segunda-feira, 1 de abril de 2024

Fortalecer o crime, corromper polícias e lotar cadeias: as ideias dos governadores do Sul e Sudeste para a segurança

NA SEMANA EM que os brasileiros souberam que o crime organizado e o estado brasileiro atuaram em conjunto para matar Marielle Franco, governadores do Sul e do Sudeste foram à Brasília para apresentar ao governo federal e ao Congresso um conjunto de propostas para a área da segurança pública. 

Enganou-se quem achou que teríamos novas propostas para reformar as polícias e o sistema carcerário e aumentos de investimentos em inteligência e prevenção. Muito pelo contrário. Absolutamente todos os itens propostos pelos governadores estão norteados pela velha lógica de sempre: a repressão, o punitivismo e o fortalecimento de um estado policialesco. 

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Trata-se da mesma fórmula que vem fracassando há décadas e que nos trouxe ao atual estado de calamidade na segurança pública. Não há uma ideia sequer que leve em conta, por exemplo, que as polícias estão contaminadas pelo crime organizado. 

Para emprestar um verniz moderno e civilizado para um pacote de ideias velhas e apodrecidas, o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, foi o escalado para explicar as quatro principais propostas. No Twitter, ele apresentou um resumo delas. 

Vejamos a primeira: “queremos o fim do prende e solta. Estamos propondo uma revisão nos requisitos da legislação para concessão de liberdade provisória em audiências de custódia no caso de crimes graves e quando há reincidência”. Não há nenhum dado científico que embase essa proposta. Pelo contrário, os números mostram que mais se prende do que se solta em audiências de custódia. 

Cecília Olliveira, jornalista do Intercept Brasil e fundadora do Instituto Fogo Cruzado, comentou: “Só 35% dos homicídios são investigados. Dava pra começar uma nova política de segurança com essa ideia: elucidando crimes. Aí talvez a gente soubesse se o ‘prende e solta’ é msm o problema. Se prisão fosse solução, viveríamos na Suíça. Temos a 3ª maior população carcerária do mundo”. 

O que não falta no Brasil é gente sendo encarcerada. Em 2000, o país tinha mais de 232 mil presos. Hoje, 24 anos depois, esse número aumentou em quase 400%. Qual foi o resultado dessa política? A expansão e o fortalecimento do crime organizado, que fez do sistema carcerário uma espécie de categoria de base em que se recruta novos talentos para o time.

A segunda proposta: “atualizar a legislação sobre os requisitos para abordagens. Queremos reforçar aos policiais a prerrogativa de realizar abordagens conforme circunstâncias suspeitas. E também deixar expresso na legislação que é vedada a atuação com base em preconceitos”. 

A ideia é contraditória e ridícula. Para o professor de Processo Penal e Direitos Humanos, Caio Paiva, “autorizar a polícia a se valer indistintamente da suspeita e do tirocínio não combina com proibir preconceito na abordagem”. Ora, a abordagem com base em preconceito já é vedada pela legislação, mas isso nunca foi um empecilho para que jovens pretos e pobres da periferia fossem parados na rua apenas por serem jovens pretos e pobres de periferia. Na prática, a proposta só reforça o direito do policial abordar qualquer um, mesmo que não haja suspeita fundada. Nada de novo no front.

A terceira proposta: “permitir acesso pelas forças policiais às informações de monitoramento eletrônico independente de autorização judicial, para melhorar a integração, qualificar a atuação policial e as investigações”. É o liberou-geral para os policiais investigarem ao seu bel-prazer. 

A proposta prevê maior liberdade de investigação para uma corporação que está em boa parte contaminada por bandidos. Não é difícil imaginar o que faria Rivaldo Barbosa — o delegado que ajudou a planejar o assassinato de Marielle— sem precisar de autorização judicial para monitorar seus inimigos. Os outros Rivaldos Barbosas espalhados pelo país também fariam o diabo com essa carta branca. O crime organizado agradece aos governadores.

A quarta proposta é o cúmulo do ridículo: “tornar qualificado o crime de homicídio quando for praticado por ou a mando de organização criminosa”. Os assassinatos cometidos pelo crime organizado já são considerados hediondos em praticamente todos os casos. A proposta simplesmente ignora o código penal, mas dialoga bem com uma população embriagada pelo populismo punitivo como solução. 

Como se vê, os governadores não têm a mínima ideia do que estão falando. Eles encontraram uma forma de se eximir de suas responsabilidades e jogar a bucha no colo do Judiciário e do Legislativo. 

As propostas estão baseadas na mesma cartilha enxuga-gelo que adotamos nos anos 1980, que ajudou a lotar as cadeias de pretos e pobres, fortalecer o crime organizado e corromper as polícias. De lá pra cá, o crime organizado tomou conta de todos os estados do país e se internacionalizou. Hoje as facções estão infiltradas em prefeituras, câmaras municipais, financiam candidatos e nomeiam secretários. Nenhuma das propostas apresentadas fere essa estrutura criminal – muito pelo contrário.

Essas ideias populistas caem com facilidade no gosto de uma população que foi educada por professores como Datena, Alborghetti e Ratinho.

Estudiosos da áreas da segurança pública não foram consultados pelos governadores. As propostas são vazias, inócuas e baseadas no mais puro negacionismo científico, mas soam bem aos ouvidos de boa parte dos eleitores que têm a segurança pública no topo das suas preocupações

Baseado em achismos e cálculo eleitoral, essas ideias populistas caem com facilidade no gosto de uma população que foi educada nas últimas décadas por professores como Datena, Alborghetti e Ratinho. Os programas policiais sensacionalistas martelaram durante décadas na cabeça da população a máxima “bandido bom é bandido morto” — o que contribuiu para banalizar os crimes cometidos pela polícia e pavimentar o caminho para ascensão do bolsonarismo. 

Os governadores sulistas e sudestinos, todos homens brancos de direita, não propuseram nenhuma medida que qualifique a investigação policial para prender os grandes líderes das organizações criminosas, que muitas vezes moram em condomínios de luxo. Pelo contrário, insistem em pesar a mão do estado sobre a cabeça de peixe pequenos do crime nas ruas das periferias. Esse é o museu de grandes novidades que foi apresentado ao país nesta semana. Ainda que alguns vistam sapatênis e camisa polo, como Eduardo Leite, todos eles preferem fugir das evidências e continuar bebendo confortavelmente o puro suco do bolsonarismo. 

Agarram-se no velho populismo penal e dobram a aposta no pânico moral em busca de votos em um ano de eleição. Convenhamos, não podíamos esperar nada diferente de uma direita tradicionalmente oportunista e que está ávida pelo espólio eleitoral de Bolsonaro.

 

Ø  Paes diz que foi um erro nomear Chiquinho Brazão, suspeito no caso Marielle

 

O prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PSD), afirmou neste sábado (30) que foi um erro ter nomeado o deputado federal Chiquinho Brazão (sem partido) como secretário em sua gestão, mesmo com a suspeita de envolvimento da família com a morte da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes.

A fala do prefeito também sinaliza um rompimento com o Republicanos, sigla que indicou Chiquinho para o cargo. Nesta semana, ele exonerou aliados do deputado, o substituto indicado pelo partido e nomeou uma pessoa de seu próprio grupo político.

"Foi um erro da minha parte, na constituição da aliança, a gente colocar uma pessoa que tinha sido suspeita. Eu posso aqui ter todas as desculpas do mundo, os seis anos [de investigação sem conclusão], todo mundo já tinha sido acusado de tudo, mas errei", afirmou o prefeito, após participar da primeira viagem no corredor Transbrasil entre os terminais Deodoro e Gentileza.

Chiquinho e o irmão, Domingos, conselheiro do TCE (Tribunal de Contas do Estado), foram presos sob suspeita de serem os mandantes da morte da vereadora.

O deputado foi nomeado em outubro, apesar das suspeitas sobre o irmão desde 2018 de envolvimento de crime. De acordo com o prefeito, o nome foi indicado pelo Republicanos como parte da aliança da sua pré-candidatura de reeleição.

Chiquinho foi exonerado em fevereiro, uma semana após a divulgação sobre o acordo de delação premiada do ex-PM Ronnie Lessa, acusado de ser o executor do crime.

"Mais importante quando você erra é consertar o erro. Já tinha sido pedido que ele fosse retirado da secretaria, e aqui não quero fazer pré-julgamento, mas, diante das suspeitas e da prisão dele, eu pedi que fosse retirado da secretaria antes, quando começaram a surgir os boatos", disse o prefeito.

Em seu lugar, o Republicanos indicou a nomeação do deputado federal Ricardo Abrão, do mesmo grupo político dos Brazão. Ele manteve 15 nomeados por Brazão no cargo, segundo levantamento do vereador Pedro Duarte (Novo).

Após a prisão de Brazão, o prefeito exonerou aliados do deputado, bem como o secretário substituto. Em seu lugar, indicou Marli Peçanha, que estava no cargo desde o início de seu mandato até a nomeação de Chiquinho.

Após a mudança, o Republicanos passou a articular um desembarque da aliança de Paes para apoiar o deputado federal Alexandre Ramagem (PL), indicado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro na disputa. O prefeito sinalizou que não deve buscar a reconciliação.

"A gente nesse momento entende que o Republicanos, com os quadros que dispunha aqui, não era adequado. Queremos alianças, mas as alianças têm que ter um limite."

 

Ø  O que dizem os deputados que adiaram votação sobre a prisão de Chiquinho Brazão

 

A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara adiou a votação do parecer sobre a prisão preventiva do deputado federal Chiquinho Brazão (sem partido-RJ), apontado pela Polícia Federal (PF) como um dos mandantes da execução da vereadora Marielle Franco, em 2018. O relatório do deputado Darci de Matos (PSD-SC) é favorável à manutenção da prisão. Como os deputados Gilson Marques (Novo-SC), Roberto Duarte (Republicanos-AC) e Fausto Pinato (PP-SP) pediram vista, o parecer será votado em abril.

Na prática, o pedido dos três parlamentares adia em duas sessões da CCJ a votação do parecer. Aprovado na CCJ, o relatório segue para o plenário da Casa, onde deve obter ao menos 257 votos que autorizem a prisão do parlamentar.

Ao Estadão, os deputados afirmam que o pedido não se dá pelo mérito do caso Marielle, e sim por razões regimentais. Para os deputados, não houve tempo hábil para a análise do relatório da PF. Segundo os três, a Câmara não precisa agir imediatamente, pois Chiquinho Brazão já está preso. A aprovação da CCJ a toque de caixa, afirmam os parlamentares, poderia abrir margem para a defesa de Brazão alegar que garantias processuais não foram seguidas. Veja abaixo o que dizem os parlamentares.

·        Roberto Duarte (Republicanos-AC)

Roberto Duarte disse que não houve tempo hábil para a apreciação do processo. Segundo o deputado, até terça-feira, 26, peças essenciais para a análise do caso, como o relatório da PF e os mandados que autorizaram as medidas cautelares do domingo, 24, ainda não haviam sido disponibilizadas no sistema eletrônico da CCJ.

Além disso, Duarte afirmou que o rito adotado pode estar sendo "problemático" sob o aspecto da tipologia penal, ou seja, o crime que está sendo atribuído a Brazão. Segundo o deputado, se a acusação associada ao foro privilegiado for a de obstrução de justiça, não há amparo legal para a detenção, pois, segundo a Constituição, parlamentares só podem ser presos em flagrante ou por crimes inafiançáveis.

"Com a máxima vênia ao STF, nem a Constituição, nem a legislação por ela recepcionada entendem o crime de obstrução de Justiça como crime inafiançável", diz Duarte. "Esse tipo de falha pode derrubar um inquérito bem fundamentado, e precisamos agir tecnicamente", completa o deputado.

·        Gilson Marques (Novo-SC)

Para Gilson Marques, o tempo corre em desfavor de Chiquinho Brazão, preso preventivamente - por tempo indeterminado - em decisão já referendada pela Primeira Turma do STF. "Não tenho sensibilidade nenhuma em termos de agilizar o processo", disse. "Pedindo vista, você atrasa a análise, que, aliás, precisa ser feita com calma", disse.

Para Gilson, uma votação apressada é de interesse de Brazão, ao passo que, nessa marcha, a defesa poderia argumentar que nem todas as garantias processuais foram cumpridas. "Se fosse votado ontem, a toque de caixa, sem apresentar os documentos necessários e sem análise, a primeira coisa que os advogados iam fazer é alegar cerceamento da ampla defesa", afirmou.

·        Fausto Pinato (PP-SP)

Fausto Pinato afirmou que a semana já teria os trabalhos encurtados por ter o feriado da Semana Santa, com os deputados retornando às bases. A abreviação dos trabalhos na Casa acabou apressando a análise da CCJ sobre o caso e, segundo Pinato, o parecer de Darci de Matos não estava pronto para ir ao plenário. "Se eles colocam para votar, do jeito que estava ali, poderia perder a votação", afirmou.

Segundo a PF, o caso Marielle foi "sabotado" durante anos por envolvidos que estavam em posições de comando na Polícia Civil do Rio de Janeiro, e a PF passou, em 2023, a auxiliar o caso, com a abertura de inquérito. Para Pinato, não há razão para liquidar em um único dia um caso que demandou tanto tempo de investigação, até mesmo pela prisão preventiva já estar em vigor. "(A investigação da PF) demorou um ano e pouco. Por que temos que julgar no dia, passando por cima do regimento?", disse o deputado.

·        Assessoria do deputado diz que prisão é arbitrária

A assessoria do deputado Chiquinho Brazão afirmou que o parlamentar é inocente e a prisão é arbitrária. "É estarrecedor que o deputado federal Chiquinho Brazão, um cidadão inocente e um parlamentar no exercício de seu mandato, tenha sido preso de forma arbitrária em pleno domingo", disse assessoria por nota, divulgada pela Agência Brasil.

"O próprio relatório policial confessa a mais absoluta ausência de provas contra o deputado. Além de altamente desnecessária, visto que o deputado sempre esteve à disposição das autoridades, a medida é absurda e se baseia apenas em presunções e nas declarações de um criminoso confesso que busca diminuir sua pena", afirmou.

 

Fonte: Por João Filho, em The Intercept/FolhaPress/Agencia Estado

 

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