terça-feira, 2 de abril de 2024

8 de Janeiro e ditadura não se separam, não se prioriza um ou outro, diz cientista sobre decisão de Lula

A postura conciliatória adotada pelo presidente Lula – que evitando melindrar os militares, decidiu proibir a realização de atos oficiais no governo em respeito à memória das vítimas da ditadura militar – tem sido alvo de críticas não apenas no âmbito político, mas também entre juristas e acadêmicos que apontam para uma direção equivocada.

Lula tem defendido que sua a prioridade, agora, é lidar com as ameaças atuais, referindo-se ao episódio do 8 de Janeiro, quando bolsonaristas marcharam contra as sedes dos Três Poderes, em Brasília, atentando contra a democracia. Para Lula, o 60º aniversário do golpe militar de 1964 pertence ao passado.

Para o cientista político Rodrigo Lentz, professor da UnB e pesquisador do Instituto Tricontinental, estudioso do poder militar, a ditadura e o 8 de Janeiro são fenômenos indissociáveis, visto que ambos os episódios foram alimentados pelo autoritarismo que ameaça o Estado Democrático de Direito.

“O receio de gerar uma tensão e um ponto de crise que possa vir a escalar faz [Lula] priorizar o 8 de Janeiro. Ou seja, a prioridade agora não seria a memória de 1964 e nem a ligação dessa memória com o presente e com o futuro, que todo mundo sabe que isso é impossível de separar”.

O cientista analisa que a conduta mediadora de Lula vem de outros mandatos, mas ressaltava que a conjuntura política pode ser diferente. No passado, houve anistia para os militares golpistas. Hoje, vigoram as cobranças sobre a responsabilização dos militares que cometem crimes contra a democracia.

“Nós, pela primeira vez, estamos vendo cadeias sendo construídas para generais. No mês da construção de Brasília, o quartel general, que é onde eles podem ser presos conforme a hierarquia, nunca teve uma cadeia. Então é um momento realmente muito diferente”, exemplifica Lentz.

·        Razões explicam, mas não justificam

No ambiente jurídico, Lênio Streck analisa que embora Lula utilize argumentos para explicar sua decisão de evitar confronto com os militares na atualidade, a decisão de ignorar o aniversário do golpe de 1964 não lhe parece justificável.

“Se você tem medo de rememorar o golpe de 64, se você tem receio, você continua com medo dos espectros que rondam a democracia brasileira, que são os militares. A gente tem que romper com isso, fazer esse enfrentamento. Posso até entender as razões que se colocam; elas explicam, mas não justificam”, pondera o jurista.

Nesse sentido, Streck acredita que evitar tensionar com os militares significa a perda de memória dos episódios que sangraram o país. “Agora, você dizer pra mim, ‘não vamos bulir com essa gente’, você está dizendo: ‘não lembre mais das coisas'”.

Reportagem do jornal The Guardian, publicada nesta sexta (29), mostra depoimentos de familiares de vítimas da ditadura. Eles estão “consternados”, “indignados” e decepcionados com a decisão do presidente Lula não impedir atos oficiais a respeito do aniversário de 60 anos do golpe militar.

¨      Lula consterna familiares de vítimas da ditadura ao ignorar aniversário do golpe, diz The Guardian

O jornal britânico The Guardian publicou nesta sexta-feira, 29, antevéspera do aniversário do golpe militar de 1964, uma matéria afirmando que o presidente Lula deixou familiares de vítimas do regime de exceção “consternados” com a decisão de impedir atos oficiais para lembrar os 60 anos do golpe.

“A decisão de Lula e essa declaração [dizendo que o golpe deve ficar no passado] horrorizaram aqueles cujos entes queridos morreram nas mãos da ditadura apoiada pelos EUA”, escreveu o jornal.

Segundo o diário, Lula proibiu eventos sobre o golpe de 1964 “possivelmente para evitar irritar os militares.”

“A decisão aparentemente teve como objetivo evitar irritar os chefes militares num momento em que vários militares de alto escalão enfrentam a prisão por supostamente conspirarem para impedir que Lula assumisse o poder após sua eleição em 2022. Essa suposta conspiração culminou no levante fracassado de 8 de janeiro de 2023, quando apoiadores de Bolsonaro invadiram o palácio presidencial, o Congresso e o Supremo Tribunal em Brasília”, pontuou.

The Guardian destacou que ativistas esperavam que o governo Lula marcasse o aniversário do golpe com uma série de memoriais em homenagem às milhares de pessoas que foram mortas, desaparecidas ou torturadas pelo regime militar de 1964 a 1985.

Lula, por sua vez, disse numa entrevista recente que está mais preocupado com o golpe atual e ainda acrescentou que o golpe de 1964 “pertence à história”. “Já causou o sofrimento que causou. O povo conquistou o direito de democratizar o país, e os generais que hoje estão no poder eram crianças naquela época.”

The Guardian ouviu familiares de vítimas da ditadura e historiadores que criticaram e se mostraram decepcionados e indignados com a decisão de Lula.

“Como chefe de Estado é dever [de Lula] assumir a responsabilidade de investigar crimes cometidos pelo Estado. Não se pode simplesmente apagar tudo como se nada tivesse acontecido”, disse Suzana Lisboa, cujo companheiro, Luiz Eurico Tejera Lisboa, desapareceu em 1972, aos 24 anos, e teria sido torturado até a morte.

Para além de cancelar os atos em memória dos 60 anos do golpe militar, o governo Lula ainda não deslanchou outros projetos esperados por seus eleitores à esquerda, como a reativação da comissão especial sobre mortos e desaparecidos políticos.

“Nos sentimos um tanto traídos”, disse Marcelo Rubens Paiva ao The Guardian. Filho do político Rubens Paiva, sequestrado e desaparecido pela ditadura em 1971, Marcelo e demais familiares só conseguiram confirmar o assassinato em 2014.

Ao jornal britânico, o historiador João Roberto Martins Filho disse que Lula causou “insatisfação unânime” nos meios acadêmicos. “Não há ninguém que concorde com a afirmação de Lula de que o golpe de 1964 e o regime militar pertencem ao passado e devem permanecer lá.”

 

Ø  Como o golpe de 64 armou os fazendeiros de Poços de Caldas

 

O Estadão traz reportagem relevante sobre como os conspiradores de 1964 trouxeram armas de todas as partes e armaram militares e fazendeiros para o golpe: “Metralhadoras, fuzis e foguetes: a conspiração que em 1964 armou civis e militares contra Goulart“.

Até em Poços de Caldas acompanhamos esse golpe. No caso, as armas foram distribuídas através da Cooperativa dos Cafeicultores. O grande distribuidor de armas era o Marechal Juarez Távora, que frequentava a cidade desde os anos 30 – e era muito amigo da família e de meu avô udenista.

Era tanta arma distribuída que uma foi parar no porta-malas do dr. Fabrino, grande médico e grande bebum. Ele foi detido por um delegado recém-chegado à cidade, por dirigir embriagado.

Levado à delegacia, o delegado foi preenchendo sua ficha. Na hora dos hábitos, preencheu com um SIM a linha que perguntava se o cidadão fumava e com SIM a que perguntava se bebia.

Fabrino reagiu. Discutiu com o delegado, que aceitou colocar: “SIm, mas moderadamente”.

Seguiu-se um interrogatório pesado, para saber de onde vinham as metralhadoras encontradas no carro. Fabrino pediu o telefone emprestado, ligou para Juarez Távora e colocou o delegado no telefone.

Saiu na hora da delegacia.

 

Ø  8 de Janeiro: Quem são e o que fizeram os coronéis soltos por Moraes

 

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), mandou soltar, nesta quinta-feira (28), três coronéis da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) que são réus denunciados por omissão durante os atos golpistas de 8 de janeiro do ano passado, quando as sedes do Três Poderes foram invadidas e depredadas. Eles estavam presos em Brasília.  

Foram liberados foram os coronéis Fábio Augusto Vieira (ex-comandante-geral da PM) e Klepter Rosa (ex-subcomandante). O coronel Marcelo Casimiro também foi beneficiado. Os três terão de usar tornozeleira eletrônica e estão proibidos de usar redes sociais ou se comunicar entre si. 

Pela ordem de Moraes, eles também ficam sujeitos a recolhimento noturno, estão proibidos de deixar o Distrito Federal, devem entregar seus passaportes e se apresentar semanalmente à Justiça. 

Ao soltar os três coronéis, Moraes escreveu que eles não representam mais riscos para a instrução da ação penal, pois passaram para a reserva remunerada. O ministro também citou uma “reestruturação total do comando da Polícia Militar no Distrito Federal”. Eles haviam sido presos em agosto de 2023, na Operação Incúria.

·        Omissão

Os três coronéis integravam a cúpula da PMDF durante os atos golpistas e foram denunciados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) por omissão aos crimes de golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, dano qualificado, deterioração de patrimônio tombado da União e violação de deveres funcionais. 

Pela peça de acusação, eles teriam conspirado desde o ano anterior em favor de um levante popular pró-Bolsonaro e, no 8 de janeiro, deixaram deliberadamente que os crimes fossem cometidos.

A PGR disse haver “uma profunda contaminação ideológica de parte dos oficiais da PMDF denunciados, que se mostraram adeptos de teorias conspiratórias sobre fraudes eleitorais e de teorias golpistas”. 

 

Fonte: The Guardian/Jornal GGN/Agencia Brasil

 

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