segunda-feira, 29 de abril de 2024

Aquiles Melo: A greve na educação federal

No último dia 12 de abril, o governo do presidente Lula afirmou pretender investir um montante de R$1 bilhão para repatriar aproximadamente mil cientistas residentes no exterior. Segundo o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), teríamos algo em torno de 35 mil mestres e doutores vivendo fora do país. Não tardou muito para a medida ser amplamente questionada.

Um dos aspectos levantados na crítica à proposta foi sua falta de foco: o que faz com que nossos cientistas abandonem o país? Ora, a falta de oportunidades para desenvolver suas pesquisas, o baixíssimo valor pago pelas bolsas de pós-graduação, o constante desinvestimento na educação pública, além, claro, dos baixos salários que remuneram a carreira responsável por formar e garantir a continuidade do trabalho destes cientistas. Mas como chegamos até aqui?

A propaganda promovida pelo governo Lula – e que se iniciou ainda na campanha eleitoral – sempre teve como destaque medidas para transformar a educação do país. Segundo o relatório produzido por sua equipe de transição, “de 2019 a 2022, o Ministério da Educação (MEC) e suas autarquias sofreram retrocessos institucionais, orçamentários e normativos, observando-se falta de planejamento; descontinuidade de políticas relevantes; desarticulação com os sistemas de ensino estaduais e municipais e da rede federal de ensino; incapacidade de execução orçamentária; e omissões perante os desafios educacionais”. (p.15)

O documento destaca ainda que, nos governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro, as políticas e os programas educacionais foram afetados por sucessivos e sistemáticos cortes de recursos. É verdade. A proposta de Emenda Constitucional (EC) nº 95, conhecida como “PEC do Teto de Gastos”, após aprovada, limitou por 20 anos os gastos e investimentos do governo federal. Como alarmado por vários especialistas, a medida representaria um corte brutal no orçamento da Educação e da Saúde. Para ficamos apenas no âmbito da educação, a EC 95 foi responsável por diminuir o orçamento de R$ 103,9 bilhões em 2016 – ainda antes desta emenda vigorar – para o valor de R$ 80,9 bilhões em 2021, em valores já corrigidos pela inflação.

O que se esperava então, principalmente com a vitória de Lula sobre Jair Bolsonaro, era o que afirmava seu próprio programa de governo: “O país voltará a investir em educação de qualidade, no direito ao conhecimento e no fortalecimento da educação básica, da creche à pós-graduação, coordenando ações articuladas e sistêmicas entre a União, Estados, Distrito Federal e Municípios, retomando as metas do Plano Nacional de Educação e revertendo os desmontes do atual governo”.

A vitória eleitoral de Lula e o forte represamento das demandas sociais, especialmente impactadas pela pandemia, possibilitaram uma PEC de transição que, inicialmente, promoveu uma expansão de gastos na ordem de R$145 bilhões (valor esse ultrapassado posteriormente) o qual permitiu, dentre outras coisas, o governo custear uma de suas principais promessas de campanha: o programa Auxílio Brasil no valor de R$600,00.

Por óbvio, tudo isso teve seu preço. Para tramitação desta medida, o deputado federal Arthur Lira não só negociou diversos cargos no governo como também aguardou uma definição sobre o futuro incerto do “orçamento secreto” que, apesar de tão criticado por Lula, promoveu não apenas a sua continuidade como também vem aumentando significativamente seu volume de recursos.

O que até então parecia um cenário de bonança, em especial com a disponibilidade maior de recursos públicos, não durou muito. Pelo menos não para os setores sociais. O então Ministro da Fazenda Fernando Haddad anunciou, ainda no terceiro mês de mandato de Lula, um conjunto de novas regras da Economia para substituir o famigerado “Teto dos Gastos” de Temer/Bolsonaro.

Em síntese a proposta do novo Arcabouço Fiscal traz as seguintes medidas: zerar o déficit público da União em 2024; estabelecer um superávit de 0,5% do PIB em 2025 e um superávit de 1% do PIB em 2026.

Além disso, as despesas do governo deverão crescer abaixo da expansão das receitas. Para isso, os gastos só poderão subir o equivalente a até 70% da variação desta. Caso o resultado primário das contas públicas fique abaixo da meta estabelecida, o governo é obrigado a reduzir as despesas para no máximo 50% da expansão da receita no ano seguinte. No frigir dos ovos, retirando o economês da jogada, a proposta de Lula mantém os aspectos fundamentais da política neoliberal que vem vigorando desde os anos 90 no país, qual seja, a construção de uma forte meta de superávit ao custo de um também forte desinvestimento social. Além disso, mantém o país sob o jugo de um regime de controle inflacionário baseado numa elevada taxa de juros que olha apenas para a expansão ou não destes gastos.

·        O que isso tem a ver com a greve na educação federal?

A questão é simples. A opção política do governo Lula por uma meta de déficit zero em 2024 carrega, como dissemos, seu custo social. Para a realização desta, o governo precisa cortar mais os gastos e procurar aumentar suas receitas. Um dos mecanismos para o último foi a votação da primeira parte da Reforma Tributária aprovada em dezembro de 2023. No entanto, para fazer jus à meta zero de déficit, é preciso ainda cortar gastos. Muitos gastos. A questão é: onde?

A política de contenção realizada por Michel Temer/Jair Bolsonaro, que objetivava garantir as metas estabelecidas na “PEC do Teto de Gastos”, teve um impacto direto não apenas na infraestrutura e nas políticas sociais do país, mas também no corpo técnico de seus servidores. Jair Bolsonaro foi o primeiro presidente em 20 anos a concluir o mandato sem aplicar qualquer reajuste salarial ao funcionalismo. Mais de 1 milhão e 200 mil servidores ativos, inativos e pensionistas não tiveram seus direitos respeitados. Lembram da “granada no bolso dos servidores”? Pois bem, estava feito…

Já no governo Lula, novamente o cenário de bonança parecia vir para ficar. O reajuste anunciado de 9% em 2022 associado ao anúncio de abertura de mesas de negociação permanente para as mais variadas carreiras, nas quais seria possível debater as perdas históricas das carreiras, promoveram uma certa euforia para com uma futura reconstrução da malha salarial dos servidores. No entanto, na véspera do Natal de 2023, de forma a cumprir a meta de déficit fiscal zero em 2024, Lula anunciou para o conjunto de servidores públicos sua proposta de reajuste para 2024: Zero! Para os anos seguintes, nenhum reajuste salarial, mas apenas a reposição das perdas inflacionárias em 2025 (4,5%) e 2026 (4,5%).

Esse movimento foi suficiente para acender a luz amarela nos sindicatos. Não apenas o governo não reporia mais as perdas históricas e tão ansiadas pelos servidores, como também não promoveria qualquer ganho salarial real em seu governo. A opção política de Lula é clara: as contas do ajuste fiscal para o alcance da meta zero de déficit seriam pagas às custas do rebaixamento salarial dos servidores públicos. Mas não só isso.

Desde o estabelecimento da meta de déficit zero promovida pelo Arcabouço Fiscal de Lula/Haddad, são perceptíveis os sucessivos e recorrentes cortes e bloqueios orçamentários na pasta da Educação. Para 2024 a Lei Orçamentária Anual (LOA) prevê que as Universidades terão um valor de R$ 310 milhões a menos que o recebido em 2023. O mesmo ocorre com os Institutos Federais de Educação os quais tiveram seu orçamento para 2024 diminuídos em R$ 30 milhões. Já os recursos destinados à concessão de bolsas de estudo no ensino superior para a Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), bolsas estas que tiveram seus valores reajustados em 40% em 2023, teve seu orçamento reduzido em R$ 40 milhões em 2024. Ainda assim, mesmo com este incremento orçamentário, a CAPES retoma ao patamar de investimento proposto há dez anos, em 2013. Olhando para o Brasil de fora e vendo como a Ciência e Educação são tratadas pelo governo, como convencer nossos cientistas no exterior a retornem a seu país?

Mas os ataques à Educação do país não param por aí. No último dia 15 de abril, o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) 2025 foi encaminhado ao Congresso pelo Governo Federal..Mas, qual o foco do projeto? Segundo as palavras de Rogério Ceron, secretário do Tesouro Nacional, “o que a PLDO traz, neste momento, é que estamos conseguindo seguir com o cenário de estabilização da trajetória dívida/PIB ligeiramente abaixo de 80% e antes de 2030”. Ou seja, diante das metas fiscais definidas pelo governo e projetadas pelo mesmo, levando em conta ainda as restrições impostas pela Lei Complementar 200/2023 (o tal do “Novo Arcabouço Fiscal” de Lula/Haddad), o cenário que se constitui para o período posterior às eleições municipais de 2024, bem como para o próximo exercício financeiro é o de revisão das despesas obrigatórias. Mas o que isso, efetivamente, quer dizer?

O que começa a ser ventilado é a possibilidade de continuidade da PEC 188/2019 – a chamada PEC DDD Fiscal (uma vez que se destina a desobrigar, desvincular e desindexar os gastos do governo). E quais seriam as consequências dessa PEC? Bem, primeiramente a desindexação do piso dos benefícios assistenciais e previdenciários em relação ao salário mínimo, ou seja, os aumentos do salário mínimo não impactariam necessariamente no reajuste destes, o que já seria um completo absurdo. Mas ela vai além. A PEC também possibilita a retirada da relação de proporcionalidade com a arrecadação estatal dos deveres de gasto mínimo em Saúde e Educação, no caso, atinge diretamente os pisos constitucionais destinados a essas áreas.

Tal movimentação não é mera especulação. Técnicos do governo já estão em busca de mais recursos para garantir a sustentabilidade do Novo Arcabouço Fiscal. O próprio ministro da Fazenda Fernando Haddad, em mais de um episódio, vem sinalizando a necessidade de “propor nova regra para gastos obrigatórios”. Ainda em julho de 2023, um “Relatório de Projeções Fiscais” do Tesouro (vinculado à Fazenda) sugeria algo no mesmo sentido. A intenção por detrás destas pistas é clara e já foi objeto de matéria pelo jornal Folha de S. Paulo. que fossem flexibilizados os pisos da Saúde e da Educação de forma a liberar R$131 bilhões para outros gastos até 2023. Ou seja, o governo Lula, ao aprovar o famigerado arcabouço, colocou-se – não sem muito aviso – em uma armadilha fiscal que leva à destruição de sua capacidade de investimento e, para evitar que isso ocorra, precisa atacar os pisos da Educação e da Saúde.

Mas não é isso que o governo traz em sua propaganda. Muito pelo contrário. No último dia 12 de março, o presidente Lula anunciou a construção de mais 100 novos campi da rede de Institutos Federais de Educação, com expectativa de abertura de mais de 140 mil novas vagas majoritariamente de cursos técnicos integrados ao ensino médio. Tal ação pode levar a uma percepção equivocada de que está ocorrendo um avanço no volume de recursos destinados às instituições superior e técnicas de ensino que, como já vimos, tiveram seus orçamentos diminuídos.

·        Onde entra a questão da greve nacional da educação?

Bem, como já dizia Milton Friedman – que, ao que parece, é mentor da política econômica do governo –, “não há almoço grátis”. Ou seja, os custos do déficit zero precisam ser pagos por alguém. Sendo assim, o governo, para atingir os anseios do mercado, precisa cortar gastos. Sua opção foi começar não pelas emendas parlamentares ou mesmo pelo excesso de subsídios destinados aos setores mais ricos da sociedade, como o setor do Agronegócio, por exemplo. E eis o labirinto em que se encontram hoje os servidores técnicos e docentes da Educação Federal, os quais são “a bola da vez” para sofrer os custos do ajuste.

Em greve há mais de 20 dias, os mais de 220 mil servidores Técnico-administrativos em Educação (TAEs) acumulam perdas salariais na ordem de 52,5% entre 01/07/2010 e 31/12/2021. Dentre suas funções estão planejar, organizar, executar ou avaliar as atividades inerentes ao apoio técnico-administrativo ao ensino, pesquisa e extensão. Além disso, são esses profissionais que garantem toda assistência pedagógica e social ao corpo docente e discente das instituições de ensino. No entanto, tal volume de perdas salariais sofridos pela categoria não a torna mais atrativa. E o que mais impressiona é a fuga destes profissionais em virtude de novas oportunidades que remuneram melhor. A taxa de desligamento destes servidores supera em muito a média das carreiras do Executivo Federal.

Ora, o governo adota um discurso de repatriação de cérebros mesmo quando este sequer consegue manter seus servidores em suas funções, garantindo uma melhor qualidade e dedicação destes profissionais ao ensino. Além da precarização de seu trabalho, estes servidores ainda passam pelo pesadelo da terceirização que, neste momento, retoma à baila com a tal da Reforma Administrativa que o governo vem puxando junto com o Centrão e o empresariado.

Com o corpo docente das Universidades e Institutos Federais não é muito diferente. Em greve desde o início do mês, suas perdas acumulam um total de 39,93%. Ao todo já são mais de 520 Institutos Federais e de 30 Universidades paralisadas (tendo mais 12 com deflagração prevista) em virtude da greve nacional da educação. A reivindicação feita pelo corpo de docentes é de 22,71% além de reestruturação da carreira de forma que garanta um piso salarial decente.

Vale ressaltar que um professor Doutor, em regime de Dedicação Exclusiva (ou seja, não pode ter qualquer tipo de rendimentos fora de sua instituição de trabalho), no mais alto nível de sua carreira, recebe hoje um valor correspondente a R$ 22.377,72. Para efeitos comparativos, este valor é próximo ou menor do que os recebidos por outros cargos do Executivo Federal que exigem apenas o nível de graduação. É o caso dos Auditores da Receita Federal (R$ 22.921,7), dos Analistas do Banco Central (R$ 20.924,80); e dos Analista de Gestão Governamental (R$20.924,80) – valores referentes a 2023. Com esta remuneração, como pretende o governo repatriar cérebros, uma vez que seu espaço é na Universidade e nos centros de pesquisa?

O governo Lula insiste na proposta de reajuste zero para a educação mostrando, mais uma vez, que esta não é uma prioridade em seu governo. Sua propaganda, no entanto, na tentativa de disfarçar sua não-proposta, alardeia um aumento no valor dos benefícios (como auxílio-alimentação e auxílio saúde) exibindo índices elevados, mas que, devido a seus valores baixos, pouco impacto possuem na recomposição do poder de compra de ambas carreiras. Pior, a estratégia adotada pelo governo de aumentar apenas os benefícios é perversa para com aposentados e pensionistas, uma vez que estes reajustes só recaem sobre servidores da ativa.

A malha salarial dos técnicos e docentes da educação federal continua a derreter rapidamente não restando a estes trabalhadores e trabalhadoras outra opção senão buscar fora de seus empregos ou mesmo fora do país outras possibilidades de remuneração melhor. A política econômica restritiva promovida pelo governo, que impede a criação de oportunidades locais, é a maior responsável pela exportação de nossa inteligência. Ao reafirmar tal política, Lula apenas aprofunda a exportação de seus cérebros.

Já aos servidores técnicos e docentes da Educação Federal, resta não apenas resistir, mas ampliar o movimento paredista. Por mais que possa parecer contraditório, a greve nacional da educação, ao buscar recompor parte das perdas salarias históricas de suas carreiras, colabora para a permanência de nossos pesquisadores onde é seu lugar: em nossas Universidades e Institutos Federais. É preciso ainda que nossos sindicatos percam o sentido de parceria que, em parte, ainda mantém com o governo. Não estamos do mesmo lado, não neste momento. Agora o governo é e age como nosso patrão. É preciso pressioná-lo se quisermos mesmo conquistar nossa valorização. Não podemos aceitar que Lula jogue os custos do ajuste fiscal sobre nós trabalhadoras e trabalhadores da educação.

Maio está chegando. Apesar dos festejos já programados com o governo pelas centrais sindicais que ainda insistem em vê-lo como parceiro e não como patrão, este deve ser um mês de intensas mobilizações e massivas lutas contra sua política econômica destrutiva na educação. Cabe a nós ampliar nosso movimento paredista até que este entenda que não pode nos derrotar. Nossa derrota é a derrota da luta por uma educação pública, gratuita e de qualidade. Vamos seguir ativos pela reestruturação salarial das carreiras de técnicos-administrativos da educação, dos professores da rede federal de ensino, bem como pela recomposição dos investimentos às Universidades, Institutos e CEFETs. O tempo urge e a luta não pode parar. Reajuste já!

 

Fonte: A Terra é Redonda

 

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