Por que o Estado Islâmico vê a Rússia como
inimiga
Horas depois do ataque armado contra uma casa de shows no norte de Moscou, na última sexta-feira (22/3), o grupo extremista
autodenominado Estado Islâmico assumiu
a responsabilidade pelo atentado em seu canal no Telegram.
O grupo radical sunita
publicou um vídeo do ataque como evidência da autoria, e os Estados Unidos deram
credibilidade à mensagem, já que dias antes haviam alertado seus cidadãos na Rússia para evitarem espaços públicos devido
à ameaça de um ataque "extremista".
Washington garante que
alertou Moscou, que se mantém em silêncio, mas os detalhes da advertência são desconhecidos
num momento de máxima tensão entre os dois países em decorrência da guerra na Ucrânia..
A Rússia apresentou no
domingo (24/3) quatro suspeitos de autoria do ataque, que deixou pelo menos 137
mortos e mais de 100 feridos — eles foram acusados perante o tribunal de
“cometer atos de terrorismo”.
Testemunhas disseram à
BBC que pessoas vestidas de marrom invadiram o Crocus City Hall, pouco antes
das 20h de sexta-feira, abriram fogo com rifles de assalto e lançaram coquetéis
molotov contra a plateia de um show da banda de rock Picnic.
O ataque causou um
incêndio no auditório. Parte do telhado desabou e o fogo se deslocou para a
parte da frente do Crocus City Hall, destruindo os dois andares de cima.
O governo da Rússia
ainda não ofereceu uma versão oficial sobre quem poderia estar por trás do
ataque — e os canais de propaganda russos alegaram que a declaração do Estado
Islâmico era falsa.
As autoridades ainda
não especificaram se os quatro suspeitos apresentados perante o tribunal no
domingo pertencem ao Estado Islâmico, tampouco as possíveis razões do atentado.
Dada a incerteza,
vários analistas explicam por que a Rússia seria um alvo do Estado Islâmico — e
quão plausível é que a organização tenha cometido o ataque no auditório.
·
O fator Talebã
O Estado Islâmico tem
um histórico violento de ataques contra a Rússia. Em 2015, o grupo assumiu a
responsabilidade pela explosão de um avião russo que decolava do Egito
transportando 224 pessoas. Em 2022, a organização atacou a embaixada russa em
Cabul, matando dois diplomatas russos e quatro afegãos.
Entre as
reivindicações históricas do grupo contra o Kremlin estão as guerras no
Afeganistão e na Chechênia. Atualmente, a organização condena os ataques russos
contra suas forças na Síria e na África Ocidental.
“A participação da
Rússia em operações contra o Estado Islâmico e seus aliados, especialmente na
Síria, e as tentativas de estabelecer vìnculos com os talebãs, fazem da
Rússia um adversário chave”, explica Amira Jadoon, professora da Universidade
de Clemson, nos Estados Unidos, e coautora do livro The Islamic State
In Afghanistan And Pakistan ("O Estado Islâmico no Afeganistão e
no Paquistão”, em tradução livre).
O ataque ao auditório
é atribuído à célula afegã do Estado Islâmico que se originou na província de
Khorasan, no leste do Afeganistão. Este grupo surgiu em 2015 na região onde uma
vez se escondeu Osama bin Laden.
A princípio, seus
alvos eram principalmente locais: a comunidade xiita do Afeganistão, que o
Estado Islâmico considera herege, e o movimento Talebã, que foi criticado por
sua participação nas negociações de paz com os Estados Unidos.
Mas agora o motivo
mais convincente para o ataque do grupo extremista de Khorasan contra a Rússia
seria o fator Talebã.
“Os talebãs são o pior
inimigo do Estado Islâmico, e esta organização considera a Rússia amiga do
Talebã”, afirma Michael Kugelman, diretor do Instituto do Sul da Ásia no Wilson
Center, com sede em Washington.
Recentemente, a célula
afegã do Estado Islâmico decidiu expandir suas fronteiras, o que especialistas
citados pelo Wall Street Journal consideram como prova de que “a organização
terrorista está abandonando seu berço, a Síria e o Iraque, onde sofreu uma derrota
total”.
“A incursão na Rússia
se encaixa neste padrão, sobretudo considerando que os serviços de inteligência
de vários países ocidentais alertaram recentemente sobre possíveis ataques
terroristas em seus territórios”, avalia Lucas Webber, cofundador do centro de
pesquisa de conflitos militares Militant Wire.
·
Inimigos da fé
muçulmana
A propaganda do Estado
Islâmico nos últimos anos retratou o presidente russo, Vladimir
Putin, como um inimigo dos muçulmanos — e uma
fonte de perseguição contra eles na Rússia e no exterior.
“A luta dos Estados
Unidos e do mundo democrático com potências autoritárias (Rússia, Irã e China)
se intensificou em meio às guerras na Ucrânia e em Gaza. Mas para o Estado
Islâmico, todos são inimigos da fé muçulmana, e todos devem ser destruídos”,
escreveram dois especialistas em Estado Islâmico no Wall Street Journal.
“A estratégia do
Estado Islâmico é atacar não com muita frequência, mas com precisão”, explica
Riccardo Valle, especialista em islamismo e diretor do centro de estudos
Khorasan Diary, em Islamabad, no Paquistão.
“O objetivo é projetar
uma imagem de resiliência para atrair seguidores.”
“O Estado Islâmico
está disposto a esperar pacientemente pelo momento certo para atacar”,
acrescenta.
“Hoje eles estão em
Moscou. Há pouco tempo, estiveram no Irã. Haverá mais ataques, possivelmente em
outras capitais”, afirma o analista militar Murat Aslan, que é ex-coronel do
Exército turco, à rede Al Jazeera.
A suposta rejeição por
parte das autoridades russas de migrantes da Ásia Central que vão para a Rússia
como mão de obra pode ser outro fator que influenciou o ataque.
Embora os migrantes
tentem aproveitar as oportunidades de emprego deixadas pela mobilização de
civis para lutar na guerra na Ucrânia, muitas vezes eles não falam bem russo —
e são maltratados ou atacados pela polícia.
“A atitude das
autoridades em relação aos migrantes certamente contribui para a radicalização
do Estado Islâmico", disse Kadyr Toktogulov, ex-embaixador do Quirguistão
em Washington, ao Wall Street Journal.
·
Novas pautas
No dia seguinte ao
ataque, o Estado Islâmico emitiu uma nova declaração reivindicando a
responsabilidade pelo que aconteceu na casa de shows.
A agência de notícias
Amak, supostamente ligada ao grupo extremista, publicou uma foto que parece
mostrar quatro participantes no ataque. Seus rostos aparecem meio cobertos por
máscaras e desfocados por um filtro fotográfico.
Mas, segundo Mina
Al-Lami, especialista da BBC em grupos extremistas, a mensagem não menciona
qual departamento regional preparou e executou o ataque.
Na declaração sobre o
Crocus City Hall, diz apenas: "Rússia".
Al-Lami adverte que a
falta de menção ao braço regional é uma prática comum do Estado Islâmico. Neste
caso, pode indicar que a organização está tentando proteger sua célula na
Rússia da atenção das forças de segurança.
Ou pode até mesmo
significar que o braço regional não participou do ataque.
Os canais russos
pró-governo também chamaram a atenção para a falta de menção ao braço regional
do grupo. Por isso, consideram a declaração falsa — e preferem apontar o dedo
para a Ucrânia, algo que
Kiev nega.
Em janeiro de 2024,
quando o Estado Islâmico assumiu a responsabilidade pelos ataques na cidade iraniana de Kerman, também não identificou o braço regional que executou o
atentado.
Al-Lami afirma que há
muitos elementos em comum entre o ataque à casa de shows nos arredores de
Moscou e o ataque de janeiro em Kerman.
Em primeiro lugar, o
número de vítimas — mais de 100 mortos na Rússia, e aproximadamente 100 no Irã.
Em segundo lugar, o fato de ambos terem sido cometidos em países onde a
organização não tem presença significativa, membros ativos ou base de apoio.
·
Os suspeitos
Os suspeitos acusados de realizar o ataque nos arredores de Moscou foram identificados
pelas autoridades russas como Dalerdzhon Mirzoyev, Saidakrami Murodali
Rachabalizoda, Shamsidin Fariduni e Muhammadsobir Fayzov.
Quando compareceram ao
tribunal no domingo, Mirzoyev e Rachabalizoda estavam com hematomas nos olhos,
e a orelha de Rachabalizoda estava enfaixada. As autoridades disseram que a
mesma foi parcialmente cortada durante a prisão.
Já Fayzov foi levado
ao tribunal em uma cadeira de rodas — e parecia estar sem um olho, segundo a
agência de notícias Reuters. O rosto de Fariduni, por sua vez, estava muito
inchado.
Os especialistas
concordam que o Estado Islâmico e seus apoiadores vão ver os ataques deste ano
na Rússia e no Irã como uma grande jogada de marketing destinada a ajudar a
organização a recuperar sua imagem como uma ameaça global e a alavancar seus
esforços de recrutamento.
“Apesar destes
ataques, este é um ano difícil para o Estado Islâmico, repleto de fracassos”,
acrescenta Mina Al-Lami.
Ø
Putin: sabemos que o ataque terrorista ao
Crocus City Hall foi cometido por radicais islâmicos
Em reunião para
discutir medidas tomadas após o ataque, presidente russo diz que forças de
segurança estão trabalhando para desmantelar toda a base terrorista responsável
pelo ataque.
O presidente russo,
Vladimir Putin, classificou o ataque terrorista contra o Crocus City Hall como
um elo entre as tentativas daqueles que lutam contra a Rússia, desde 2014, por
meio do regime de Kiev. A declaração foi dada em uma reunião para discutir as
medidas tomadas após os ataques terroristas.
"Aqueles que
planejaram o ataque terrorista na sala de concertos Crocus City Hall esperavam
semear o pânico e a discórdia na nossa sociedade, mas foram recebidos com união
e determinação para resistir ao mal", disse o presidente russo.
Putin ressaltou que
todos os quatro autores do ataque terrorista foram capturados e presos, e que
eles tentavam fugir em direção à Ucrânia, onde uma "janela" de escape
foi preparada para eles para cruzarem a fronteira para o lado ucraniano.
O presidente russo
informou que 11 pessoas foram detidas e que as forças de segurança estão
trabalhando para desmantelar toda a base terrorista envolvida no ataque.
Segundo o Serviço Federal de Segurança russo (FSB), as armas utilizadas pelos
terroristas foram previamente preparadas em um esconderijo.
O presidente russo
exaltou a atuação da sociedade russa após os ataques terroristas, afirmando que
"a sociedade russa deu um exemplo de verdadeira solidariedade, coesão e
apoio mútuo".
"Nestes tempos
difíceis, a nossa sociedade deu um exemplo de verdadeira solidariedade, coesão
e apoio mútuo", disse Putin.
"Sei que entre
aqueles que agora enviam palavras de solidariedade às famílias das vítimas
estão pessoas de diferentes nacionalidades, de todas as regiões do nosso país,
de todas as idades, incluindo crianças e estudantes", acrescentou.
Anteriormente, Putin
acrescentou que a Rússia se deparou não apenas com um ataque terrorista
cuidadosamente planejado, mas também com um assassinato em massa de civis
preparado e organizado cinicamente. O presidente russo enfatizou que todos os
autores e mentores do crime sofrerão uma punição justa e inevitável.
O ataque ao Crocus
City Hall, localizado na cidade de Krasnogorsk, nos arredores de Moscou,
ocorreu na noite de sexta-feira (22), quando um grande número de pessoas se
preparava para assistir a um show da banda de rock russa Picnik. Segundo
autoridades russas, pelo menos 137 pessoas morreram no ataque e mais de 100
ficaram feridas.
Fonte: BBC News Mundo/Sputnik
Brasil
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