quinta-feira, 28 de março de 2024

Privatização de prisões avança no Brasil com incentivo do governo: quem ganha com isso?

Dez anos depois de inaugurada a primeira e única penitenciária com gestão 100% privada no Brasil, em Minas Gerais, a privatização de presídios ganhou incentivo extra do governo de Luiz Inácio Lula da Silva.

Condenado por entidades de direitos humanos e abandonado como projeto de política pública pelos EUA, precursor da iniciativa, no Brasil, o modelo foi renovado pelo Decreto nº 11.498, de abril de 2023, assinado pelo vice-presidente, Geraldo Alckmin, como presidente em exercício, e pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

O documento alterou o Decreto nº 8.874/2016, do governo de Michel Temer e incluiu segurança pública e sistema prisional nas atividades econômicas prioritárias para a captação de recursos privados, ou seja, no rol de setores integrados ao Programa de Parcerias de Investimentos (PPI).

O decreto foi emitido e assinado sem manifestação técnica dos ministérios da Justiça, de Direitos Humanos e Cidadania, da Igualdade Racial, das Mulheres e da Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen).

·        A cereja do bolo

O diferencial do decreto está no incentivo fiscal à construção e gestão de presídios pela iniciativa privada, com a emissão de debêntures incentivadas, como explica o defensor público de São Paulo e diretor do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), Bruno Shimizu, em conversa com a Sputnik Brasil:

"É renúncia fiscal para o empresário que quiser construir e gerir um presídio. Ele terá benefícios fiscais, poderá captar recursos do mercado privado sem precisar pagar imposto. É uma perda de receita por parte do governo que está sendo investida na privatização do sistema prisional", afirma ele em entrevista à reportagem.

"Não bastasse isso, a União fica como avalista dessa atividade e ainda remunera o empresário por cada preso" acrescenta Shimizu.

O incentivo a esse modelo de negócios, associado à surpreendente marca do Brasil de 3ª maior população carcerária do mundo, tem atraído governos estaduais, empresas nacionais e internacionais.

Atrás apenas dos EUA e da China, o Brasil tem cerca de 650 mil pessoas encarceradas em presídios, segundo dados de junho de 2023 do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP).

Outro dado alarmante: um em cada quatro presos não foi julgado e quase 70% das pessoas privadas de liberdade no país são negras.

Ainda segundo o levantamento do ministério, cerca de 93% dos estabelecimentos prisionais são públicos (1.287 mil). Os 7% restantes se dividem em: i) 34 em modelo de cogestão (a unidade prisional é construída pelo Estado e gerida pela iniciativa privada); ii) 58 em parcerias com ONGs (espaços construídos pelo Estado e administrados pela entidade); e iii) 5 em Parcerias Público-Privadas, as PPPs (construídos e geridos pela iniciativa privada). Desses, três estão em Minas Gerais, um no Paraná e um no Mato Grosso do Sul.

Poucos meses depois do decreto, em outubro de 2023, foi leiloada a concessão de um presídio PPP em Erechim, no Rio Grande do Sul. A empresa ganhadora da concessão, Soluções Serviços Terceirizados, poderá explorar o serviço por pelo menos 30 anos.

O valor do contrato, de acordo com o edital, é de cerca de R$ 2,52 bilhões, e a diária por cada preso paga pelo Estado será de R$ 233, cerca de R$ 8 mil por mês. A obra está prevista para ser realizada em até dois anos. O montante inclui a construção de duas unidades, operação do presídio, equipamentos, alimentação, saúde, educação, entre outros.

Com a lotação máxima possível de 1,2 mil homens, a empresa receberá dos cofres públicos cerca de R$ 8,4 milhões por mês e R$ 100 milhões por ano.

O projeto contou com o apoio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), do PPI e de nove consultoras do Brasil, dos Países Baixos e de Portugal, lideradas pela multinacional PwC.

O secretário de Parcerias e Concessões do governo do Rio Grande do Sul, Pedro Capeluppi, afirma, também em declarações à Sputnik Brasil, que os resultados observados no país em relação às parcerias público-privadas, em geral, apontam que as concessões administrativas na área prisional darão mais celeridade e eficiência na construção das unidades e qualidade à operação no apoio às forças de segurança.

Ele cita como exemplo o presídio de Ribeirão das Neves, em Minas Gerais, primeiro e único até o momento nesse modelo que, segundo ele, tem infraestrutura e operação de melhor qualidade do que a maioria dos presídios públicos.

O secretário informa que os gastos para manter uma pessoa no sistema público prisional no Rio Grande do Sul está em torno de R$ 2,8 mil mensais.

Ao ser questionado sobre a diferença de quase três vezes entre o custo de um apenado em uma unidade pública e na de Erechim, Capeluppi argumenta que não é possível comparar tais valores.

"No caso do presídio de Erechim, existe o custo também com a construção da infraestrutura. Para comparar o custo do presídio feito com a parceria com a iniciativa privada, com o operado diretamente pelo Poder Público, teríamos que incorporar no custo do Poder Público com a construção e com uma infraestrutura com qualidade semelhante", esclarece.

Segundo o secretário, o principal benefício de um presídio privado para a sociedade é a maior eficiência do setor privado na construção associada à operação dessa infraestrutura, tanto de agilidade no prazo de entrega das unidades como nos custos de operação.

"Nosso foco nesse momento é tirar os benefícios do modelo, fazer a construção das unidades, tirar o presídio que hoje está no centro de Erechim, que está operando acima de sua capacidade, e construir uma infraestrutura de mais qualidade, com o objetivo fundamental de promover a ressocialização desses apenados", justifica.

De acordo com o secretário do governo gaúcho, toda a atuação do Poder Judiciário, da Defensoria Pública, o apoio judicial aos apenados, o funcionamento das forças de segurança e da Polícia Penal permanecerão exatamente como são atualmente quando o complexo de Erechim estiver funcionando.

"A legislação brasileira é muito bem definida em relação ao que pode e ao que não pode ser delegado ou privado. Então o Estado, aquelas funções típicas de Estado, permanecem e continuarão sob controle estrito e rigoroso do Estado", defende o secretário.

Entretanto, mais de 80 entidades discordam da premissa do secretário e enviaram ao governo federal nota técnica, em outubro de 2023, com argumentos sobre "a inconstitucionalidade e demais limitações jurídicas, econômicas e políticas à privatização da construção de unidades prisionais e gestão penitenciária". O intuito era impedir o leilão de Erechim, sem sucesso.

Outro estudioso no assunto ouvido pela Sputnik Brasil, o advogado alagoano Douglas de Assis Bastos também destaca a ausência de motivos plausíveis para as privatizações nesse setor.

Em entrevista concedida para esta reportagem, ele defende que a medida não é vantajosa para o Estado nem do ponto de vista econômico nem social:

"Agora, com incentivo fiscal, com debêntures, isenção de imposto, há uma série de regalias para quem quiser", frisa. "O Estado ainda garante, do ponto de vista empresarial, um risco menor para a empresa, garante 90% da taxa do valor cheio e vagas que têm no presídio", cita Bastos.

Em sua dissertação de mestrado, o advogado investigou o Presídio do Agreste, inaugurado em 2013 em Alagoas, com administração privada. O estudo virou livro: "Privatização prisional: limites constitucionais e impactos político-criminais". Bastos diz que, a princípio, não é contrário à privatização dos presídios, mas que sua investigação concluiu que o modelo usado no Brasil não funciona.

"Segurança pública é indelegável. Oficialmente, nos documentos, decretos não aparece, mas, na prática, ela tem ocorrido em presídios privados no Brasil", salienta.

·        Gato por lebre?

De acordo com Shimizu, que tem doutorado em direito penal e criminologia pela Universidade de São Paulo (USP), a máxima de que a iniciativa privada é mais competente para enxugar gastos e eficiente na gestão de coisas públicas já caiu por terra no Brasil e em vários países que experimentaram privatizar unidades prisionais.

Sobre a unidade de Ribeirão das Neves mencionada pelo secretário Capeluppi como "presídio-modelo", o defensor público afirma:

"Todos os relatórios, seja do Mecanismo Nacional de Combate e Prevenção à Tortura [MNPCT], seja do CNJ [Conselho Nacional de Justiça], apontam o mesmo padrão de violações de direitos humanos na execução penal quando se compara com as unidades públicas", comenta.

Já Bastos, que também é representante da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Conselho Penitenciário do Estado de Alagoas, chama a atenção para o fato de que denúncias de violações de direitos ficam prejudicadas devido ao vínculo do empregado com a empresa:

"Para uma situação em que o preso foi torturado, por exemplo, ou recebeu punição excessiva - que é outro erro também, pois existem membros da empresa privada no sistema de poder disciplinar que não é para ter - a reflexão que fica é se esses profissionais pagos pela empresa fariam o trabalho adequado, que resultaria na diminuição da rentabilidade do seu empregador", pondera o especialista. "O mesmo acontece com assistentes sociais, psicólogos".

O governo de Minas Gerais foi condenado pela Justiça em 2014, por licitação ilícita em Ribeirão das Neves, em atividades como custódia, guarda e assistência jurídica dos presos.

Bastos acrescenta que as normas vigentes sobre as PPPs e a precária fiscalização estimulam a criação de um bolha especulativa carcerária, como ocorreu em outros países.

·        Funpen + incentivo fiscal + presídios sucateados = iniciativa privada

Em decisão liminar do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 347, em 2015, a Corte reconheceu um estado de coisas inconstitucional dos presídios, com "violação massiva de direitos fundamentais" da população prisional por omissão do Poder Público.

Uma das medidas cautelares concedidas pelo Plenário foi a liberação de recursos do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen) e a proibição de contingenciá-los.

Nos dois anos seguintes à decisão do STF, a arrecadação do fundo, que recebe recursos principalmente de multas decorrentes de sentenças penais, foi a maior desde 2000, quando o Tribunal de Contas da União (TCU) iniciou a série histórica.

Em 2016 e 2017 foram repassados aos fundos penitenciários de estados e municípios R$ 1,48 bilhão e R$ 997 milhões, respectivamente. Os valores vêm caindo desde então por mudanças na legislação, com cortes de algumas fontes, mas as cifras continuam altas. Em 2023, a arrecadação foi de pouco mais de R$ 600 milhões.

"É muito dinheiro, dada a quantidade de crimes e processos penais que a gente tem no Brasil", comenta Bastos. "Todas as fianças que não forem devolvidas, de pessoas que foram condenadas, vão para o fundo. Um cenário perfeito para afirmarem que o sistema prisional público está sucateado e precisamos da ajuda da intervenção privada na execução penal. Foi uma chuva de privatização", explica ele.

Em outubro de 2022, Santa Catarina iniciou, com a assessoria do BNDES, um projeto para atrair capital privado para um complexo prisional em Blumenau, com investimento de R$ 250 milhões.

O governo de Minas Gerais marcou para abril a privatização de duas unidades de medidas socioeducativas, em parceria com o governo federal, para adolescentes em conflito com a lei. O contrato prevê cerca de R$ 52 milhões em investimentos nos primeiros 24 meses para a construção e equipagem das unidades.

O governo de São Paulo também anunciou neste ano interesse em fazer uma PPP para operar unidades da Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente (Fundação Casa). As ações ocorrem, apesar da queda pela metade no número de adolescentes em regime fechado nos últimos seis anos, de acordo com o Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania.

Os contratos com a iniciativa preveem, ainda, exploração da mão de obra do preso. No caso de Ribeirão das Neves, única referência nacional até o momento, a empresa Gestores Prisionais Associados (GPA), que administra o complexo, informou que a contratação da mão de obra prisional possibilita economia de até 47% na folha de pagamentos das empresas parceiras.

Isso, porque a Lei nº 7.210/1984, mais conhecida como Lei de Execução Penal (LEP), permite que o preso ganhe três quartos do salário mínimo pela mão de obra e não receba benefícios trabalhistas, como férias, 13º salário, INSS, FGTS, entre outros.

·        'Estímulo à indústria do encarceramento'

Para não perder vagas, analistas avaliam que há riscos de prisões arbitrárias com inflação penal, criação de mais tipos penais, além de corrupção.

"O encarceramento em massa passa a ser lucrativo. Essas empresas e esses conglomerados econômicos começam a fazer pressão justamente para que as penas se tornem maiores", alerta Shimizu.

O que se tem, segundo ele, é "um circuito tenebroso em que o encarceramento em massa é causa e consequência da retroalimentação do mercado de prisões privadas, que se valem de cláusulas de lotação e do trabalho penitenciário para se manterem em um vertiginoso crescimento em busca do lucro".

A principal cláusula determina que o Poder Público deve garantir demanda mínima de 90% de lotação carcerária para o gestor do presídio ou unidade socioeducativa. Na opinião de Douglas Bastos, se o objetivo da segurança pública é ter menos pessoas presas, a cláusula é no mínimo contraditória.

A expansão desse modelo de negócios incentiva, ainda, segundo os especialistas ouvidos, a ocorrência de lobby por parte das empresas junto ao Legislativo, ao Judiciário e ao próprio governo para a manutenção de leis que estimulem o encarceramento em massa, o aumento de penas, a criminalização de novas condutas e o fim da progressão de regime.

"São conglomerados, empreiteiros, capital estrangeiro envolvido, querendo lucrar com essa atividade, que tem lobby dentro do governo, dentro do Congresso", destaca o defensor.

Um caso emblemático ocorreu nos EUA, no escândalo que ficou conhecido como "Kids for Cash" (Crianças por Dinheiro, na tradução em inglês) em 2008.

"Era um esquema que envolvia juízes e donos de presídios privados e, para cada criança condenada, o empresário pagava propina aos juízes", lembra o advogado alagoano.

O escândalo contribuiu para que o governo norte-americano encerrasse os contratos de presídios privados no sistema federal, em 2016, após estudos apontando que os presídios privados eram mais violentos do que os públicos e que o modelo contribuiu para o superencarceramento no país, principalmente de pessoas negras e de origem latina, evidenciando o viés racista do sistema de Justiça.

·        (Des)casos no Brasil

O Brasil tem experiências traumáticas de unidades geridas por empresários e construídas pelo Poder Público, como o massacre de Pedrinhas, em 2013, no Complexo Penitenciário de Pedrinhas, Maranhão, quando foram assassinadas 45 pessoas, e os do Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), em Manaus, no Amazonas, em 2017 e 2019, com resultado de 75 mortos.

Na época do primeiro massacre no Compaj, o Ministério Público do Amazonas divulgou um relatório revelando que um detento no complexo custava aos cofres públicos R$ 4,7 mil por mês, quase o dobro da média desses custos no restante do país.

"Existe um estado de coisa inconstitucional em todos os presídios no Brasil. As unidades públicas têm índice de mortalidade absurdo, mas quando vemos que nas unidades privadas isso, quando não é igual, é pior, realmente é muito difícil entender por que gastar mais dinheiro público para colocar presos em risco, aumentar a população carcerária. O que se ganha com isso?", questiona Shimizu.

Em julho passado, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) investigou a morte de um detento no complexo de Ribeirão das Neves. A denúncia era de que foi negado atendimento médico ao homem, que passou mal durante dois dias e que ainda teria sido submetido a condições de tortura.

Sobre a morte do cativo, o governo mineiro informou que uma investigação preliminar encaminhada ao Núcleo de Correição Administrativa da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) concluiu ausência de responsabilidade da Sejusp e da GPA.

"A causa da morte do indivíduo sob custódia foi por causas naturais, identificada como 'parada cardiorrespiratória', e a assistência prestada estava em conformidade com os procedimentos-padrão estabelecidos", diz a nota.

O projeto para incluir o sistema prisional nas PPPs chegou a tramitar no governo de Dilma Rousseff, em 2015, mas acabou engavetado pelo Senado. Então, por que, com uma canetada, sem ser provocado pelo Congresso, o governo atual incluiu as prisões no programa de privatizações?

·        Posicionamento do governo federal

A Sputnik Brasil teve dificuldade de obter posicionamento claro por parte do Executivo sobre a iniciativa de incrementar as privatizações de presídios.

Com pedidos de entrevistas frustrados, respostas evasivas e notas genéricas, os órgãos, os ministérios e as autarquias envolvidos no processo de privatização de unidades prisionais se eximiram de justificar o decreto e sua continuidade.

O MJSP indicou a Secretaria de Comunicação Social (Secom) para responder se a privatização de presídios fazia parte de um projeto estruturante de governo e se o Brasil se inspirou na experiência de outros países na formulação do decreto. A Secom também foi indicada pelo ministério para responder a seguinte pergunta: se o Estado brasileiro economiza com a privatização e garantiria a segurança com terceirização da custódia dos presos.

Sobre o presídio de Erechim, a pasta afirmou que sua pactuação envolve o governo gaúcho e o BNDES. Portanto, não cabe "por força do Pacto Federativo e orientação do governo federal, ao MJSP e/ou Senappen decidir sobre a adoção dos modelos".

O BNDES informou apenas que foi contratado pelo estado do Rio Grande do Sul para realizar a estruturação da PPP e não financiou nada.

Sobre o pagamento para a manutenção de presos sob gestão privada, o MJSP informou que esse tipo de acordo é regulado pela Lei Federal nº 11.079/2000, que estipula conteúdo mínimo dos contratos sobre obrigações das partes, modalidade licitatória, período mínimo de vigência e valor da concessão e processo, por exemplo.

A Senappen informou que não tem gerência sobre o sistema socioeducativo, mas somente sobre o sistema prisional, com maiores de 18 anos. Caso haja parceria do Estado com o governo federal, a secretaria declarou por nota que a questão deve ser tratada diretamente com o Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, órgão responsável pelo tema.

Já o Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania não respondeu as perguntas e os pedidos de entrevista enviados pela Sputnik por e-mail. Entretanto, em declarações recentes, seu ministro, Silvio Almeida, foi contundente ao criticar o modelo de privatização do sistema penal. Para ele, a medida é uma contradição do governo Lula.

"É o contrário do que queremos fazer. Dessa forma, abrimos espaço para que o crime organizado tenha mais um pedacinho do Estado brasileiro. É inaceitável que a gente abra espaço para esse tipo de coisa", declarou ele em coletiva de imprensa em 2 de fevereiro, na sede do ministério, em Brasília. "Isso não deu certo em lugar nenhum."

Almeida, que é jurista, afirmou ainda que a privatização de presídios é inaceitável e inconstitucional, pois na prática "agentes privados podem fazer a execução da pena e aplicar medida socioeducativa", abrindo espaço para a "infiltração do crime organizado".

Na ocasião, ele adiantou que conversaria sobre a problemática com o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski: "Tenho minhas posições que são baseadas na política e no governo e vou fazer essa discussão dentro do governo", completou o ministro.

Shimizu concorda que o termo certo para o tipo de segurança em presídios com gestão privada é "milícia".

"Quando se substitui o agente penitenciário pelo monitor nas unidades privadas, basicamente é criada uma polícia privada. A definição de polícia privada é milícia: corpo de segurança que vai atuar como polícia em usurpação de função constitucional", argumenta.

O defensor de São Paulo pondera que ao emitir um decreto, abrindo mão de recursos para um projeto prisional que a academia e a experiência internacional dizem ser "catastrófico", o governo dá sinais de que, sim, as privatizações fazer parte de uma política de governo.

·        Afinal, quem ganha com as privatizações de prisões?

"Quem ganha com isso a gente sabe, mas o que a sociedade como um todo ganha com isso realmente é uma pergunta que não tem resposta", opina o defensor público.

"Políticas públicas voltadas ao sistema prisional não dão voto. Então quem ganha com a privatização dos presídios no Brasil certamente não é a população, pelo menos nesse modelo", acrescenta Bastos.

Para Shimizu, não há como reverter, no curto prazo, a onda de privatizações que se iniciou, mas há linhas possíveis se efetivamente houver boa vontade por parte do governo.

"Podemos levar substratos científicos, experiências do exterior, dados para o governo, para justificar e pressionar a revogação desse decreto, que outros decretos como esse não aconteçam, para que o BNDES não inclua na sua carteira novos projetos como esse", sugere.

Mas a luta é constante e sempre pode piorar, e quem perde é a sociedade como um todo, ressalta o defensor:

"Dentro do sistema capitalista transnacional sempre existirá a tentativa da iniciativa privada de se espraiar sobre uma atividade econômica que se mostrou muito lucrativa em diversos lugares, apesar dos efeitos sociais catastróficos", lamenta.

 

Fonte: Sputnik Brasil

 

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