseguem ligar e desligar a produção de moléculas essenciais. Por exemplo, em Bacteroides fragilis, o mecanismo desativa a produção do polissacarídeo A (PSA), uma molécula crucial na coordenação de células T reguladoras, especializadas em suprimir a inflamação excessiva e manter o equilíbrio intestinal.

O trabalho revelou ainda um padrão nas amostras fecais de pacientes com doenças inflamatórias intestinais: o regulador de PSA estava predominantemente desativado, o que se relacionava aos níveis elevados de vírus bacteriófagos associados B. fragilis. Experimentos adicionais com ratos colonizados com B. fragilis na presença de bacteriófagos demonstraram uma redução nas células T reguladoras. Para os autores, as descobertas evidenciam uma estratégia de adaptação complexa empregada pelos micróbios intestinais, o que os permite reprogramar dinamicamente a expressão genética em resposta a condições locais, como inflamação ou infecção viral.

·        Dificuldades

No entanto, Bruno Paes Barreto, coordenador do Departamento Científico de Alergia na Infância e Adolescência da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (ASBAI), observa que, usar esse mecanismo como biomarcador ou em alguma terapêutica, não será fácil. "O principal obstáculo seria tornar os exames de identificação da microbiota acessíveis e reprodutíveis. O que atualmente é questionável."

Para Barreto, reconhecer o padrão microbiano de cada indivíduo e avaliar suas influências na saúde ainda é uma estratégia difícil de padronizar. "É possível que a curto e médio prazo exames continuem sendo importantes para diagnóstico e manejo das doenças alérgicas e gastrointestinais funcionais."

Os micróbios que habitam o intestino de mamíferos, como o ser humano, também são considerados influentes no metabolismo de aminoácidos e da glicose. Essa microbiota se comporta de maneira semelhante a um fígado adicional. É o que aponta um novo estudo pré-clínico conduzido por pesquisadores da Weill Cornell Medicine, nos Estados Unidos.

·        Funcionamento

Os agentes que compõem o microbioma influenciam na extração de nutrientes dos alimentos ingeridos, competindo com o organismo por esses recursos, observou Chun-Jun Guo, professor assistente de microbiologia e imunologia e autor sênior do estudo. "Eles 'comem' antes de nós, assumindo primeiro os nutrientes dos alimentos que consumimos e deixando-nos com o que resta após satisfazerem suas próprias necessidades nutricionais."

Para entender melhor esse fenômeno, os pesquisadores exploraram a eficiência de várias bactérias intestinais na metabolização de aminoácidos, que compõem as proteínas. Por meio de uma análise extensa que envolveu mais de 100 micróbios intestinais humanos distintos, a equipe identificou bactérias capazes de esgotar esses aminoácidos.

Ao colonizarem o intestino de ratos com essas bactérias, a equipe observou uma redução nos níveis de aminoácidos tanto no intestino, quanto na corrente sanguínea do animal.

Identificando os genes bacterianos responsáveis por essa questão, os cientistas manipularam geneticamente bactérias para esgotar aminoácidos no intestino dos animais, o que regulou a glicose sanguínea. Para eles, o resultado sugere que a microbiota não só afeta o metabolismo dos aminoácidos, mas exerce influência sobre a gestão do açúcar no sangue.

O estudo destaca que muitos genes microbianos estão associados a condições digestivas e metabólicas, o que sugere que medicamentos direcionados a eles ou a cepas bacterianas modificadas poderiam ser uma nova abordagem para condições como diabetes tipo 2 e doença inflamatória intestinal.

Adriano Moraes, hepatologista do Centro de Excelência em Transplante Hepático do Hospital Santa Lúcia de Brasília, frisa que é importante considerar a genética do indivíduo. "Essas alterações metabólicas modificam o sistema neuroendócrino. Então, têm várias vias de ativação que podem levar, inclusive, a alterações cerebrais, motoras e sensoriais. E esse desequilíbrio leva uma maior ou menor condição pró-inflamatória." Ele explica que as condições pró-inflamatórias são absorvidas pelos vasos que drenam o intestino. "Quando essas substâncias inflamatórias são drenadas para o fígado, há o desenvolvimento de doenças relacionadas diretamente ao órgão."

·        Avanços

"A sensibilidade de um biomarcador pode permitir a monitorização precisa da progressão de doenças gastrointestinais. Ao detectar padrões distintos de inversões de DNA nas espécies bacterianas do microbioma intestinal, os pesquisadores podem correlacionar esses padrões com a gravidade da doença e sua resposta ao tratamento. O biomarcador pode ter ainda desdobramentos em pesquisas futuras sobre a microbiota intestinal e sua influência em doenças sistêmicas. Poderia ser explorado para avaliar o papel do microbioma na regulação do sistema imunológico em outras doenças inflamatórias. O avanço na identificação de biomarcadores abre novas perspectivas para abordagens personalizadas e eficazes, que visam não apenas os sintomas, mas modular a microbiota e a resposta imunológica do paciente. É um emocionante progresso da medicina personalizada e da biologia de sistemas."

Alexandre Nishimura, coloproctologista nos hospitais do Servidor Público Estadual de São Paulo e Israelita Albert Einstein, especialista em doenças inflamatórias intestinais.

·        Esferas para a saúde

Cientistas da University College London, no Reino Unido, desenvolveram esferas de carbono capazes de reduzir bactérias nocivas e inflamações associadas à cirrose hepática e outras doenças graves em modelos animais. Publicado na revista Gut, o estudo revelou que o Carbalive, restaurou a saúde intestinal e melhorou a função hepática, renal e cerebral em ratos e camundongos. Agora, a equipe pretende confirmar a eficácia e segurança em humanos.

·        Interferência no corpo todo

Um estudo recente lançou luz sobre a possível conexão entre as bactérias que habitam o intestino humano e o desenvolvimento de aneurismas na aorta, uma condição séria que afeta a saúde cardiovascular. Os pesquisadores, liderados pela Universidade de Zhengzhou, na China, mergulharam em dados genéticos de milhares de indivíduos, buscando entender melhor essa relação complexa.

Os resultados, publicados na revista Cardiovascular Innovations and Applications, revelaram que certas famílias e classes de bactérias intestinais estão intimamente ligadas ao risco de aneurismas aórticos. Além disso, níveis mais baixos de alguns desses microrganismos estavam associados a menores chances do problema, enquanto maiores quantidades de outras bactérias se relacionavam a um risco aumentado.

O estudo identificou ainda padrões específicos de bactérias associados a diferentes subtipos de aneurismas aórticos, como os que ocorrem na região abdominal e torácica. Para os autores, essas descobertas têm implicações significativas para o diagnóstico e tratamento desses problemas.

Para essa análise, os pesquisadores utilizaram dados do FinnGen, um projeto médico que verifica informações genômicas e de saúde de participantes do biobanco finlandês. A abordagem multidisciplinar promete fornecer insights valiosos para o desenvolvimento de novos biomarcadores, essenciais para o diagnóstico precoce e para potenciais alvos terapêuticos contra aneurismas aórticos.

 

Fonte: Correio Braziliense

 

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