8 de Janeiro e ditadura não se separam, não
se prioriza um ou outro, diz cientista sobre decisão de Lula
A postura
conciliatória adotada pelo presidente Lula – que evitando melindrar os
militares, decidiu proibir a realização de atos oficiais no governo em respeito
à memória das vítimas da ditadura militar – tem sido alvo de críticas não
apenas no âmbito político, mas também entre juristas e acadêmicos que apontam
para uma direção equivocada.
Lula tem defendido que
sua a prioridade, agora, é lidar com as ameaças atuais, referindo-se ao
episódio do 8 de Janeiro, quando bolsonaristas marcharam contra as sedes dos
Três Poderes, em Brasília, atentando contra a democracia. Para Lula, o 60º
aniversário do golpe militar de 1964 pertence ao passado.
Para o cientista
político Rodrigo Lentz, professor da UnB e pesquisador do Instituto
Tricontinental, estudioso do poder militar, a ditadura e o 8 de Janeiro são
fenômenos indissociáveis, visto que ambos os episódios foram alimentados pelo
autoritarismo que ameaça o Estado Democrático de Direito.
“O receio
de gerar uma tensão e um ponto de crise que possa vir a escalar faz [Lula]
priorizar o 8 de Janeiro. Ou seja, a prioridade agora não seria a memória de
1964 e nem a ligação dessa memória com o presente e com o futuro, que todo
mundo sabe que isso é impossível de separar”.
O cientista analisa
que a conduta mediadora de Lula vem de outros mandatos, mas ressaltava que a
conjuntura política pode ser diferente. No passado, houve anistia para os
militares golpistas. Hoje, vigoram as cobranças sobre a responsabilização dos
militares que cometem crimes contra a democracia.
“Nós, pela
primeira vez, estamos vendo cadeias sendo construídas para generais. No mês da
construção de Brasília, o quartel general, que é onde eles podem ser presos
conforme a hierarquia, nunca teve uma cadeia. Então é um momento realmente
muito diferente”, exemplifica Lentz.
·
Razões explicam, mas não justificam
No ambiente jurídico,
Lênio Streck analisa que embora Lula utilize argumentos para explicar sua
decisão de evitar confronto com os militares na atualidade, a decisão de
ignorar o aniversário do golpe de 1964 não lhe parece justificável.
“Se você
tem medo de rememorar o golpe de 64, se você tem receio, você continua com medo
dos espectros que rondam a democracia brasileira, que são os militares. A gente
tem que romper com isso, fazer esse enfrentamento. Posso até entender as razões
que se colocam; elas explicam, mas não justificam”, pondera o jurista.
Nesse sentido, Streck
acredita que evitar tensionar com os militares significa a perda de memória dos
episódios que sangraram o país. “Agora, você dizer pra mim, ‘não vamos
bulir com essa gente’, você está dizendo: ‘não lembre mais das coisas'”.
Reportagem do jornal
The Guardian, publicada nesta sexta (29), mostra depoimentos de familiares de
vítimas da ditadura. Eles estão “consternados”, “indignados” e decepcionados
com a decisão do presidente Lula não impedir atos oficiais a respeito do aniversário
de 60 anos do golpe militar.
¨
Lula consterna familiares de vítimas da
ditadura ao ignorar aniversário do golpe, diz The Guardian
O jornal britânico The
Guardian publicou nesta sexta-feira, 29, antevéspera do aniversário do golpe
militar de 1964, uma matéria afirmando que o presidente Lula deixou familiares
de vítimas do regime de exceção “consternados” com a decisão de impedir atos
oficiais para lembrar os 60 anos do golpe.
“A decisão
de Lula e essa declaração [dizendo que o golpe deve ficar no passado]
horrorizaram aqueles cujos entes queridos morreram nas mãos da ditadura apoiada
pelos EUA”, escreveu o jornal.
Segundo o diário, Lula
proibiu eventos sobre o golpe de 1964 “possivelmente para evitar
irritar os militares.”
“A decisão
aparentemente teve como objetivo evitar irritar os chefes militares num momento
em que vários militares de alto escalão enfrentam a prisão por supostamente
conspirarem para impedir que Lula assumisse o poder após sua eleição em 2022.
Essa suposta conspiração culminou no levante fracassado de 8 de janeiro de
2023, quando apoiadores de Bolsonaro invadiram o palácio presidencial, o
Congresso e o Supremo Tribunal em Brasília”, pontuou.
The Guardian destacou
que ativistas esperavam que o governo Lula marcasse o aniversário do golpe com
uma série de memoriais em homenagem às milhares de pessoas que foram mortas,
desaparecidas ou torturadas pelo regime militar de 1964 a 1985.
Lula, por sua vez,
disse numa entrevista recente que está mais preocupado com o golpe atual e
ainda acrescentou que o golpe de 1964 “pertence à história”. “Já causou
o sofrimento que causou. O povo conquistou o direito de democratizar o país, e
os generais que hoje estão no poder eram crianças naquela época.”
The Guardian ouviu
familiares de vítimas da ditadura e historiadores que criticaram e se mostraram
decepcionados e indignados com a decisão de Lula.
“Como
chefe de Estado é dever [de Lula] assumir a responsabilidade de investigar
crimes cometidos pelo Estado. Não se pode simplesmente apagar tudo como se nada
tivesse acontecido”, disse Suzana Lisboa, cujo companheiro,
Luiz Eurico Tejera Lisboa, desapareceu em 1972, aos 24 anos, e teria sido
torturado até a morte.
Para além de cancelar
os atos em memória dos 60 anos do golpe militar, o governo Lula ainda não
deslanchou outros projetos esperados por seus eleitores à esquerda, como a
reativação da comissão especial sobre mortos e desaparecidos políticos.
“Nos
sentimos um tanto traídos”, disse Marcelo
Rubens Paiva ao The Guardian. Filho do político Rubens Paiva, sequestrado e
desaparecido pela ditadura em 1971, Marcelo e demais familiares só conseguiram
confirmar o assassinato em 2014.
Ao jornal britânico, o
historiador João Roberto Martins Filho disse que Lula causou “insatisfação
unânime” nos meios acadêmicos. “Não há ninguém que concorde com a
afirmação de Lula de que o golpe de 1964 e o regime militar pertencem ao
passado e devem permanecer lá.”
Ø Como o golpe de 64 armou os fazendeiros de Poços de Caldas
O Estadão traz
reportagem relevante sobre como os conspiradores de 1964 trouxeram armas de
todas as partes e armaram militares e fazendeiros para o golpe: “Metralhadoras, fuzis e foguetes: a conspiração que em 1964 armou
civis e militares contra Goulart“.
Até em Poços de Caldas
acompanhamos esse golpe. No caso, as armas foram distribuídas através da
Cooperativa dos Cafeicultores. O grande distribuidor de armas era o Marechal
Juarez Távora, que frequentava a cidade desde os anos 30 – e era muito amigo da
família e de meu avô udenista.
Era tanta arma
distribuída que uma foi parar no porta-malas do dr. Fabrino, grande médico e
grande bebum. Ele foi detido por um delegado recém-chegado à cidade, por
dirigir embriagado.
Levado à delegacia, o
delegado foi preenchendo sua ficha. Na hora dos hábitos, preencheu com um SIM a
linha que perguntava se o cidadão fumava e com SIM a que perguntava se bebia.
Fabrino reagiu.
Discutiu com o delegado, que aceitou colocar: “SIm, mas moderadamente”.
Seguiu-se um
interrogatório pesado, para saber de onde vinham as metralhadoras encontradas
no carro. Fabrino pediu o telefone emprestado, ligou para Juarez Távora e
colocou o delegado no telefone.
Saiu na hora da
delegacia.
Ø
8 de Janeiro: Quem são e o que fizeram os
coronéis soltos por Moraes
O ministro Alexandre
de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), mandou soltar, nesta quinta-feira
(28), três coronéis da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) que são réus
denunciados por omissão durante os atos golpistas de 8 de janeiro do ano passado,
quando as sedes do Três Poderes foram invadidas e depredadas. Eles estavam
presos em Brasília.
Foram liberados foram
os coronéis Fábio Augusto Vieira (ex-comandante-geral da PM) e Klepter Rosa
(ex-subcomandante). O coronel Marcelo Casimiro também foi beneficiado. Os três
terão de usar tornozeleira eletrônica e estão proibidos de usar redes sociais
ou se comunicar entre si.
Pela ordem de Moraes,
eles também ficam sujeitos a recolhimento noturno, estão proibidos de deixar o
Distrito Federal, devem entregar seus passaportes e se apresentar semanalmente
à Justiça.
Ao soltar os três
coronéis, Moraes escreveu que eles não representam mais riscos para a instrução
da ação penal, pois passaram para a reserva remunerada. O ministro também citou
uma “reestruturação total do comando da Polícia Militar no Distrito Federal”.
Eles haviam sido presos em agosto de 2023, na Operação Incúria.
·
Omissão
Os três coronéis
integravam a cúpula da PMDF durante os atos golpistas e foram denunciados pela
Procuradoria-Geral da República (PGR) por omissão aos crimes de golpe de
Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, dano qualificado,
deterioração de patrimônio tombado da União e violação de deveres
funcionais.
Pela peça de acusação,
eles teriam conspirado desde o ano anterior em favor de um levante popular
pró-Bolsonaro e, no 8 de janeiro, deixaram deliberadamente que os crimes
fossem cometidos.
A PGR disse haver “uma
profunda contaminação ideológica de parte dos oficiais da PMDF denunciados, que
se mostraram adeptos de teorias conspiratórias sobre fraudes eleitorais e de
teorias golpistas”.
Fonte: The Guardian/Jornal
GGN/Agencia Brasil
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