sábado, 27 de abril de 2024

Crianças brasileiras estão mais altas e obesas, aponta estudo; entenda riscos

As crianças brasileiras estão ficando mais altas e obesas, segundo estudo publicado em março pela revista científica The Lancet Regional Health - Americas. O levantamento analisou as medidas de mais de cinco milhões de crianças e constatou um crescimento médio de 1 cm na estatura infantil e de mais de 2% na prevalência da obesidade entre ambos os sexos.

O trabalho, conduzido por pesquisadores do Centro de Integração de Dados e Conhecimento para Saúde (Cidacs/Fiocruz Bahia), em conjunto com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e a University College London, instituição de ensino superior inglesa, analisou dados de crianças de 3 a 10 anos, nascidas entre 2001 e 2014.

Esses dados foram obtidos junto a três sistemas administrativos: o Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico), o Sistema de Informação de Nascidos Vivos (Sinasc) e o Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (Sisvan). Essa metodologia, por si só, já demonstra que dados administrativos podem ser uma ferramenta potente para a produção científica, segundo a pesquisadora Carolina Vieira, que liderou o estudo.

Para realizar a análise, os dados foram separados em dois grupos: das crianças nascidas entre 2001 e 2007, e entre 2008 e 2014. Assim, ao comparar as tendências de ambos os grupos, foi possível chegar a algumas conclusões:

•        Em relação à altura, as crianças de ambos os sexos apresentaram um aumento de 1 cm na trajetória média de crescimento;

•        Quanto ao índice de massa corporal (IMC), medida que relaciona peso e altura de cada indivíduo, houve um crescimento sutil em ambos os gêneros. Nos meninos, foi observado um aumento de 0,06 kg por m2 e nas meninas, de 0,04 kg por m2;

•        Ao analisar o excesso de peso na faixa etária dos 5 aos 10 anos, constatou-se um aumento na prevalência desse fator em ambos os sexos, com destaque para os meninos. Em relação a eles, houve um aumento de 3,2%, enquanto nas meninas a escalada foi de 2,7%. Nas crianças de 3 e 4 anos, o cenário foi parecido, mas mais ameno. Nos meninos, esse crescimento foi de 0,9%, enquanto nas meninas de 0,8%.

•        No que diz respeito à obesidade das crianças de 5 a 10 anos, a prevalência desse fator aumentou 2,7%, nos meninos e 2,1% nas meninas. Nas crianças mais novas, de 3 e 4 anos, também houve aumento, mas de forma menos expressiva. Nos meninos, o crescimento foi de 0,5% e nas meninas de 0,3%.

>>>> O que esses resultados significam?

De acordo com Carolina, tratam-se de achados preocupantes, em especial os relacionados à obesidade.

Esta é considerada uma doença crônica e um dos maiores problemas de saúde pública no mundo. Segundo Crésio Alves, presidente do Departamento de Endocrinologia da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), crianças obesas têm grandes chances de desenvolver outros tipos de problemas em longo prazo, como alterações do colesterol e triglicérides; hipertensão arterial; diabetes do tipo 2; acidente vascular cerebral (AVC); e até mesmo alguns tipos de câncer

Segundo a pesquisadora que liderou a pesquisa, a tendência de aumento da prevalência da obesidade nas crianças está relacionada a novos padrões de dieta, mais ricas em alimentos ultraprocessados, além de comportamentos sedentários. Por isso, segundo ela, o Brasil está longe de atingir a meta da Organização Mundial de Saúde (OMS) de frear o aumento da prevalência da obesidade até 2030.

Por outro lado, a tendência de crescimento de altura observada é vista como positiva. De acordo com a pesquisadora, ser mais alto está associado a desfechos melhores para a saúde, como menor probabilidade de doenças cardíacas, derrame e maior longevidade. Sendo que, segundo a especialista, essa mudança reflete o desenvolvimento econômico e as melhorias das condições de vida de anos passados.

 

•        10 dúvidas respondidas sobre obesidade infantil

 

Uma crise de saúde global, que afeta vários países e cresce em números galopantes, a obesidade atinge mais de 1 bilhão de pessoas no mundo, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). Desse total, 340 milhões são adolescentes e 39 milhões, crianças. A tendência, infelizmente, é piorar.

O Atlas Mundial da Obesidade 2023 revelou que a quantidade de casos na infância pode chegar a 400 milhões até 2035. Para o Brasil, o alerta soa ainda mais alto: o crescimento anual projetado para a doença é de 4,4% somente entre crianças - quase o dobro da expectativa de aumento para os Estados Unidos, que é de 2,4%.

“A obesidade vem crescendo no mundo todo porque não existem programas de saúde pública que sejam efetivos", afirma Louise Cominato, pediatra endocrinologista do Departamento Científico de Pediatria da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica (Abeso). Segundo ela, mesmo sendo um dos países com expectativas preocupantes de crescimento da epidemia, não contamos com um programa e nenhum investimento a nível nacional de combate à obesidade infantil. “O que se tem são somente alguns serviços específicos. Enquanto o tema não for levado a sério, esse aumento de casos vai continuar acontecendo”, diz.

A questão, lembra a médica, é uma emergência em saúde pública. “As comorbidades levam ao aumento de internações, do uso de medicações e diminuem a expectativa de vida”, alerta.

Os anos mais críticos da pandemia, com o isolamento social, ajudaram a reforçar hábitos que favorecem o desenvolvimento da doença. “A privação de atividades, brincadeiras e interações proporcionaram um efeito cascata, que foi a inatividade física, associada a um aumento no consumo de alimentos altamente calóricos, pois as crianças estavam mais ansiosas e, consequentemente, se alimentando de forma errada”, diz a nutricionista Tamara Lazarini, mestre em Nutrição Infantil, da Sociedade Brasileira de Alimentação e Nutrição (SBAN). “Houve um tempo de maior de exposição às telas. A falta de disciplina com os horários das refeições e de sono também pode ter contribuído para o aumento da obesidade”, pontua.

O período de emergência da Covid-19 terminou, mas diversos costumes foram mantidos e, em alguns casos, até pioraram. A solução não é simples e, além de variar de pessoa para pessoa, permeia várias áreas da vida. Não é apenas o que se coloca no prato e o tempo que se passa na academia ou praticando esportes. “Antigamente, as pessoas achavam que ganhava peso quem comia em excesso e não praticava atividade física e que, então, o tratamento seria apenas dieta e exercício. Porém, a obesidade é uma doença crônica e multifatorial”, explica Priscilla Leitner, psicóloga e diretora do Instituto de Pesquisa do Comportamento Alimentar de Curitiba (PR).

E os impactos, sobretudo na infância, são enormes: afetam a saúde física e mental no presente, e predispõem o desenvolvimento de uma série de complicações futuras. Para entender melhor a doença, reunimos algumas das principais dúvidas sobre o assunto, que foram respondidas com ajuda das especialistas aqui citadas.

•        1. Quando a criança é considerada obesa?

O índice de massa corporal (IMC) é a forma mais eficaz e prática de fazer o diagnóstico, somado a um exame clínico, com perguntas específicas do médico sobre a criança. Ele também deve avaliar a curva de crescimento, além de outras informações, dependendo do caso. Somente profissionais de saúde como pediatras e nutricionistas são habilitados para chegar a essa conclusão.

•        2. Quais são as consequências diretas e indiretas para a saúde física e mental?

A obesidade infantil afeta o desenvolvimento e prejudica a maioria dos sistemas do corpo. Pode facilitar o surgimento de uma série de doenças crônicas, como diversas formas de câncer, diabetes, hipertensão e problemas cardiovasculares, além de potencializar quadros respiratórios – uma pessoa obesa tem três vezes mais chances de ser hospitalizada por Covid-19, por exemplo, diz a OMS. A condição ainda aumenta o risco de complicações ortopédicas, hepáticas e de síndrome metabólica.

Os impactos na saúde mental são igualmente preocupantes. A obesidade tem potencial para afetar a autoestima e eleva as chances de a criança desenvolver transtornos como anorexia, bulimia, compulsão, ansiedade, depressão, dificuldade de interação e problemas no aprendizado.

•        3. Quais são os principais fatores de risco?

A doença é multifatorial. A genética e a hereditariedade são importantes, mas o ambiente e o estilo de vida também têm grande influência. O sedentarismo, os hábitos alimentares (que englobam a qualidade, a quantidade e a forma de consumir os alimentos), o sono, o estresse, a regulação emocional, tudo isso favorece o desenvolvimento da obesidade.

•        4. Condições sociais e econômicas podem impactar na obesidade infantil?

Sim. Muitas vezes, o consumo excessivo de alimentos calóricos e o sedentarismo vêm da falta de conhecimento dos pais, familiares e/ou cuidadores sobre o tema. Além disso, os alimentos mais calóricos e menos nutritivos em geral têm um custo menor e são mais facilmente acessados e armazenados.

Pais com dificuldades financeiras, com jornadas duplas ou triplas de trabalho podem ter menos tempo de cuidar da alimentação adequadamente, preparando menos refeições naturais e saudáveis.

•        5. Que políticas públicas poderiam ajudar a diminuir a taxa de obesidade infantil?

Para as especialistas, é necessário agir em três frentes principais: orientação, acesso e intervenção. O Brasil tem o Guia Alimentar para a população brasileira e o Guia Alimentar para menores de 2 anos de idade, que são úteis e estão disponíveis de forma gratuita no site do Ministério da Saúde.

Outro ponto importante é ampliar o acesso a parques e a ambientes seguros para que as crianças possam brincar e se exercitar, reduzindo o sedentarismo. Promover atividades de conscientização sobre obesidade e exercícios físicos, além da intervenção nutricional em escolas e creches, com o objetivo de oferecer uma alimentação mais saudável e conteúdo educacional para pais e alunos, também é essencial.

Hoje, o Brasil tem o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que atua nesse sentido. No entanto, de acordo com as entrevistadas, o projeto precisa de mais apoio, com aumento e distribuição de recursos, para melhorar sua atuação. Seria primordial, ainda, uma regulação cautelosa na legislação de alimentos infantis e na propaganda de alimentos altamente calóricos.

•        6. Qual é o papel da amamentação e da introdução alimentar na prevenção da obesidade?

Hoje, muito se fala sobre a importância dos primeiros 2.200 dias de vida (a fase de pré-concepção até os 5 anos). É um período de janela imunológica, que podemos modular de forma positiva, evitando obesidade e outras doenças associadas.

O aleitamento materno exclusivo pelo menos até 6 meses tem forte impacto nisso. A introdução alimentar, segundo o Ministério da Saúde e a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), é também uma fase determinante, que deve contar com orientação do pediatra ou de um nutricionista.

É imprescindível evitar o consumo de açúcar e usar sal com moderação, preferindo temperos naturais. O suco de fruta não é recomendado – além de ser muito doce, perde fibras e nutrientes e pode atrapalhar a sensação de saciedade, em comparação à fruta in natura.

E atenção: de nada adianta ter todos os cuidados durante os primeiros dois anos de vida e liberar totalmente o acesso a ultraprocessados depois disso. O paladar, sobretudo o das crianças, tende a ser facilmente viciado nos componentes de produtos industrializados, que costumam ter alto teor de sódio, açúcar e gordura.

•        7. Como ajudar a criança a comer melhor sem que isso crie uma relação problemática com a comida?

Um bom começo é o exemplo do adulto ao se alimentar. Chamar a criança para ajudar nas compras e no preparo das refeições pode ser outra boa alternativa, “delegando” a ela alguma responsabilidade na escolha de ingredientes saudáveis, explicando os benefícios.

Tente também fazer o máximo possível de refeições em família, na mesa, sem interferência de telas. E, em vez de forçar o consumo de alimentos recusados, experimente variar o preparo e oferecê-los de outras formas (a situação é diferente, porém, com crianças que têm uma seletividade alimentar mais severa. Nesse caso, a ajuda profissional e individualizada é necessária).

Por outro lado, é vital buscar um equilíbrio, cuidando para não gerar o efeito oposto, com terrorismo nutricional, já que isso pode levar ao desenvolvimento de transtornos futuros, como anorexia, bulimia e recusa alimentar. A relação da criança com a comida deve ser leve. Depois dos 2 anos de idade, exceções podem ser feitas - o consumo de doces e salgadinhos em uma festa, por exemplo -, mas sempre deixando evidente que aquela não é a alimentação do dia a dia.

•        8. Quais são as chances de uma criança com obesidade se curar?

A possibilidade de uma criança obesa se tornar um adulto obeso é muito maior do que a possibilidade de uma criança saudável se tornar um adulto obeso. Entretanto, a criança com diagnóstico de obesidade pode, sim, reverter esse cenário, desde que conte com ajuda familiar e uma mudança no estilo de vida. Ela precisará de uma forte rede de apoio, o que inclui uma equipe profissional, para aprender a fazer escolhas saudáveis - e mantê-las para a vida.

•        9. Como é o tratamento e em que casos são necessárias soluções mais drásticas, como cirurgia bariátrica ou medicação?

A cirurgia bariátrica e o uso de medicamentos normalmente não são recomendados para crianças, embora o pediatra possa prescrever fármacos em casos graves, associados a outras doenças. Um grupo multiprofissional com pediatra, nutricionista, psicólogo, educador físico, entre outros, ainda é o tratamento mais indicado na infância.

•        10. Passar uma mensagem positiva sobre diversidade de corpos é diferente de não ter cuidado com a saúde. Onde fica o limite?

Aceitar o corpo é diferente de aceitar uma doença como a obesidade, que precisa ser tratada, pois pode prejudicar a saúde de várias maneiras. É possível que uma criança cujo IMC está adequado tenha um pouco de gordura, um formato de corpo maior, medidas “fora do padrão” - e tudo bem, desde que ela esteja saudável, o que será avaliado pelo pediatra que a acompanha.

Já nos casos de obesidade diagnosticada, é importante trabalhar para que o tratamento não se torne um transtorno alimentar ou de imagem. Tudo precisa ser feito com muito cuidado e com muita empatia.

 

Fonte: Agencia Estado/Revista Digital Bebê

 

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