Licença pet, congelamento de óvulos e folga
menstrual: os novos benefícios de empresas para atrair e reter talentos
Quando a executiva
Beatriz Vilarinho começou em um novo emprego, em 2021, ela descobriu que a
empresa oferecia um tipo de benefício que não é comum no mercado.
A empresa paga por até
70% do valor cobrado pelo congelamento de óvulos para funcionárias com mais de
um ano de casa.
O custo gira hoje em
torno de R$ 15 mil a R$ 20 mil por procedimento, a depender da cidade e do
Estado.
O benefício veio bem a
calhar para Beatriz, que tinha 34 anos na época e vinha tentando há três
engravidar por meio de inseminação artificial sem sucesso, tendo perdido um
bebê neste processo.
"Fiquei surpresa
quando soube, porque eu nem sabia que uma empresa no Brasil tinha esse tipo de
benefício. Eu me senti acolhida”, diz ela.
Assim que completou o
primeiro ano de trabalho, ela solicitou o benefício e congelou os óvulos.
Alguns meses depois,
ela fez uma fertilização in vitro e engravidou de gêmeos.
Maria Isabela e
Gustavo nasceram há um ano e quatro meses.
"Foi a realização
de um sonho", conta Beatriz.
"Ainda há um
preconceito muito grande no mundo corporativo com mulheres que desejam ser mãe
ou que já são. Mas desde que entrei na empresa, deixei bem claro esse meu sonho
e até fui promovida nesse período. Ter filhos não atrapalhou minha carreira, muito
pelo contrário."
O Mercado Livre, onde
Beatriz trabalha como gerente de transportes, passou a oferecer esse benefício
há cinco anos para funcionárias com mais de 30 anos nos 18 países onde atua.
A empresa paga até US$
3,5 mil (cerca de R$ 18 mil) para cada funcionária, que deve arcar com o
serviço de manutenção dos óvulos na clínica escolhida, algo que sai, em média,
por R$ 1 mil ao ano.
A ideia é apoiar
mulheres que desejam adiar um pouco a gravidez para se dedicar à carreira ou
quem, assim como Beatriz, tem dificuldades de engravidar naturalmente.
Desde 2019, cerca de
40 funcionárias já recorreram ao congelamento de óvulos subsidiado, segundo a
empresa.
"Esse benefício é
um dos que mais geram engajamento interno, reforçando a conexão e retenção dos
nossos talentos", afirma Mônica Rosenburg, gerente de Benefícios do
Mercado Livre no Brasil.
• Busca por bem-estar
O congelamento de
óvulos é um exemplo dos novos benefícios que companhias têm oferecido para
atrair e manter bons profissionais nas equipes, conquistar seu comprometimento
e aumentar a produtividade.
Além de benefícios
obrigatórios por lei como vale-transporte e licença maternidade e paternidade,
há empresas que optam também por oferecer vale-refeição, plano de saúde, plano
odontológico, auxílio-creche e bolsas de estudos.
Algumas oferecem ainda
o pagamento da academia e de atividades culturais, planos de previdência
privada e participação nos lucros.
Até algum tempo atrás,
a nova forma de garantir o bem-estar dos funcionários era criar escritórios com
áreas de lazer, espaços de descanso e geladeiras com bebidas e comida à
vontade.
Mais recentemente,
principalmente após a pandemia, a flexibilidade de horário, o trabalho remoto
integral e a semana mais curta de trabalho se tornaram mais procurados.
A novidade agora são
benefícios como licença para falecimento de animais de estimação ou para dar
atenção a um pet que acaba de chegar em casa, bônus em dinheiro nas férias,
auxílio de saúde mental e licença durante o período menstrual.
“Isso acontece porque
a geração atual busca o bem-estar no ambiente de trabalho e que a empresa
esteja alinhada com os seus objetivos pessoais”, explica Leila Arruda, mentora
de carreiras, especialista em treinamento de líderes e pós-graduada em Gestão de
Carreiras e Liderança.
Esses benefícios estão
longe da realidade para bastante gente no Brasil, onde muitos trabalham sem
carteira assinada.
Quase 39 milhões de
brasileiros estavam na informalidade no primeiro trimestre deste ano, segundo o
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), um contingente maior do
que os quase 38 milhões de empregados com carteira no setor privado. Outros 13
milhões são empreendedores individuais.
Os novos benefícios
também não chegam a ser um novo padrão de mercado, explica Arruda, embora a
especialista avalie que a expectativa é que se tornem mais comuns.
"Apesar de não
serem todas as empresas que oferecem, acrescentar esses benefícios é uma
tendência do mercado de trabalho e deve crescer cada vez mais", aponta
Arruda.
• Folga menstrual
O Grupo MOL, formado
por uma empresa de produtos e serviços sociais e um instituto social, passou a
oferecer a licença menstrual para suas 49 funcionárias há um ano.
As mulheres são a
grande maioria ali, quase 90% da equipe, e podem enfrentar durante a
menstruação sintomas como cólica, enjoos e dor de cabeça.
Se necessário, as
funcionárias podem tirar até dois dias de licença remunerada por mês, em todos
os meses do ano, e não precisam de atestado médico para isso.
A analista de redes
sociais Karolyne Oliveira, de 24 anos, diz que aproveita o benefício
frequentemente, porque costuma ter cólicas e dor de cabeça fortes quando
menstrua.
“Normalmente, meio
período já é o suficiente para eu me recuperar", diz Karolyne.
"A licença nos dá
mais segurança, e a gente se sente mais confortável na empresa, porque sabemos
que não precisamos trabalhar nos dias em que não estamos bem.”
Após um ano oferecendo
o benefício, a empresa avalia que os dias de descanso não afetaram a
produtividade e aumentaram o nível de satisfação das funcionárias.
Até janeiro, foram
tiradas 29 licenças, sendo que mais de 65% foram de apenas meio período.
“Os sintomas do ciclo
menstrual podem provocar muita indisposição e afetam qualquer atividade, seja
em casa ou no trabalho”, comenta Roberta Faria, cofundadora e presidente da
MOL.
“Então, não faz
sentido exigir que as pessoas ignorem seu desconforto para completar as
demandas do dia a dia.”
• Atrair e fidelizar talentos
A especialista em
treinamento Leila Arruda explica que as empresas buscam se ajustar, com a
oferta destes novos benefícios, a uma mudança no comportamento e no perfil dos
funcionários.
Se antigamente os
profissionais costumavam permanecer por muitos anos em uma mesma companhia,
hoje eles trocam mais facilmente de emprego em busca de novas oportunidades.
Oferecer atrativos
adicionais é uma estratégia não só para atrair novos talentos, mas também para
proporcionar condições que os incentivem a permanecer na equipe.
Além de isso
contribuir para melhorar o desempenho individual e os resultados da empresa
como um todo, explica Arruda.
Isso porque estes
benefícios extras podem aumentar a satisfação pessoal e profissional de um
funcionário, como aponta uma pesquisa feita pela consultoria Robert Half.
Os recrutadores
ouvidos para o levantamento apontaram, por exemplo, que funcionários que
trabalham felizes e satisfeitos com a empresa costumam ser mais produtivos,
inovadores e criativos, leais e superam as metas estabelecidas.
"Um funcionário
feliz é um profissional com mais saúde mental e que tem a sua capacidade
cognitiva preservada. Por isso, ele é mais criativo, tem argumentos mais
aprofundados e assimila melhor os conteúdos. Pessoas felizes também adoecem
menos”, diz Rodrigo de Aquino, especialista em felicidade corporativa.
“Um funcionário mais
feliz também tem relacionamentos interpessoais mais saudáveis, impactando
internamente e também externamente, na relação com clientes e
fornecedores"
Mas Leila Arruda
ressalta que a escolha de quais benefícios oferecer exige analisar o perfil dos
funcionários e adaptar a estratégia da empresa de acordo com isso.
“O benefício que
funciona para uma empresa pode não funcionar para a outra”, diz Arruda.
“É importante que o RH
fique atento ao seu público interno e faça pesquisas anualmente para entender o
seu time.”
• Benefícios para donos de pets
A empresa de
recrutamento Môre decidiu oferecer uma série de novos benefícios há pouco mais
de um ano aos seus 224 funcionários depois de uma pesquisa interna apontar que
76% tinham animais de estimação.
A empresa incluiu
entre o rol de benefícios um plano de saúde para os animais de estimação e
licença de um dia em caso de falecimento do bicho.
Os funcionários podem
tirar uma licença PETernidade, que dura três dias, até duas vezes no ano, para
se dedicar à adaptação de um pet a uma nova casa.
"Hoje, o pet faz
parte da família, são como filhos", diz Flávia Pañella, sócia fundadora da
Môre.
“Por isso, é
importante que o colaborador tenha esses dias de folga para cuidar desse membro
que acaba de chegar. Seja para preparar o ambiente, ter tempo para comprar algo
que faltou e também para estarem juntos.”
Para ter o direito à
licença, um funcionário deve preencher um formulário informando a data prevista
para a chegada do animal.
Em caso de uma adoção
imprevista, a empresa diz que a licença é concedida o mais breve possível após
a comunicação.
O gerente de produto
Fernando Mendes, de 40 anos, foi o primeiro a tirar proveito da licença
PETernidade quando comprou uma nova serpente.
Ele é colecionador e
já tinha 22 serpentes, além de cinco lagartos e um sapo.
"Por serem pets
exóticos, é importante observar de perto os hábitos, já que cada serpente age
de uma maneira. É um período para se conhecerem", diz ele.
Fernando diz que os
dias de folga foram importantes para conseguir fazer uma boa introdução da nova
integrante à sua coleção.
“Há dez anos, iniciei
a minha criação, e sempre ficava apreensivo nesta fase, porque não sabia como
meus bichos iriam se comportar e se sentiriam muito a mudança de ambiente”,
diz.
“Quem dera ter tido
essa oportunidade de adaptação antes.”
Fonte: BBC News Brasil
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