Dessalinização: Opção viável para a
escassez de água?
Enquanto as secas
aumentam e a falta de acesso à água pode atingir 1 bilhão de pessoas até 2050,
especialistas apontam que o método pode ser eficaz, ainda que críticos
enfatizem altos custos, gasto de energia e poluição
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Desde os marinheiros
da Grécia Antiga que ferviam a água do mar até os romanos que usavam tubos de
barro para filtrar o sal, tornar a água salgada potável por meio da
dessalinização tem uma longa história.
As formas modernas
dessa técnica milenar, no entanto, são agora o “presente e o futuro do
enfrentamento da escassez de água”, segundo Manzoor Qadir, vice-diretor do
Instituto Universitário das Nações Unidas para Água, Meio Ambiente e Saúde.
Embora 70% da
superfície da Terra seja coberta por água, apenas cerca de 1% dos 326 milhões
de trilhões de galões – ou seja, 1.260 milhões de trilhões de litros – da água
do planeta é potável. Um recurso limitado e cada vez mais escasso.
Populações em
crescimento, água doce distribuída de forma desigual e secas cada vez
frequentes, associadas às mudanças climáticas, estão levando estiagem e sede a
muitas partes do mundo.
Um quarto da população
mundial vive em países que enfrentam “estresse hídrico extremo”, que pode ser
definido como um local que usa pelo menos 80% de todo o seu abastecimento de
água durante um ano. E isso pode levar esses lugares ao risco de ficarem sem
água, inclusive forçando governos a restringir severamente o fornecimento.
Mesmo em cenários
climáticos otimistas para limitar o aquecimento global, projeta-se que 1 bilhão
de pessoas estejam nessa situação até 2050.
Por esse motivo,
muitos países já complementam seus suprimentos de água importando líquidos,
reciclando águas residuais ou por meio de dessalinização.
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Indústria em crescimento
Apesar das críticas em
relação aos custos, ao alto consumo de energia e ao impacto ambiental,
especialistas dizem que a dessalinização “é uma indústria em crescimento” que
tem progressivamente se expandido nas últimas duas décadas.
“E o motivo é que a
escassez de água está instigando isso. Há cada vez mais usinas de
dessalinização surgindo e sendo solicitadas”, afirma Qadir.
As usinas de
dessalinização removem o sal da água usando destilação térmica, que envolve o
aquecimento do líquido e a coleta do vapor, ou por meio de osmose reversa, em
que a água é filtrada à medida que é empurrada por uma membrana semipermeável.
Atualmente, 56 bilhões de litros de água dessalinizada podem ser produzidos
todos os dias, o que equivale a cerca de 7 litros por pessoa no planeta.
Das cerca de 16 mil
usinas em operação em todo o mundo, 39% delas estão no Oriente Médio, que,
juntamente com o norte da África, é a região com maior escassez de água do
mundo.
Em termos globais,
apenas cerca de 0,5% de toda a água utilizada vem da dessalinização. Mas em
países como Qatar e Bahrein, o número é bem maior: 76% e 56%, respectivamente.
Segundo Qadir, ainda
que formas alternativas de obtenção de água potável possam desempenhar um papel
importante, como a indução de chuvas artificiais ou o transporte de icebergs
para regiões áridas, elas ainda não conseguem atender totalmente à demanda mundial.
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Cada vez mais eficiente
A dessalinização
precisa de muita energia, e a maior parte dela vem de usinas elétricas movidas
a combustíveis fósseis que emitem gases de efeito estufa.
Um estudo realizado em
2021 concluiu que as quatro usinas de dessalinização do Chipre, o país mais
quente e seco da União Europeia (UE), foram responsáveis por 5% do consumo
total de eletricidade e 2% das emissões de gases de efeito estufa. As usinas
abastecem a pequena nação insular com cerca de 80% de sua água potável.
O aumento da
eficiência energética, no entanto, é um dos fatores que impulsionam o
crescimento do setor, de acordo com Hugo Birch, editor de dessalinização e
reaproveitamento de água da Global Water Intelligence, uma plataforma de
informações dessa área.
A maioria das novas
usinas de dessalinização usa osmose reversa em vez de processos térmicos, o que
é muito mais eficiente em termos de energia, segundo Birch. Uma mudança que
pode, potencialmente, reduzir pela metade os custos de eletricidade.
Estimativas apontam
que a energia necessária para a dessalinização por osmose reversa caiu quase
90% entre 1970 e 2020. Previsões indicam que nos próximos 20 anos os avanços
tecnológicos podem reduzir os custos da água dessalinizada em 60%.
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Disponível para todos?
Embora os custos de
produção de água dessalinizada tenham diminuído significativamente (para cerca
de US$ 0,50 por metro cúbico atualmente), esse “ainda é um negócio de países
ricos”, conforme Qadir. “O principal problema é que ainda não é acessível para
países de baixa renda.”
Mais de 90% da
dessalinização é realizada em países de renda média-alta e alta. E a previsão é
de que regiões de países pobres, como a África Subsaariana, devem se tornar
“pontos críticos” de escassez de água até 2050.
Embora pequenas usinas
de dessalinização movidas a energia solar ou eólica estejam sendo desenvolvidas
nessas áreas, Qadir não acredita que a água esteja chegando às comunidades
marginalizadas, que são justamente as que mais precisam.
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Poluição ameaça ecossistemas marinhos
Uma das principais
preocupações ambientais com a dessalinização é a descarga da salmoura no meio
ambiente, o que pode causar “poluição marinha, poluição da água do subsolo e
salinização do solo”, aponta Argyris Panagopoulos, engenheiro químico da
Universidade Técnica Nacional de Atenas.
Estima-se que 70% da
produção global de salmoura seja proveniente do Oriente Médio, a mesma região
que também produz uma grande quantidade de água dessalinizada.
Birch afirma que isso
pode ser explicado, em grande parte, pelo fato de as usinas de dessalinização
do Oriente Médio usarem principalmente água do mar, que é mais salina do que a
água salobra usada com frequência, por exemplo, nos Estados Unidos. Ele acrescenta
que essas usinas geralmente têm um mecanismo de difusão integrado para garantir
que a salmoura não seja despejada em uma única área.
Novas tecnologias de
tratamento de salmoura estão surgindo, o que poderia ajudar a reduzir o volume
de poluição, além de recuperar materiais valiosos, como minerais, sais e
metais, observa Panagopoulos.
·
Futuro sustentável?
Em relação ao
tratamento da salmoura e à consequente mudança para fontes de energia verde,
ainda há espaço para melhorias, de acordo com Panagopoulos: “A dessalinização
deu passos significativos nos últimos anos, mas ainda há desafios a serem
superados antes que ela possa ser considerada totalmente sustentável do ponto
de vista ambiental.”
Ainda assim, Qadir
acredita que a dessalinização irá desempenhar um papel fundamental no
enfrentamento da futura escassez de água pelo fato de não ser afetada pelas
mudanças climáticas: “Independentemente do fato de haver chuvas ou secas… Há a
água do mar… Então, essa é, na verdade, a melhor parte da dessalinização.”
Fonte: Revista Planeta
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